O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 36
A recuperação.




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Às dez horas daquela noite, cheguei novamente ao hospital. Praticamente todos os componentes de nossa equipe estavam por lá, inclusive João Batista. Porém, como aquele horário encerrava o horário de visitas, todos foram embora, cada qual para suas casas, menos Marcos César, que resolveu dormir no ônibus.

Entrei no apartamento e Regis já estava dormindo e assim permaneceu praticamente a noite toda. Devido os sedativos e outros remédios, ele dormia muito.

Consegui dar algumas cochiladas, mas praticamente não consegui dormir. Acho que vi passar todas as demoradas horas daquela noite, a qual inclusive foi a primeira que passei em um hospital.

Às oito horas da manhã, Marcos César já estava no apartamento comigo, então, como ele disse ter conseguido dormir bem e concordado em ficar com Regis, que continuava dormindo, fui para o ônibus, tentar dormir um pouco.

Devido o cansaço da noite no hospital, dormi em menos de cinco minutos e só acordei pouco depois do meio dia, ouvindo Daniel, Pinduca, Felipe e Juliano conversando. Levantei-me e fui até eles, que estavam na porta do ônibus com Tony.

— Como estão as coisas? — perguntei-lhes.

— Tudo bem! — disse Daniel.

— Quem está com Regis?

— Os pais dele e o professor.

— Vou até lá!

Segui até o hospital, a menos de cem metros.

Regis estava acordado e aparentemente mais animado.

— Como foi à noite? — perguntou-me secamente o senhor Pedro.

— Tudo bem! — respondi no mesmo tom. — Ele dormiu a noite toda!

— Vocês dois não me deixam sarar! — protestou o menino, sério.

Assustamo-nos. O senhor Pedro mais do que eu.

— O que houve, Regis? — perguntou-lhe seu pai.

— O senhor continua com raiva de Willian! Isso não é bom!

— Filho! A gente vai conversar direito, depois!

— Eu preciso sarar agora, papai! Depois pode ser tarde demais!

— Filho! — assustou-se ele. — Você está se recuperando!

— Minha cura é milagre de Deus, papai! E Deus não aceita mágoa!

Ele começou a chorar e se lembrando do conselho do médico, de que Regis não deveria se emocionar, resolveu sair do apartamento; dona Odete o acompanhou, me deixando apenas com Regis e o professor.

— Regis, não brigue com seu pai! — pedi. — Ele está magoado comigo devido o acontecido. Mas depois tudo se ajeita e nós ficaremos todos bem. Isso não é o mais importante!

Ele deu um pequeno sorriso e disse:

— Preciso pressionar ele, Willian! Você é a pessoa mais importante da minha vida! Ninguém pode brigar com você!

— E essa história de que Deus não aceita mágoa?

— E por acaso Deus aceita mágoa? — perguntou-me ele, sério.

— Onde você acha tanto o que falar?

— Era uma vez um menininho pequeno que queria rezar, mas não sabia direito e ninguém o ensinava. Ansioso e mesmo sem saber, ajoelhou-se em sua cama e pediu, Senhor sou ainda uma criança e não sei rezar. Então ouviu, Vá, eu coloco as Minhas palavras em sua boca.

— Fique calmo, pois seu coração está pulsando acelerado — disse o professor.

Realmente, eu não havia notado, mas o coração de Regis, que não deveria passar de setenta pulsações, estava quase em noventa. Mesmo tentando não demonstrar preocupação, acionei a campainha próxima a seu leito. O senhor Pedro, mais calmo, retornou e se aproximou do menino.

— Desculpe o pai, tá filho!

— Eu amo você, papai!

Entrou uma enfermeira, se aproximou de Regis e perguntou:

— O que se passa com nosso paciente favorito?

— É que o ritmo do coração dele está acima do normal — aleguei. — Queria saber do médico se está tudo bem.

— Vou chamá-lo! — disse ela se retirando.

Foi quando o senhor Pedro percebeu que não estava tão normal assim. Na verdade, como somos todos leigos, não sabíamos se aquilo realmente poderia afetar a saúde do menino. Apesar disso, procuramos manter a calma e aguardar a chegada de quem entende.

O médico estava demorando a chegar, mas Regis, apesar de menino esperto, nem percebeu que a gente tinha alguma preocupação e continuava falando com todo mundo.

Foram dois longos minutos, até que o doutor Hernandes entrasse no quarto e sem falar nada se aproximou do menino, dando uma breve examinada no mesmo.

— Você tem que ficar calminho, garoto! — disse o médico, colocando a mão em seu peito. — Esse coraçãozinho aqui dentro está ferido e não pode acelerar!

— Eu estou calmo, doutor! — disse Regis. — Só queria me levantar!

— Depois dessa prova de fogo?! — profanou o médico. — Quem sabe mais tarde eu deixo você se levantar um pouco.

— Verdade!?

— Calminha!

Doutor Hernandes sentou-se na poltrona do apartamento e cruzou os braços. Regis percebendo, perguntou calmamente:

— O senhor vai ficar aqui?

— Vou ter que pajear você por alguns minutos.

— O senhor precisa trazer o resto da equipe que me socorreu pra eu conhecer!

— Eles virão! Não tenha pressa!

— Quem são eles?

— O doutor Marcelo, doutor José Henrique, os enfermeiros Paulo Sergio, Renato e Luciana.

— Falta um! — Cobrou Regis.

— Sim! Eu!

— Mais um! — insistiu Regis.

— Não! — negou o médico. — Éramos seis! E não é a novela!

Éramos seis, é uma novela da Rede Tupi de Televisão exibida em 1977. Escrita por Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho, foi baseada no romance de Maria José Dupré, com direção de Atílio Riccó e Plínio Paulo Fernandes.

— Tinha um médico moreno, um parecido com japonês, um grisalho que não usava máscara e o senhor, além dos enfermeiros.

— Você estava desmaiado, garoto! — negou o médico. — Você não viu nada!

— Eu vi sua equipe médica, doutor!

— Fique calminho. Você não deve se alterar.

O médico se levantou e disse:

— Preciso ir. Não se preocupe que está tudo bem! Se precisar é só chamar!

Permaneci no hospital até à tarde.

Regis praticamente não dormiu à tarde toda, sempre comentando que o médico o deixaria a se levantar naquele dia.

Cinco horas da tarde, doutor Hernandes retornou e se aproximou dizendo:

— E aí? Esse coraçãozinho parou de bater igual pandeiro?

— Está normal doutor! — disse o menino animado.

— Quer se levantar um pouco! Não é?

— Chega de cama! — foi incisivo o menino.

— Então vamos nessa!

O doutor e o senhor Pedro, o ajudaram a se levantar lentamente e o colocaram sentado na poltrona, depois ficou observando um pouco, sem tirar os olhos do aparelho que controlava as batidas de seu coração, que, devido a esse pequeno esforço chegou a cem pulsações.

— Como está se sentindo? — perguntou-lhe o médico. — Muito cansado?

— Só um pouquinho!

— Você não deverá se levantar sem acompanhamento médico. Tudo bem?

Ele acenou que sim.

— Amanhã deixarei você se levantar novamente. Mas só quando eu vier aqui!

O médico voltou-se a nós, dizendo:

— Estarei no hospital só até às seis horas. Então quando faltar uns dez minutos, vocês colocam ele na cama, antes que eu vá embora. Com isto vocês terão estes dez minutos pra observar sua reação. Qualquer coisa me chame!

E se retirou.

Ele permaneceu sentado até o horário combinado. Depois o colocamos na cama e o observamos durante mais de vinte minutos, sem nenhuma anormalidade, então fui para casa descansar. Dona Odete, que não estava no hospital, viria às dez horas daquela noite para dormir com o filho.

©©©

Quando cheguei ao hospital, às nove horas da manhã de segunda-feira, Regis estava sentado na poltrona, de short e sem camiseta, com o peito enfaixado e acompanhado por Pinduca. Ele parecia bem melhor do que no dia anterior.

— Olá! — cumprimentei a ambos. — Doutor Hernandes esteve aqui?

— Não! — negou Pinduca. — Estiveram os doutores Marcelo e José Henrique. Eles autorizaram Regis a sentar-se.

— E sua mãe, Regis?

— Foi embora assim que Pinduca chegou — disse o menino.

— Você está bem?

— Quero fazer xixi! Leve-me ao banheiro!

— Não vai dar! — neguei. — Esse fio, do aparelho ligado a você não vai alcançar!

Apanhei o urinol (acho que era o nome daquela peça de aço inoxidável, parecido com uma lâmpada de Aladim).

— Use isto! — disse-lhe.

— Ajude a me levantar! — pediu ele.

Ajudei-o.

— Pinduca, segure a porta fechada — pediu ele. — Vai que entra alguma mulher!

— Ela vai gostar! — riu Pinduca, segurando a porta.

Baixou um pouco o short sem cueca e fez xixi no referido urinol. Ao terminar, ajudei-o a se sentar na poltrona e joguei a urina no vaso sanitário.

— Você parece bem melhor, hoje! — disse-lhe.

— Ele está uma maravilha! — brincou Pinduca. — Está até querendo fazer shows!

Regis riu, até com certo exagero.

— Pode parar! — pedi preocupado. — Nada de esforços!

Poucos minutos depois, entrou o enfermeiro Paulo Sergio, com material de banho.

— Vamos lavar os vencidos?! — disse ele.

— Eu queria tomar banho no chuveiro! — protestou o menino.

— Por isso não! — insinuou o enfermeiro. — Você já está sentado mesmo! Não custa nada!

Deixou seus apetrechos sobre a cama e se aproximou do menino, dizendo:

— Vamos tirar este sutiã!

— Sai de mim, owh! — retrucou o menino. — Não sou mulher não!

Paulo Sergio desenfaixou seu tórax e disse:

— Você pode tomar banho de chuveiro! Mas não sozinho! Alguém terá que dar banho em você!

— Não sou criancinha! — negou o menino.

— Mas tem um coraçãozinho sensível no peito!

— Willian me ajuda! — concordou ele. — Mas as partes proibidas eu lavo!

— Então vamos nessa! — confirmei.

O grande corte em seu tórax estava em bom estado de cicatrização, mas confesso que ainda estava muito feio, formando um grande risco negro, cheio de pontos e marca de sangue. Ajudei Paulo Sergio levá-lo ao chuveiro, onde ele se despiu do short que usava; liguei o chuveiro, esperei que a água se esquentasse e esfreguei sua cabeça, costas, rosto, peito... com muito cuidado e pernas. Então, ele mesmo lavou seus órgãos genitais e nádegas. Desliguei o chuveiro, mas ele pediu:

— Me deixe ficar mais um pouco debaixo da água! Está tão boa!

Tornei a ligar o chuveiro e ele ficou pelo menos mais dois minutos sentindo a água cair sobre seu corpo despido. Depois disso, ele mesmo desligou o chuveiro e eu o enxuguei com muito cuidado e ao vesti-lo com short, ele exigiu:

— Tá na hora de usar uma cueca, não Willian! Só de short dá impressão que estou pelado!

— Pra ficar na cama, Regis! Sem cueca é melhor!

— Minhas coisitas ficam soltas...

— Mas ninguém vai mexer com suas... coisitas!

Ele me olhou com cara de “quero! Põe!” Apanhei uma cueca, que já estava no apartamento junto com outras roupas. Ajudei-o a se vestir e o levamos à sua cama, pois ele resolveu se deitar um pouco.

— Não vou colocar faixas em seu peito! — decidiu o enfermeiro. — Depois o médico virá dar uma olhada. Mas já está cicatrizando e os pontos estão saindo por si mesmo.

— Quando eu quiser ir ao banheiro como faço com este aparelho ligado em mim? — perguntou Regis.

Enquanto Paulo Sergio religava o aparelho, dizia:

— Ele funciona como um prendedor de roupas em seu dedo. Basta você pressionar pra ele sair. Aí você vai ao banheiro acompanhado por alguém, depois torna a colocar. Este aparelho serve apenas pra monitorar seu coração e sua pressão arterial. Não é tão importante assim!

— Vou ao banheiro acompanhado? — admirou-se Regis. — E minha privacidade?

— Faz de conta que você ainda é nenê! Tchau!

Paulo Sergio se retirou.

— Isso sim é que é banho! — suspirou Regis. — Agora me sinto limpo! Estava com as partes tudo grudando!

— Você continua sentindo dores? — perguntei-lhe.

— Um pouco! Sinto um pouco cansado também! Mas já estou feliz!

— Eu vou embora! — disse-lhe. — Você fica com Pinduca.

— Já? Você não ficou nada comigo! Tá com pressa em me abandonar?

— Nada disso! — neguei. — Precisamos deixar espaço pra outras pessoas te visitar também!

— Ainda tem duas vagas pra visita! — alegou ele convicto. — Depois, papai virá dormir comigo! Então você pode ficar até à noite!

— Quem vai embora sou eu! — anunciou Pinduca. — Vou aproveitar o fim dos feriados e visitar meus pais em Santos.

— É o contrário? — especulei-o. — Espera os feriados acabarem pra ir à praia!

— Santos fica bem mais calmo depois dos feriados.

— Santos! Praia! — entusiasmou-se Regis. — Que delícia! Vai hoje?

— Agora! — disse Pinduca. — Já estou com o carro aí na porta.

— Você disse que hoje é feriado? — admirou-se Regis.

— Hoje não! Já passou tudo! Sexta feira santa e domingo de páscoa.

— Falando nisso! — alegou o menino. — Willian, eu queria falar com os repórteres.

— Por quê?

— Quero falar com eles! — insistiu o pequeno.

— O que você vai falar?

— Você não confia em mim?

— Em você... Mais ou menos! — gesticulei as mãos. — Neles não!

— Só vou falar com as pessoas sobre minha saúde!

— Eu e o doutor Hernandes já falamos sobre sua saúde!

— Quero falar de meu jeito!

— Vou ver o que posso fazer! Pinduca, dá pra esperar só um pouquinho? Eu volto logo!

— Por favor! — concordou o músico.


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