O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 11
Questão de justiça.




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Assim que a professora terminou de fazer a chamada no dia seguinte, levantei-me e fui até sua mesa, pedi permissão e retornei à diretoria, bati na porta e ele ordenou:

— Pode entrar.

Abri a porta, pedi licença e entrei. Cheguei junto a sua mesa e ele, apanhando a palmatória para me intimidar, me olhou sério e perguntou:

— Descobriu o autor daquele bilhete?

— Não senhor!

— O que eu lhe disse ontem?

— Sinto muito! Não posso acusar outra pessoa sem saber quem é.

— Quem sente muito sou eu! O bilhete vai parar nas mãos de seu pai. Você mesmo irá entregá-lo.

— Por favor! Papai baterá em mim.

— É o que você está precisando.

— Não fui eu!

— Faça seu pai acreditar. Como é o nome dele?

— Pedro Moura.

Então ele escreveu nas costas do próprio bilhete o seguinte recado:

Dobrou o papel e me entregou, dizendo:

— Você pode decidir; entregue a seu pai ou a sua mãe e me devolva assinado no início da aula de amanhã. Agora pode ir pra aula.

De volta à sala de aula, dona Maria do Carmo me perguntou:

— Tudo foi resolvido, Regis?

— Papai terá que assinar o bilhete.

— Seu pai, é? — preocupou-se ela. — Não pode ser a mamãe?

Balancei os ombros. Dona Maria do Carmo já conhecia bem o meu pai. Mas nem ela acreditou em mim.

Na manhã seguinte em casa, peguei o bilhete e o li por várias vezes, tentando criar coragem de entregar a papai ou mamãe. Papai era um homem muito bom, mas parecia demorar a compreender as coisas. Ao conhecer minha caligrafia, não acreditaria que aquilo era uma farsa. Mamãe era muito boa comigo e talvez até acreditasse, mas devido os palavrões transcritos ali, não tinha coragem em mostrar a ela. Sentia mesmo era vergonha. Com isto, já se aproximava o horário de ir à escola e em dúvidas resolvi não entregar a nenhum dos dois, falsificando a assinatura de papai, com letras diferentes.

Quando estava em frente à escola, José Carlos, um menino da minha sala, com dez anos de idade, repetente do ano anterior, me parou, perguntando:

— Regis, onde está o bilhete que você levou pro seu pai assinar?

— Guardado — Respondi secamente.

— Quero ver!

— Não posso lhe mostrar!

— Por que não?

— Porque não posso!

— Se não me mostrar, vou te bater e pegar à força!

— Não vou mostrar! Não te pertence!

O moleque avançou contra mim tentando me esmurrar, mas, apesar de pequenino diante dele, consegui me esquivar e o empurrei com força, derrubando-o ao chão. Nesse instante, apareceram também de minha sala, Marco Aurélio e Antônio Pedro, que covardemente entraram na luta contra mim.

Bateram-me bastante, machucando meu nariz e sujando meu uniforme branco. Reviraram minha bolsa, jogando meu material no chão; inclusive meu lanche, preparado com tanto carinho por mamãe, caindo praticamente dentro de uma poça d’água. Apanharam o bilhete, leram fazendo gracejos depois rasgaram.

— O diretor vai gostar de saber que você perdeu o bilhete — ironizou Marco Aurélio.

— Isso mesmo! — confirmou José Carlos. — É pra dizer que perdeu. Ranquei sangue de seu nariz e se falar que foi nós, à tarde vamos quebrar seus dentes.

— Covardes — resmunguei entre lágrimas.

Marco Aurélio me empurrou se esnobando.

— O que foi?

— Três contra mim!

— Cantorzinho metido!

Na entrada da aula, todos, inclusive os que brigaram comigo estavam de uniforme limpinho. Eu, porém, estava muito sujo, pois eles me bateram e me jogaram no chão de terra úmida. Com isto, na entrada da classe, dona Maria do Carmo me tirou da fila, dizendo brava:

— Porco não entra em minha sala! Vá pra diretoria. Você tem mesmo que ir lá!

Sentindo-me muito injustiçado, sem saber qual foi meu grande mal, para que o mundo inteiro estivesse contra mim, segui até a sala do diretor. Ao entrar ele perguntou:

— Que sujeira é essa?

— Uns moleques me bateram.

— Depois quero saber sobre isso. Sua professora já fez a chamada?

Acenei timidamente que não.

— Gosto de respostas com a boca! — reclamou bravo o diretor. — Não com a cabeça e ombros!

— Ela ainda não fez a chamada. Não me deixou entrar na sala por estar sujo.

— Você trouxe o bilhete assinado?

— Eles me tomaram e rasgaram o bilhete.

— Rasgaram?

Assustado, acenei que sim.

— Respostas com a boca! — tornou a reclamar o homem.

— Eles rasgaram o bilhete sim senhor!

— Eles são de sua classe?

Acenei que sim. Depois, me lembrando das exigências, emendei:

— São sim senhor!

— Por que rasgaram?

— Não sei! Acho que foi um deles quem escreveu!

— Seu pai tinha assinado o bilhete?

— Não!

— Você não mostrou a ele?

Assustado, neguei com a cabeça.

— Você não mostrou a ele?

— Não! Fiquei com medo.

— Ninguém assinou?

— Eu assinei o nome de meu pai.

— Como assim?

— Tive medo de mostrar a ele, então escrevi o nome dele.

— Isso não se faz! Falsificar assinatura é crime.

— Ele me bateria muito.

— Vá chamar os meninos de sua classe pra mim. E peça pra que tragam o material escolar. E você volta com eles.

Voltei até minha sala de aulas, pedi para a professora mandá-los até a diretoria com o material. Durante o curto percurso do corredor, Antônio Pedro me disse:

— Você nos dedurou, não é mesmo?

— Como eu iria explicar minha roupa suja? — balancei os ombros.

— À tarde vou quebrar todos seus dentes.

Nada respondi. Na entrada da diretoria pedi licença e entrei. Os três meninos foram entrando sem pedir licença. Então o diretor gritou:

— Onde vocês pensam que estão!? Em suas casas?! Saiam daqui e só entrem depois de serem autorizados!

Os três tiveram que sair, pedir licença e entrar novamente. Então o diretor me perguntou:

— Qual deles rasgou o bilhete?

— José Carlos — afirmei olhando para o chão.

— Olhe para mim ao me dirigir a palavra!

Olhei para o diretor.

— Repita! Quem rasgou o bilhete?

— José Carlos — insinuei trêmulo.

— Mentira dele! — negou o acusado.

— Quero ver seu caderno!— ordenou o diretor ao acusado.

O menino abriu a bolsa, apanhou seu caderno de classe e entregou ao diretor, que o examinou.

— Me de seu caderno também, Regis.

Abri a bolsa, apanhei meu caderno de classe e o entreguei. Este, os comparou entre si.

— Regis, você acha que José Carlos escreveu aquele bilhete?

— Não sei não senhor! Acho que um deles deve ter escrevido e anotado meu nome.

— Escrito. Regis! — corrigiu-me o diretor. — Por que fariam isso?

Neguei com os ombros.

— Por que fariam isso? — repetiu o diretor.

— Eu não sei! — respondi.

— Por que você escreveu aquele bilhete, moleque? — perguntou o diretor a José Carlos.

— Não escrevi nenhum bilhete! Regis está mentindo!

— Ele não me disse que foi você! Eu estou dizendo! Acha que também sou mentiroso?

— Não fui eu! — negou o moleque assustado.

— Como você explica ser a sua caligrafia?

— Não é minha caligrafia! Regis tem a letra igual a minha!

— Moleque safado! — gritou o diretor. — Como você conhecia a letra de seu colega, escreveu aquela imundície para prejudicá-lo. Por que você fez isso?

— Só queria dar um susto nele! — acusou-se José Carlos. — Ele é muito metido e exibido.

— E o que tem isso, safado?

— Quando a Lucia chegou a nossa escola, ele foi direto atrás dela.

— Quem é Lucia?

— A menina do circo — explicou ainda, José Carlos.

— E o que significa, ele ter ido direto atrás dela?

— Abandonou os outros amigos.

— Não abandonei ninguém! Só fiz amizade com Lucia. Isso não quer dizer que abandonei ninguém!

— Muito bem, Regis — prosseguiu o diretor. — Os três bateram em você. Não foi?

Novamente calado balancei os ombros.

— Você só sabe falar com os ombros, menino?

— Desculpe... — pedi assustado.

— Pode voltar a sua classe. Eles irão ficar aqui pra baterem em mim também!

Retornei a minha sala de aulas e pedi licença para a professora, que estava sentada por trás de sua mesa.

— Os meninos bateram em você? — perguntou-me ela.

Acenei que sim.

— Qual o motivo?

— O Zé Carlos escreveu aquele bilhete. O diretor já descobriu.

— Não foi você?

Balancei os ombros. Ela ficou sem palavras por alguns segundos, depois me mandou sentar.

Meia hora depois, Antônio Pedro e Marco Aurélio voltaram à sala de aula. José Carlos teria recebido suspensão de dois dias.

Na saída para o recreio, a professora pediu para que eu ficasse na sala e então, após todos saírem, ela se aproximou e disse:

— Quer dizer que outra vez você foi acusado injustamente?

— O pior é que os meninos disseram que vão me bater novamente.

— Eu falarei com eles.

Calou-se novamente, depois disse preocupada:

— Nem eu acreditei em você, Regis. Justo eu que conheço bem sua índole!

— O que é índole? — Acho que ela pensava que eu era adulto.

— É o que a gente é por dentro. Sua índole é de justiça e bondade e eu não acreditei em você.

Balancei os ombros, como a dizer que estava tudo bem.

— Você me desculpa?

Abraçou-me com lágrimas nos olhos.

Só não sei como ela não conhecia a letra do outro menino. Ou deixou-se levar pelo momento de ira.

E eu só tinha oito anos de idade, mas percebia a cada dia, que as pessoas, por mais que te queira bem, acaba se acomodando nas situações que lhe sejam mais fáceis, sem perceber que pode estar prejudicando seres, que também têm sentimentos e sentem dores.

©©©

Naquela tarde, saí da escola acompanhado por Diana, comentando sobre o acontecido. Já do lado de fora, Antônio Pedro se aproximou dizendo:

— Regis, agora vou quebrar seus dentes. Seus e dessa biscatinha também!

Ao ouvir aquilo, avancei bruscamente contra ele, esmurrando-o e derrubando-o no chão. Naquele momento, apareceram José Carlos e Marco Aurélio, que juntos me puxaram pela camisa. Ao mesmo tempo apareceram Luizinho, João Pedro e Carlos Alberto. Luizinho, que era o maior, com seus dez anos de idade, gritou:

— Calma aí, colegas. A gente também quer brigar.

Ouvindo aquilo fiquei apavorado. Iria apanhar mais do que... “cachorrinho sem dono”. Porém, Carlos Alberto me perguntou:

— Com quem você prefere lutar?

— Ninguém! — neguei assustado.

— Se você não escolher eu escolho. O Luís pega o Marco, que é o mais forte; eu pego o Zé Carlos, o João pega o Antônio que é o mais fraquinho e você, que já apanhou muito, fique descansando.

— É isso! — ironizou Luizinho. — Agora parece mais justo, três contra três…

No início tive medo de que os três colegas que chegaram também estavam contra mim; mas ao perceber que eram meus aliados, me senti aliviado e ainda com o coração descompassado, fiquei assistindo a briga. Luizinho sozinho, praticamente bateu nos três encrenqueiros, que apanharam tanto, que acho que jamais iriam querer provocar a quem estivesse quieto.

Terminada a confusão, acompanhei Diana em seu caminho para casa (a gente morava em bairro próximo).

— Desculpe acusar você, Regis — pediu ela nervosa. — Eu pensei…

— Não foi você — neguei. — Não se preocupe.

— Mas sei que você é legal! Não devia desconfiar de você.

— Eu no seu lugar pensaria igual. Depois, você não disse que fui eu!

Conhecendo Diana como eu conhecia, sabia que ela era sincera e educada. De fato, não foi ela quem me acusou. Ela simplesmente chorou.

No decorrer dos dias, voltava minha rotina comum, inclusive refazendo a amizade com os meninos encrenqueiros. Parecia que minha vida, então voltaria à quase normalidade novamente; a não ser por uma coisa:

— Mamãe — insinuei triste. — Nem sei por que continuo nas aulas de violão e canto. Já não poderei ser mais artista.

— Por que você não quer ser mais artista? — espantou-se ela.

— Artista sem violão?

— Veremos como fazer — atrapalhou-se ela. — Você ainda quer ser artista?

— Papai vai deixar?

— Papai pode mandar em você filho — abraçou-me. — Mas em seu coraçãozinho não. A vocação é um dom de Deus e isso ninguém pode lhe tirar.


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Notas finais do capítulo

A partir do próximo capítulo a narrativa volta a ser de "Willian Gustavo",
Regis passou por um drama difícil. Agora deverá se tornar mais ameno.



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