Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 12
Vestígios




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Ainda chocada, devolvi o anuário à sua prateleira desastradamente e corri de volta à Stanley e Izzy, que vagavam pelo corredor de Poesias. Ao me verem, assustaram-se.

–O que aconteceu J? – Izzy perguntou vendo minha expressão.

–Preciso conversar com vocês.

Prendi meus cabelos em um coque e estalei os dedos, gestos que eu fazia quando estava nervosa. Nathan ainda estava na ala oeste tirando fotos, Stan foi até lá avisá-lo e segui com Izzy até a saída. Já ao ar livre, sentei-me em um dos bancos em forma de meia lua que havia por ali. Eles ficavam em um cantinho rodeado por uma sebe alta, o que lhes conferia certa privacidade. Uma pequena fonte jorrava por perto, o barulho de água me confortou.

–Pelo amor de deus Johanna, o que te aconteceu?

Respirei fundo e comecei a falar. Stan chegou e se sentou ao meu lado.

–Eu estava olhando os anuários dos alunos daqui e encontrei um em que vocês apareciam... – comecei.

–Vixe, nem quero imaginar o que você viu – riu Stan aliviando brevemente a tensão do ar.

–Pois então, este é o ponto. Encontrei o retrato de Abby, vocês por acaso lembram o que estava escrito embaixo da foto dela? – questionei

–Provavelmente coisas ruins – comentou Izzy. – Abby não era muito querida por aqui, até porque ela fazia questão de demonstrar que ninguém era querido por ela. Ela só tinha a gente e...

–Gente, Abby alguma vez tentou se matar? – Interrompi, não consegui mais enrolar.

Ela e Stan entreolharam-se. Seguiu se um breve silêncio.

–Quer saber J, vou te contar o que aconteceu – começou Stan. Ele estava realmente sério. – Mas nunca mais me pergunte nada sobre isso.

Engoli em seco.

“Nunca soubemos direito sobre seu passado, mas quando chegou aqui Abby tinha ansiedade e era dependente de antidepressivos e Valium. Ela ganhou fama de bipolar por isso inclusive, porque ela tinha períodos de grande excitação e energia seguidos de momentos de extremo desânimo e melancolia. Mas era uma pessoa boa, ela sentou em minha frente no primeiro dia de aula, assim como você. Ela parecia gostar da gente desde o início. Conforme a amizade crescia, nós a ajudávamos muito com seus problemas, a convivência com ela não era algo difícil. Embora ela mantivesse a imagem de estranha para os demais, conosco ela era apenas ela mesma, uma garota normal, mesmo com suas peculiaridades. Até que chegou certo ponto em que ela não tinha mais períodos de tristeza, parecia estar se estabilizando. Ela estava em uma constante, sem extremos, e sempre respondia que estava realmente bem quando a questionávamos. Até que num determinado dia ela não apareceu na escola. Nem no dia seguinte.”

Stan começou a ficar nervoso, falando cada vez mais rápido.

“Dois dias depois a diretora apareceu falando que ela estava no hospital. Eu fiquei desesperado. Fomos todos vê-la, e o médico disse que foi uma tentativa de suicídio.”

Stan tinha lágrimas nos olhos. Izzy sentou ao seu lado e o abraçou suavemente. Fiquei assustada com as proporções que isso estava tomando.

“Quando ela acordou, eu perguntei diversas vezes coisas como ‘por que você fez isso? ’ e ‘por que você queria nos deixar para sempre? ’ mas ela não me respondia, só dizia que não era sua intenção, que apenas estava tentando dormir e acabou exagerando na dose dos calmantes sem querer. Nunca engoli muito aquilo, e a partir desse acontecimento ela já não era mais a mesma. Dali até a noite de Halloween foi menos de dois meses. Ela nos trocou por Zachary tão facilmente... Eu que fiz tanto por ela, achei que merecia mais. Eu merecia mais.”

Stan finalizou a narrativa, desabando no colo de Izzy. As lágrimas saíam dos seus olhos verdes sem parar, e ele as enxugava com as mangas do suéter enquanto soluçava.

Permaneci sentada pensativa quando os dois saíram dali. Eram muitas informações para eu assimilar assim rapidamente. Então Abby tivera um ano extremamente conturbado no Masefield, seu passado era desconhecido e pra completar ela foi uma depressiva viciada em remédios, o que quase a levou a óbito. O que mais havia para se descobrir? E, além disso, algo que tinha ficado muito claro para mim: Stanley um dia gostou de verdade dessa garota.

x x x x

Após devolver a câmera ao professor e revelar as fotos que estavam no cartão de memória, fui direto para casa. Não estava com cabeça de fazer alguma coisa além de descansar. O caminho passou rápido e sem que eu me desse conta já estava na ladeira de minha casa. Aproximando-me do meu portão, avistei Johnny chegando a pé logo atrás de mim. Ele me abraçou ao se aproximar, o que foi estranho, pois ele não costumava me abraçar. Depois, colocou o braço em torno dos meus ombros e caminhou comigo até a porta de entrada, com o passo animado.

–Então J, como foi seu dia na Hogwarts? –perguntou sarcasticamente.

–Tiramos umas fotos, as minhas ficaram ótimas inclusive – disse entregando a ele as fotos que estavam em minhas mãos.

Ele as olhou uma por uma.

–Mas nossa, de onde veio esse talento todo?

–Sou uma Dubrowsky, não é? – retruquei.

Ele sorriu e bagunçou meu cabelo. Eu adorava quando ele estava de bom humor, era capaz de mudar o meu através de sua aura. Afastei os pensamentos de Abby por um tempo.

–Ah! –exclamou ele ao se lembrar de alguma coisa. - Falando em fotos, vem cá, quero te mostrar uma coisa – disse subitamente, me soltando e indo depressa para dentro de casa.

O segui e após subirmos as escadas, chegamos em seu quarto: ele havia coberto suas paredes indiscriminadamente por pôsteres, etiquetas, tickets e tudo o que fosse colável e ele houvesse classificado como “legal”. A parede tinha também uns desenhos e umas escritas - ou rabiscos - feitas com caneta de nanquim, geralmente artes resultantes de seu estado na volta de suas noites de bebedeiras e de sabe-se lá mais do que. Sua cama era um colchão embaixo da janela, coberto por um pesado edredom preto. Ao lado havia uma luminária articulada amarela sobre uma pequena estante repleta de discos e livros, onde sua guitarra e violão ficavam encostados. Johnny era muito bagunçado: acho que nem preciso mencionar a quantidade de coisas e roupas jogadas ao chão.

–Sabe, arrumar o quarto não machuca – comentei.

–Deixá-lo desarrumado também não – respondeu rapidamente. – mas escuta aqui, olha o que eu achei fuçando meu armário – disse revelando uma caixa de metal enferrujada.

Peguei a caixinha e ao abrir, caiu um pouco de ferrugem no chão. Dentro dela encontrei diversas fotografias cor sépia, guardadas aparentemente há muito tempo. Sentei-me na cama e fui tirando uma por uma.

–Olha só, são fotos da nossa casa J, provavelmente vestígios dos primeiros moradores – disse Johnny se abaixando para olhá-las comigo.

A primeira que peguei estava um pouco amassada e mostrava um homem muito elegante segurando um bebê. Ao fundo, nossa casa, com o jardim um pouco diferente. Não havia grades ao redor e tudo aparentava ser mais novo. A segunda foto mostrava nossa sala de jantar, com uma decoração e papel de parede totalmente diferentes, apesar dos lustres e armários serem os mesmos. Na mesa, o mesmo homem da foto anterior estava sentado, e a mesa estava repleta de tinta e pincéis. Em uma última foto, via-se um berço coberto por um véu muito fino ao lado de uma cadeira de balanço em algum dos cômodos, que reconheci através da janela em segundo plano sendo meu atual quarto.

As fotos eram uma série da nossa casa versão século XIX. Continuei bisbilhotando, até que no fundo da caixa havia outra série de fotos de outro tempo, esta por sua vez em preto e branco. Em uma delas, uma nova família posava em frente à casa. Pelas roupas, remetia a algo mais anos 60. Era um casal e dois filhos, uma menina e um menino, ambos loiros e sorridentes. Desta vez a casa estava coberta por hera e já havia as altas grades pretas que cercam o terreno até hoje.

–Caramba Johnny, como você só reparou isso no seu armário hoje?

–Sei lá, eu nunca tinha mexido direito nele, quando nos mudamos eu só joguei minhas roupas ali dentro e fechei – respondeu com naturalidade. – Aí hoje de manhã eu estava procurando um isqueiro e achei isso.

Mas é claro. Não poderia ser mais previsível.

Olhei de novo a foto em minhas mãos. Queria ver as crianças, mas pelo fato de ser uma foto antiga era difícil individuar seus rostos. Até que parei de focar nos rostos e desci para as mãos, o que me assustou: percebi que a menina estava segurando um pequeno gatinho preto.


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