Vênus escrita por Ninhax


Capítulo 3
Capítulo 3




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Ao ouvir a pergunta Hermione teve um sobressalto. Não esperava nenhum tipo de comunicação pela parte de Malfoy. Na verdade, nem sequer se lembrava da última vez que havia trocado palavras com ele.

— Não, — Hermione respondeu. Ainda confusa com essa interação. — Por quê?

Draco a olhava com uma expressão neutra. Havia fechado o livro que estava lendo, e este repousava em seu colo.

— Não sei. — Ele desviou o olhar. — Apenas tive esse pensamento. O silêncio é cultuado em bibliotecas.

— Bem, eu não passo tanto tempo assim em bibliotecas, como você presume. — Hermione respondeu, e franziu o cenho, mais para si mesma do que para Malfoy.

Ele não disse mais nada. E Hermione tentou voltar a ler, mas tudo o que conseguia fazer era encarar a ilustração da página em que havia sido interrompida. Era o desenho de um elfo voltado para a entrada de uma floresta. Hermione observava a continuidade das linhas do desenho, como se elas pudessem ajudá-la a dar continuidade a seus pensamentos. Mas elas não ajudaram muito.

— E você? — Hermione perguntou, depois de longos minutos de quietude. Draco a encarou, como quem não entendia. — O silêncio.

— Me incomoda. — Draco respondeu com simplicidade. — Bastante.

Hermione achou essa resposta estranha. Sempre vira Draco com um garoto quieto. Quando era menor, falava até mais do que o necessário, tentando impressionar o pai. Mas ela sempre teve a percepção de que ele foi se calando ao longo dos anos. Isso era notável quando Draco andava com Crabble e Goyle pelos corredores e só se ouvia a voz dos dois últimos, em discussões acaloradas. Draco sempre parecia meio alheio às conversas.

— Por quê? — Hermione se viu perguntando.

Draco demorou alguns instantes para responder, como se medisse as palavras.

— O silêncio me deixa focado em meus próprios pensamentos. — Finalmente respondeu. — Eu prefiro focar em qualquer outra coisa.

— Talvez os seus pensamentos sejam muito altos. — Hermione respondeu sem pensar, e se arrependeu. Mas Malfoy não parecia ofendido. — Eu vejo o silêncio como uma oportunidade de notar coisas pequenas que as vezes passam despercebidas. Por exemplo, se você prestar bastante atenção, dá para ouvir Madame Pince resmungando coisas aleatórias.

Hermione não possuía habilidades auditivas extraordinárias, acontece que Madame Pince as vezes não controlava o tom de suas reclamações, e o grande ambiente da biblioteca, com seu teto alto, fazia sua voz ecoar. Mesmo que de forma sutil. Era preciso prestar atenção para notar.

Draco fechou os olhos, provavelmente tentando se concentrar nos sons ao seu redor e suspirou.

O ambiente ficou quieto novamente. Hermione parou de olhá-lo, e fechou o livro, passando a mão pelo título. Ela queria que ele falasse mais alguma coisa. Queria continuar a conversa.

— Obrigado. — Draco disse. E levantou-se em seguida, saindo do local.

Hermione ficou ali em silêncio, se sentia estranha. Decidiu ignorar o sentimento. Isso era o que ela mais fazia, afinal. Ignorava os sentimentos, os engolia, fingia que não existiam. Não seria diferente desta vez, mesmo por uma coisa boba como essa conversa inusitada. Sequer sabia se podia chamar aquilo de conversa, de qualquer forma.

Hermione decidiu terminar de ler e ficou na biblioteca até às oito horas, quando Madame Pince a expulsou do local.

Hermione chegou ao grande Salão atrasada para o jantar, mas nenhum de seus amigos fez muitas perguntas. Já estavam acostumados.

Após o jantar, quando estavam no Salão comunal da Grifinória, Hermione decidiu tentar conversar com Rony. Harry já havia ido para a cama, e Lilá não parecia estar em nenhum lugar próximo, então Hermione achou que ele teria disposição o suficiente para lhe dar atenção.

Rony estava sentado no sofá vermelho da sala, com uma expressão sonhadora. Hermione sentou-se ao seu lado. Olhando para o fogo da lareira por alguns minutos sem dizer nada. Rony não tentou iniciar uma conversa.

— Rony? — Hermione disse por fim.

Rony pareceu finalmente sair de seu estado de sonho e encarou a garota.

— Oi, Mione. — respondeu.

— Você se sente incomodado pelo silêncio? — Hermione perguntou. Por Merlin, o que estava fazendo?

Rony deixou clara sua expressão de confusão antes de responder.

— Sim? Não sei, ele deixa as coisas meio constrangedoras. — Respondeu hesitante. — Por quê?

Não era a resposta que ela queria ouvir. Na verdade, ela não sabia exatamente o que esperava. Sentiu-se estupida por perguntar.

— Por nada. — Hermione disse. — Estou com sono, acho que vou pra cama. Boa noite.

Tentou sair o mais rápido possível em direção ao seu dormitório, pois não queria mais perguntas sobre coisas que nem ela entendia. Deixou para trás um Rony confuso, que logo deixou o diálogo para lá.

Na manhã seguinte Hermione procurou por Harry, pois havia uma visita agendada pela escola ao vilarejo, e ela queria perguntar se ele a faria companhia.

Encontrou o no próprio corredor do lado de fora do salão comunal da Grifinória.

— Bom dia, Harry. — Hermione disse ao se aproximar. — Vai a Hogsmeade comigo hoje?

O garoto pareceu surpreso.

— O que vai fazer em Hogsmeade? — Harry perguntou com o cenho franzido.

— Quero comprar algumas penas novas e mais pergaminhos e tinta. Não quero ser pega de surpresa ao fazer trabalhos importantes. — Hermione disse com naturalidade, gostava de se prevenir. — Você vem?

Ao ouvir a explicação Harry a olhou como se fosse uma grande boba. Mas não manteve o olhar por muito tempo.

— Na verdade, não. — Harry respondeu — Tenho algumas leituras para fazer, estou um pouco ocupado. Desculpa, Mione.

Harry parecia um pouco sem graça ao responder. Como se mentisse, mas Hermione confiava nele, e por isso não contestou. Disse um até logo e se dirigiu a saída noroeste do castelo, iria sozinha então.

Sabia que Luna iria, pois pegou a mesma carruagem que ela, com mais alguns alunos de outros anos, mas não tinha grande intimidade com Luna ou com qualquer outro colega para arrastá-los como acompanhantes de suas compras. Sabia como era demorada quando se tratava de escolher materiais. Por isso manteve apenas uma conversa casual e se despediu assim que chegaram ao vilarejo.

Hermione dirigiu-se à Escribas, onde já havia comprado algumas penas antes.
Ao entrar na loja cumprimentou o dono e começou a andar pela loja, procurando por itens que lhe agradassem. Sentiu falta de alguém para conversar. Não sabia o que estava acontecendo, talvez o problema fosse ela, ou a má sorte, mas não se sentia tão deslocada assim desde seu primeiro ano em Hogwarts, quando teve problemas para fazer amizades.

Hermione escolheu o que precisava e saiu da loja, indo em direção à saída do vilarejo. Ao passar em frente ao Café Puddifoot viu Rony e Lilá compartilhando uma mesa e Rony dando biscoitinhos em formato de coração a namorada na boca. Hermione revirou os olhos. Não sabia se ficava feliz pelo relacionamento ou triste pelo comportamento abobado de Rony.

Decidiu não incomodar os dois e seguiu seu caminho em direção as carruagens que a levariam de volta. O resto do final de semana passou como um flash. Hermione gastou a maior parte do seu tempo fazendo trabalhos extensos com seu novo material e ouvindo Giny falar sobre Dino.

No decorrer da semana Hermione notou que desde a primeira aula Harry parecia cada vez melhor em poções, o que não era nem um pouco compatível com seu comportamento disperso durante as aulas. Sabia que não adiantava perguntar por que ele estava assim. Uma das grandes características que tinha em comum com o amigo era a teimosia. Se ele não queria conversar, por mais que ela insistisse, ele não iria.

Às quartas Hermione possuía aula de Astronomia, sua favorita depois de Feitiços. Por ser uma matéria obrigatória do currículo escolar, e possuir uma sala menor do que o tamanho médio das outras, não existiam turmas mistas. Todas as casas possuíam horários diferenciados.

Hermione se dirigiu mais cedo à torre de Astronomia com alguns colegas de turma e pode observar a turma da Sonserina saindo da classe. Por mais que tentasse prestar atenção à conversa sobre a Rebelião dos Duendes, seus olhos inevitavelmente tentavam localizar o corpo alto e pálido de Malfoy.

O localizou entre o grande número de alunos que começavam a descer as escadas, mas ele não pareceu notar sua presença ali. Ele conversava com Theodore Nott, e sua expressão parecia preocupada. Hermione observou-os enquanto se aproximavam, mas não fez menção de se dirigir a nenhum deles.

Eles pararam de falar quando passaram pelo grupo de Grifinórios, como se não arriscassem ser ouvidos por ninguém dali, mas não dirigiram o olhar a ninguém do grupo especificamente. Hermione então voltou sua atenção aos colegas, que a chamavam para entrar na sala de aula, finalmente desocupada.

Antes de as aulas começarem Hermione perdeu-se em pensamentos. Começou a se perguntar se era Malfoy que raramente ficava nos pátios comuns da escola ou se ela é que não notava sua presença até agora. Mas deixou as indagações de lado quando a professora entrou, iniciando a aula.


O resto da semana ocorreu sem grandes novidades. Apesar dos tempos difíceis, Hogwarts ainda era uma escola como qualquer outra, na medida do possível.

Na sexta, após o período de aulas, Hermione seguiu em direção à biblioteca com uma sensação estranha no estômago. Sentia-se estúpida. Não havia motivo algum para ir à biblioteca, ela poderia muito bem aproveitar seu tempo livre para ficar nos pátios, visitar o lago, dormir. Mas ela queria ir. Queria saber se ele estaria lá outra vez.

Ao chegar lá murmurou um “Olá” para Madame Pince e andou pelos corredores, olhando os livros sem realmente ler os títulos. Ela tinha que escolher algum. Qualquer coisa. A sensação em seu estômago se intensificou. E se ele não estivesse lá? Não sabia por que se importava tanto, mas sabia que seria como um balde de água fria. Ela escolheu um volume qualquer, de capa azul escura, e seguiu em direção ao fundo da biblioteca.

Ele estava lá. E desta vez, notou sua presença assim que ela chegou. Nenhum deles sorriu, apenas se encararam. O sentimento de apreensão de Hermione foi embora, mas ela ainda não sabia como agir.


Draco estava sentado no mesmo lugar que a última vez, e Hermione não pôde deixar de revirar os olhos, de forma automática, ao ler o título que se encontrava aberto nas mãos pálidas do garoto: Esclarecendo o Futuro, de Cassandra Vlabatsky.

Malfoy notou.

— Algum problema? — Ele começou.

Hermione sentou-se em uma poltrona antes de responder. Ainda achava a escolha de leitura absurda.

— Não, nenhum. — Respondeu com cuidado. — Não gosto desse livro.

Malfoy parecia levemente surpreso. Hermione não gostar de um livro não era algo que ele esperava ouvir.

— Por quê? — Malfoy indagou.

Hermione suspirou levemente ao ser questionada.

— Para mim, adivinhação é uma coisa estúpida. — Hermione respondeu, com uma expressão de descontentamento. — Não possui nenhuma base lógica, é pura crendice.

Malfoy estava intrigado com a resposta. Para ele, esse argumento é que não possuía lógica nenhuma.

— E você não acha estranho, você, dentre tantas pessoas, chamar algo que envolve magia de “crendice”, sendo que no mundo trouxa, todos os seus parentes chamariam essa escola inteira de lugar de ensinamentos ilógicos e sem base?

Hermione se irritou levemente com as palavras de Malfoy.

— Desde quando você sabe alguma coisa sobre o mundo trouxa? — Hermione respondeu com um tom levemente ríspido.
Malfoy não respondeu.

— Você acredita? — Hermione continuou.

Malfoy deu de ombros.

— Não tenho nada a perder. — Respondeu.

— Talvez esteja perdendo tempo. — Hermione insistia em seu ponto de vista.

— Acho que você nunca vai entender a dimensão do meu “Não tenho nada a perder”.

— Acho que não. — Hermione respondeu. — Afinal, o próprio lema da escola me aconselha: “Draco Dormiens Nunquam Titilandus”, não é?

"Um dragão adormecido não deve ser acordado". Malfoy sorriu com o trocadilho feito pela garota com seu nome.

— Talvez o dragão queira ser acordado. — Draco respondeu com simplicidade. — Mas o risco é todo seu.

Hermione assentiu com um movimento de cabeça
Se sentia bem. Por mais incomum que aquela conversa fosse, a deixava contente. Ela reparou que nem sequer havia aberto seu livro, e sabia que não iria abri-lo, de qualquer forma. Decidiu guardá-lo. Mas não fazia sentido continuar ali sem a intenção de ler. Por isso levantou e se despediu.

— Tchau, Malfoy.

— Até logo, Granger. — Hermione notou aquela sensação estranha novamente no estômago ao ouvir essas palavras. Estranho não quer dizer ruim. Ela sorriu para si mesma ao devolver o livro à estante e saiu da biblioteca.

Naquela noite, durante o jantar Hermione se perguntou se essas conversas afetavam Malfoy da mesma forma que a afetavam.

Mal sabia ela que Malfoy pensava no seu modo de lidar com o silêncio todas as noites, enquanto tentava prestar atenção aos sons a sua volta. Ele descobrira que aquilo o distraia, e consequentemente o ajudava a dormir.


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Notas finais do capítulo

Ficou um pouco maior do que o normal. Opiniões?