Olhos Carmesins escrita por BeaTSam


Capítulo 2
Capítulo 1




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– É tudo culpa sua!

Era o que dizia uma mulher pálida e franzina com longos cabelos negros a um jovem com características semelhantes às dela, exceto por uma coisa: o rapaz tinha incríveis olhos esmeralda, de um tom nunca antes visto. Os dois estavam muito aflitos. Era perceptível a insanidade presente no olhar dela. O local era luxuoso, mas ao mesmo tempo sombrio: lustres de cristal contrastavam com grossas cortinas vinho. As vestes dela também refletiam riqueza. Vestida com tecidos nobres, sua vestimenta feita pelo mais ilustre costureiro. Contudo, a desordem, tanto da mulher quanto do quarto, denunciava a loucura pela qual passava. Seu cabelo, originalmente arrumado num elegante coque, estava desajeitado, com mechas desprendendo-se do penteado. Havia gavetas jogadas no chão com seu conteúdo revirado. Vidros quebrados, quadros rasgados e poltronas jogadas no chão tornavam o cenário ainda mais sombrio. Em meio da confusão era possível ver uma coroa de cristais que brilhava de acordo com as lágrimas dos ali presentes. O ambiente era tão soturno que parecia ser coberto por miasma. A tensão aumentava cada vez mais.

– Você não deveria ter nascido!

– Mãe, se acalme!

As lágrimas rolavam pelos rostos dos dois. A mulher jogou um caro vaso de cerâmica na direção do garoto, mas ele desviou, fazendo com que o vaso se estilhaçasse ruidosamente na parede branca atrás dele. Já tomada pela insanidade, ela começou a revirar todas as gavetas de uma cômoda de mogno até encontrar um frasco com um líquido negro. Encarou o frasco como se estivesse encarando a própria morte até tomar uma decisão e resolveu o abrir. Após beber o conteúdo do frasco em apenas um gole, ela caiu de súbito no chão. Imóvel. O calor se esvaía de seu corpo enquanto a teia de sua vida se desfazia. O garoto abraçava o corpo gélido como se aquilo fosse fazer com que a vida, que já havia ido embora, fosse retida naquele recipiente vazio. Aos poucos, a imagem do presságio começava a ficar turva até que...

– Elizabeth!

Elizabeth abriu seus grandes olhos roxo escuro ao encarar a aranha que chamava o seu nome. Bem, aranha não. Destiny era o espírito guardião que tem guiado as Aracneas há milhares de anos, sua aparência fantasmagórica demonstrava isso. Elizabeth havia acabado da voltar de mais uma de suas visões do futuro. Era um de seus poderes como Aracnea afinal. Mas o que estava naquela previsão era algo muito perigoso. Deveria alertar Destiny o mais rápido possível do que estava por vir.

– Você está dormindo durante as suas tarefas?!

– Destiny, parece que alguém está tentando mudar o destino.- Elizabeth disse isso com uma seriedade incomum para a bruxa. Destiny logo entendeu que ela não estava brincando.

– O quê?!

– As coisas estão saindo de seu rumo natural. Eu previ isso. Alguém está tentando brincar com o destino.

Elizabeth caminhou em direção ao cômodo chamado Teia da Aracnea. Era uma sala repleta de teias de aranhas, as quais representavam o destino e a vida de cada pessoa do mundo. Em geral, toda a casa de Elizabeth não era muito decorada. Se fosse possível chamar aquilo de casa. Era um conjunto de árvores que uniam suas copas formando uma espécie de cabana. A única entrada era por uma fenda por onde apenas alguém tão baixo quanto a Elizabeth poderia passar. Por dentro, o único tipo de decoração que existia eram teias, teias e mais teias, especialmente naquele cômodo. Apenas aranhas e Aracneas saberiam se mover por ali sem partir nenhuma teia. As aranhas espirituais, subordinadas de Destiny, eram quem as teciam. E Elizabeth, a Aracnea, era quem supervisionava o destino para que nada saísse do normal.

Ela percorreu com a mão as teias até parar numa frágil e quase se desfazendo. Era essa a teia daquela mulher. Ela continuou percorrendo a teia na direção contrária à falha. Desse jeito, ela poderia ver a vida daquela pessoa, porém bem resumidamente. Confirmou sua suspeita: aquela mulher era uma rainha. Mas não qualquer rainha: era a rainha de Clarion, o país em que a bruxa vivia.

Elizabeth vivia numa casa no meio de uma densa floresta, mas mesmo assim ela já ouvira falar sobre a família real nas suas idas aos vilarejos próximos. Em Clarion, a família real era composta de um rei, uma rainha, uma concubina e um príncipe. A rainha raramente aparecia em público, por isso pouco sabiam como a rainha realmente era. Entretanto, ela era a integrante da família real em que os boatos mais se concentravam. Um desses boatos era de que a rainha era estéril e o príncipe era filho da concubina. Realmente, eles nada se pareciam. A bruxa já tinha ido ver a família real passar pelos vilarejos próximos em direção à sua casa de campo algumas vezes quando era pequena. O príncipe era um garoto sério e educado com seus cabelos loiros, olhos azuis e a pele exageradamente beijada pelo sol enquanto o garoto da visão parecia ser o contrário do príncipe: seus cabelos eram negros e sua pele parecia nunca ter visto o sol, além dos olhos esmeralda. Quem seria aquele rapaz? Um bastardo da família real? Pelo menos uma coisa Elizabeth tinha certeza: a rainha mentia. Mas ela teria que descobrir muito mais do que isso para poder descobrir quem estava modificando o destino. A bruxa precisava de informações e ela ia conseguir.

Elizabeth rapidamente pegava sua mala – um de seus poucos pertences, já que costumava passar dias nos vilarejos próximos – e separava o que levaria. Enquanto arrumava suas malas, Destiny discursava sobre a importância e os deveres de uma Aracnea:

– Aracneas são bruxas que se certificam se o destino será cumprido. Só existe uma dessas bruxas por geração, ou seja, quando uma morre, outra começa a se formar dentro de um aglomerado de teias.

– Eu sei, eu sei...

– Por isso mesmo você deve tomar cuidado! Quando uma Aracnea morre, a Teia fica desprotegida! Elas devem tentar viver ao máximo! Eu não sou suficientemente forte para proteger a Teia! Muitas pessoas já tentaram se aproveitar da chance para modificar o destino. Já tiveram algumas que até conseguiram entrar na Teia! Para cada teia arrebentada é uma vida que se acabou!

Destiny sabia que Elizabeth era diferente das outras Aracneas. Era mais poderosa. Era mais amável. Ao contrário da aparência assustadora da maioria, Elizabeth era linda. As únicas características que tinha em comum com suas ancestrais era o cabelo violeta e a pele pálida. Ela ainda era bem jovem, rondando os seus 16 anos, não que ela contasse ou soubesse o dia em que nasceu. Tinha olhos roxos vivazes e um cabelo muito macio e sedoso. Se uma palavra pudesse descrevê-la, esta seria curiosa. Passava a maior parte do tempo lendo para se informar sobre tudo e todos. Costumava dar os nomes dos seus personagens de livros ficcionais – ou até históricos – favoritos às aranhas, havia criado até o seu próprio nome (por costume, Aracneas não tinham nome). Ela era especial. E Destiny a protegeria a qualquer custo.

Quando Elizabeth ia para os vilarejos, Destiny ia secretamente atrás dela, para se assegurar de que nada aconteceria com a sua pequena Aracnea. Era tão bom vê-la se divertindo entre os humanos e participando das festividades locais, visto que passava a maior parte do tempo com aranhas, isolada do resto do mundo. Mas agora ela teria que ir para onde não poderia vigiá-la: a capital. Não tinha como não ficar preocupada.

Elizabeth finalmente acabou de arrumar os seus pertences e vestiu sua capa cinza de um tecido barato para esconder o seu cabelo e proteger-se do frio. Deixando a Teia da Aracnea aos cuidados de Destiny, montou em seu corcel, Eclipse.

A viagem demorou alguns dias. Seu caminho era, em sua maior parte, pela floresta, mas ela visitava os vilarejos e cidades no caminho para comprar comida, sorte que Destiny guardava uma generosa quantia de dinheiro, para comprar comida, roupas e o que mais precisasse. Era bem útil em situações de emergência como essa. Como estava acostumada com a floresta, a bruxa sabia escolher as frutas para alimentar-se, gastando menos com comida – as provisões deveriam durar até o final da viagem. Cavalgou os dias inteiros, mal parava. À noite, eles descansavam numa caverna qualquer.

Finalmente Elizabeth sentia que teria alguma utilidade como Aracnea. A cada dia mais animada com sua missão, ela estava determinada a encontrar e punir quem estava por trás disso tudo. Desde que era pequena, ela treinava suas habilidades como Aracnea. Logo cedo despertou sua visão sobrenatural: era um poder mágico em que seus olhos eram tomados completamente pela escuridão, trazendo a tona seu aspecto aracnídeo e possibilitando que visse as teias de aranha invisíveis que interligam as pessoas aos seus destinos. Desde então os olhos negros viraram rotina, já que estes eram sinais de que estava usando seus poderes. O poder mais básico era manipular tais teias ao seu favor. Essas teias eram afiadas e, se ela soubesse usar da maneira certa, poderia causar cortes profundos em seus oponentes. Também podia pisar nas teias sem se machucar, ou seja, ela saltava de teia em teia, podendo alcançar grandes alturas, causando a ilusão de ótica de que voava para os humanos, estes que não podiam enxergá-las. Como defesa, ela poderia usar o seu próprio sangue. Era tão incrivelmente venenoso que uma gota poderia acabar com a vida de dez homens em segundos, apenas encostando-se ao sangue. Nos treinos árduos, Elizabeth se saiu perfeitamente bem: conseguia cortar um formiga ao meio com precisão numa distância de 200 metros e saltava com uma agilidade e um equilíbrio invejável a qualquer primata. O único poder com o qual teve dificuldade foi manejar a espada de teia de aranha que podia criar. Só deveria usá-la em último caso já que a teia de aranha é o material mais resistente da natureza e uma arma feita disso poderia causar grande estrago.

Ela treinou com uma espada de metal para não causar dano. Com os olhos vendados, ela teria que cortar ou desviar das teias que as aranhas lançavam em sua direção. Demorou, mas ela aperfeiçoou todas as suas habilidades e agora era capaz de proteger o destino. Por isso, estava se esforçando para se sair perfeitamente na missão. Por esse mesmo motivo, era mais seguro ir pela floresta, já que poucas pessoas a viam, garantindo sua segurança. De quebra, ao optar por este caminho, Elizabeth estaria cortando caminho. Por sorte, ela chegou na capital um dia antes que a previsão da morte da rainha se concretizasse. Ela colocou o corcel num estábulo e começou sua procura por uma brecha na segurança do castelo para poder entrar, no intuito de encontrar o culpado e proteger a rainha.

Levando em conta que deveriam evitar interferir no destino o máximo possível, as Aracneas não podiam ferir ninguém, apenas se fosse essencialmente necessário. Na verdade, nem usar seus poderes em público seria bom, pois qualquer ação diferente do normal já poderia alterar muito o destino. Desta maneira, sua defesa e boa parte de seus ataques são ineficazes, por isso devem se proteger ou serão mortas facilmente. E isso não seria nada bom para a Teia e muito menos para o mundo. Elizabeth teria que arrumar alguma maneira de entrar no castelo sem ser percebida, ou poderia acabar morrendo e alterando o destino. Ela vagou a tarde toda até encontrar, na parte de trás do castelo, um lugar com quase nenhum guarda e um muro altíssimo. Puxou o capuz de sua capa para que ninguém visse seu rosto e atacou os guardas pelas costas. Eles estavam descontraídos quando jogou uma pedra num arbusto a fim de servir como isca. Pobres guardas! Caíram na armadilha! Ao procurarem nos arbustos, a bruxa acertou a nuca dos dois com um galho consideravelmente grande. Após escondê-los perto de uma árvore, estava prestes a escalar o muro quando avistou a silhueta de alguém que saltava por detrás do mesmo, também encapuzado. Ela nem teve tempo de reagir: quando se aproximava do chão, o rapaz não teve tempo de desviar de Elizabeth e os dois bateram forte contra o chão. O baque foi tão forte que os capuzes dos dois caíram.

O rapaz se levantou rapidamente e Elizabeth teve a impressão de estar observando as mais lindas esmeraldas naqueles olhos, entretanto olhar dele demonstrava surpresa e até uma ponta de medo. Ela não precisava procurar mais. O garoto da previsão estava de pé em frente a ela e olhava fixamente para o seu cabelo violeta que reluzia à luz do sol.


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