Eragon: Wyrda un Moi escrita por Arduna


Capítulo 12
Viagem


Notas iniciais do capítulo

Olá de novo!!
É, eu sei, demorei muito, né? Mas eu tive um bloqueio de criatividade. Se eu fosse escrever o capítulo ia ficar horrível.
Por isso, me perdoem pela demora e espero que gostem desse capítulo.
Boa leitura^^
Ps.: Eu coloquei o Mapa da Alagaësia no final, porque faço menção a uma das cidades nesse cap. Aí vocês podem se localizar melhor^^



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Eragon estava sentado no chão de pedra de Utgard após Galbatorix ter ido embora, olhando para o corpo decapitado de Vrael, mas sem realmente vê-lo. Seus pensamentos estavam longe e nenhum deles era agradável. Quanto mais ele via do passado de Svider, menos ele queria ver. As coisas que o cavaleiro castanho permitiu que acontecessem, a forma como ele colaborou na queda dos cavaleiros, sua frieza em relação a Vrael e à sua melhor amiga, ou talvez mais do que isso... Eragon não conseguia entender como alguém seria capaz daquilo. Ao pensar na cavaleira morta, ele não pôde deixar de lembrar do Eldunarí de Aiedail. A jovem dragão parecia tão diferente do que fora mostrado ali, como se fosse outra pessoa. Mas então ele percebeu que essa deveria ser uma sequela dos anos que ela passara servindo Galbatorix. Ele balançou a cabeça mentalmente sem querer pensar no quanto ela deveria ter sofrido. Tudo isso por confiar em alguém que não merecia sua confiança.

            Mas será que Svider não merecia a confiança de ninguém?

Como se esperasse a deixa, Svider sentou-se com cuidado ao lado de Eragon, como se tivesse medo de perturbar o mais jovem. Eragon o observou com o canto do olho e viu que o cavaleiro castanho estava estranhamente pálido e parecia cansado, exausto, na verdade.

Será que ver os próprios erros vezes sem fim já não era uma punição suficiente? Eragon tinha direito de infligir mais dor a um espírito já quebrado?

Não.

Ele não tinha o direito. Svider já sofrera mais do que qualquer um que ele havia conhecido. Não cabia a Eragon para piorar ainda mais sua carga.

Por isso, ele ficou surpreso quando Svider falou, olhando intensamente para a cabeça decapitada de Vrael, como se o brilho da vida fosse surgir novamente nos olhos vidrados se ele olhasse com vontade o suficiente. Quantas vezes ele já fizera isso?

— Olha, Eragon. Eu vou entender se você quiser que eu o devolva ao navio. Ninguém deve ver isso, não devia ter trazido você aqui para compartilhar dos meus remorsos e sofrimentos, eu...

Ele parou subitamente quando sentiu uma mão em seu ombro e olhou para Eragon com os olhos arregalados, mas cansados.

— Eu não vou voltar agora, pode ter certeza. Quero ver o que vai acontecer a seguir. Quero saber como veio parar aqui – com isso Eragon sorriu levemente.

Svider deixou a boca cair em um “O” perfeito, completamente aturdido. Seus olhos brilharam um pouco com o início tímido da chama da esperança, embora ele estivesse tão fraco que poderia se apagar ao menor movimento do ar.

— Você... Você o quê... ? – ele sussurrou se negando a acreditar no que estava ouvindo.

— Foi exatamente o que você ouviu. Vou ver suas lembranças até o fim, não importa o que vai vir a seguir.

Svider olhou-o atordoado por vários segundos, mas depois seus olhos escureceram novamente e ele deu uma risada sarcástica.

— Você está brincando. Quem iria querer ver as memórias tolas de um velho tolo? Por que você se incomoda com isso?

— Por que você já sofreu muito e não merece mais ser punido. Você é diferente do renegado que eu vi nessas lembranças. Você é um homem honesto e, embora quebrado, seu coração é puro. Está mais do que na hora de você descansar – Eragon disse e apertou o ombro do outro para enfatizar o que dizia.

— Gente fraca como eu não merece descanso – bufou Svider com a sombra de um sorriso triste.

— É aí que você se engana de novo, Svider. Você não é fraco de modo algum – diante do bufo irritado do outro ele continuou com mais fervor – É verdade! Você sabe como confrontei Galbatorix? Tudo o que tive que fazer foi mostrar a ele o que suas ações fizeram. Ele viu aquilo por poucos minutos e não aguentou! E olhe para você. Você está aqui há anos e revê todo o tempo seus piores erros e suas consequências, vê a dor que causou, mas você continua aqui. Ele era o fraco, não você.

Svider olhou-o com a mais tênue chama de esperança no olhar.

— Isso é verdade?

Eragon acenou rapidamente com a cabeça.

— Mas os erros de Galbatorix foram piores que os meus, não é de se admirar que ele não tenha aguentado – o outro murmurou.

— Isso também mostra que você não tem mais que ficar sofrendo por causa do que fez! – Eragon exclamou, tentando fazer o outro compreender.

Ele estava completamente despreparado para a próxima fala do cavaleiro castanho. Svider olhou-o com o cenho levemente franzido, mas depois sorriu com real alívio.

— É, eu acho que você vai servir, Eragon-elda. Não vejo como alguém poderia ser mais digno do que você, meu jovem.

— O... quê? – Eragon perguntou em confusão, sem entender o que o outro estava falando.

Svider se levantou rapidamente, parecendo ter recuperado um pouco da cor do rosto, mas seus olhos ainda estavam opacos, revelando a alma quebradiça. Eragon se ergueu logo em seguida, pronto para fazer mais uma pergunta, mas então uma porta negra apareceu diante deles.

— Venha, Eragon. Vamos sair dessa fortaleza amaldiçoada. Vou mostrar o resto de minha história. Nosso tempo se reduziu drasticamente, seus amigos vão precisar de sua ajuda em breve.

Antes que Eragon pudesse perguntar o que ele queria dizer, o cavaleiro mais velho abriu a porta e a atravessou, sumindo na luz alaranjada e sombria que partia daquela nova lembrança.

Mais confuso do que nunca, Eragon poupou um último olhar a Vrael e lhe fez uma reverência respeitosa antes de virar e seguir Svider mais uma vez.

~~~~~~~~~~**~~~~~~~~~~

Para a sua surpresa ele se viu em um quarto grande e mobilhado com luxo, repleto de móveis de mogno onde estavam talhadas caprichosamente várias imagens de dragões. Havia uma única vela acesa iluminando debilmente uma cama grande e bem arrumada com um cobertor avermelhado bem no meio do aposento. Havia alguém dormindo ali, mas no escuro e somente com a luz de uma vela para iluminar o quarto, Eragon não conseguiu distinguir quem era. O espírito de Svider apareceu do nada ao lado de Eragon, fazendo o jovem pular de susto.

— Olhe bem, Eragon, pois foi nessa noite que meus pensamentos sobre a causa de Galbatorix mudaram drasticamente.

Eragon olhou-o com o cenho franzido, mas depois voltou a olhar para o quarto assim que a figura na cama começou a se mover de forma agitada, depois parou quando se virou para o lado oposto ao qual eles estavam, mas o jovem conseguia ver os ombros tensos e o leve tremor que os sacudia. Eragon se moveu hesitante até o pé da cama e se inclinou para ver o rosto de quem estava deitado lá.

Svider estava dormindo profundamente, embora, ao que parecia, tendo sonhos agitados. Sua testa estava franzida e coberta de suor. Os olhos moviam-se de um lado para o outro sob as pálpebras e ele murmurava baixinho palavras indistinguíveis. Seu semblante era, vez por outra, contorcido em uma careta de dor. Eragon observou com horror chocado quando lágrimas começaram a correr pela face do mais velho.

O jovem cavaleiro ergueu os olhos assustados para o espírito do outro lado da cama.

—Desde a vitória de Galbatorix e a nossa tomada a Iliera, que fora rebatizada de Urû’bean, eu vinha tendo sonhos terríveis. Acho que você pode imaginar sobre o que eu sonhava, não é? – com essas últimas palavras, Svider sorriu tristemente – Mas esta noite, dois meses após a tomada do governo por parte de Galbatorix, realmente mudou todas as minhas opiniões sobre o mundo... e sobre o que eu fiz.

Eragon olhou do espírito para sua versão um pouco mais jovem na cama, sem saber ao certo o que deveria fazer ou dizer.

— Coloque a mão acima da minha cabeça e poderá ver com o que estou sonhando, se quiser, é claro. – Svider disse hesitante.

Eragon franziu ainda mais o cenho tentando decidir se queria ver ou não um sonho que havia feito um Renegado cair em lágrimas, mas por fim sua curiosidade acabou vencendo, como sempre. Ele ergueu a mão devagar e a colocou sobre a face atormentada.

Imediatamente sentiu um choque percorrer todo o seu corpo. Sua visão desapareceu e ele se viu cercado pelas imagens desoladoras do sono do outro.

**

Ele se encontrava nas planícies férteis de Vroengard durante a batalha de Dorú Areaba. Ao seu redor, cavaleiros e dragões caíam para nunca mais se levantar. Gritos de dor e desespero soavam ao seu redor, apunhalando-o como se fossem espadas.

A visão de Eragon foi dirigida contra a sua vontade a um ponto específico da batalha, vendo uma luta que se sobressaiu rapidamente sobre todas as outras.

O jovem cavaleiro reviu o momento em que Svider matava Miwin sem misericórdia, como se ela não significasse nada para ele, como se ela fosse só mais alguém que deveria matar. Eragon viu toda a luta em uma lentidão dolorosa, vendo cada golpe, cada movimento, e pensando freneticamente o que ele poderia ter mudado ali para modificar o resultado final. Será que Svider também pensara nisso a cada vez que tivera o mesmo sonho?

Por fim Svider deu o golpe final e Miwin desabou de joelhos, seu rosto e roupas completamente ensanguentados. Mas pouco antes de cair sem vida no campo de batalha, ela virou a cabeça lentamente para o lugar no qual Eragon via tudo, impossibilitado de se mover, e ergueu um dedo ensanguentado e acusador para ele.

— Você fez isso! – ela gritou com ódio antes de tombar para sempre naquela terra profanada com o sangue de inocentes.

Eragon ficou mais paralisado do que já estava, tentando entender o que a cavaleira dissera e se esforçando para segurar o desespero. Foi então que a compreensão veio: aquele era o sonho de Svider, portanto ele estava vendo o sonho da perspectiva do mais velho... Era como se ele fosse Svider naquele lugar.

Com esse pensamento ele ficou dividido entre o alívio de saber que Miwin não falara dele e a pena por Svider ter que reviver aquilo tantas vezes em sua vida.

Então tudo ao seu redor mudou novamente, ondulando como a superfície de um lago calmo quando atingido por uma pedra.

Eragon se viu na estalagem dos tios de Svider. Ele estava no salão de entrada, repleto de mesas e cadeiras por todos os lados, havia um balcão repleto de garrafas de vinho e uma porta pequena que provavelmente levava à cozinha. O lugar estava imaculado, limpo e organizado, mas o que o deixou perturbado era que o lugar estava completamente vazio, silencioso e escuro, sem viva-alma em lugar algum, não era assim que uma estalagem deveria ser. O lugar deveria estar iluminado e abarrotado, repleto de música e comida, mas não havia nada, somente a música opressora de um silêncio cheio de presságios.

De repente todo o salão da estalagem explodiu em chamas. Fumaça negra subia das construções e móveis de madeira, cadeiras e mesas estalavam e se transformavam em cinzas. A temperatura começou a subir drasticamente, e a quantidade de fumaça aumentou ainda mais.

Eragon sentiu-se sufocar e caiu de joelhos, vendo a taverna lentamente se desintegrar em cinzas venenosas ao seu redor.

Mesmo quando as chamas começaram a diminuir, a fumaça não o fez, parecendo triplicar em quantidade, fazendo Eragon ofegar por ar puro inexistente. Seus olhos lacrimejavam, tornando a visão embaçada e sem sentido, de modo que Eragon não soube exatamente se fora alucinação, mas a fumaça pareceu lentamente se transformar em uma névoa acinzentada sufocante e nociva, que atrapalhou ainda mais os sentidos já escassos do jovem cavaleiro.

Eragon tossiu com mais força tentando eliminar o veneno de seus pulmões, mas não havia ar puro para preencher o vazio deixado ali, com isso o cavaleiro lentamente sufocava. Sua mente, ou melhor, a mente de Svider, estava pesada e era impossível pensar em qualquer espécie de feitiço para sair dali ou diminuir a concentração da névoa.

No estado entorpecido no qual sua mente se encontrava, Eragon não conseguiu distinguir se o que aconteceu depois era um sonho... Mas era possível sonhar dentro de um sonho? Bom, aquilo realmente não era importante.

Vários vultos de todos os tamanhos, encapuzados em mantos cinza ou preto surgiram em meio à névoa, embora seus rostos estivessem bem ocultos por capuzes prateados, Eragon conseguia sentir seus olhares repletos de ódio focados nele.

Duas figuras se aproximaram lentamente, os mantos arrastando-se atrás delas sombriamente. Eragon conseguiu distinguir que a silhueta mais baixa era feminina, enquanto a maior era obviamente um homem bem corpulento. Quando chegaram perto o bastante, não mais do que dois metros de distância, eles retiraram os capuzes prateados, revelando suas identidades.

Os tios de Svider o encararam com frieza e desprezo, com certeza observavam um homem caído de joelhos com o espírito fraco e quebrado, tossindo loucamente. Como se fosse possível, Eragon se encolheu ainda mais, tentando esconder o rosto, mas quando fez isso a tosse piorou, fazendo com que o jovem cavaleiro tivesse que levantar a cabeça novamente.

Quando ele o fez, deparou-se com sorrisos tão zombeteiros e debochados nos rostos do casal, que quase o fez recuar de novo. Ambos ergueram as mãos em uníssono e as apontaram acusadoramente para Eragon.

— Nós sabíamos que você era uma sombra de seu pai – a tia de Svider disse com nojo.

— Você não passa de um monstro assassino. Trouxe as trevas para a Alagaësia, seu destino será pior do que o dele. – o tio complementou, os olhos brilhando maliciosamente.

Então cortes profundos causados por lâminas afiadas surgiram em seus pescoços, e quase imediatamente começaram a sangrar em jatos assustadoramente grandes.

Eragon recuou em choque enquanto via a quantidade de sangue aumentar, manchando toda a névoa de vermelho. Depois de alguns momentos a névoa avermelhada transformou-se em fogo negro, e finalmente o cavaleiro conseguiu respirar.

Então ele prendeu novamente a respiração quando todos os outros vultos, centenas deles, retiraram os capuzes, revelando centenas de cavaleiros mortos e ensanguentados. Eragon só reconheceu cinco deles: Brom e Oromis (que não estavam mortos, mas Svider não devia saber disso), Miwin, Vrael e Fënor – um cavaleiro que levara Brom para Iliera pela primeira vez. Ao fundo cabeças de dragões se ergueram, eles tinham correntes nos pescoços e os olhos possuíam um brilho enlouquecido.

Para a surpresa e horror cada vez maior de Eragon, também havia crianças. Muitas tinham pequenos dragões em seus braços e todas choravam em desespero.

Eragon sentiu seu peito apertar e seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ele recuava ainda mais, tentando escapar daquilo, mas o fogo negro o impedia de se mover para longe.

Como se fossem um, todos os cavaleiros ergueram as mãos que continham suas gedwëy ignasia acima de suas cabeças. Então começaram a gritar de dor, desespero e ódio enquanto as chamas negras começaram a queimá-los e dissolve-los em cinzas.

 Em desespero, Eragon virou o rosto manchado de lágrimas e fechou os olhos, mas assim que o fez viu Dorú Areaba destruída, Iliera tomada, montes de cadáveres empilhados em todos os lugares, a intensidade dos gritos aumentou a um nível quase ensurdecedor.

E ao fundo a risada enlouquecida de Galbatorix lentamente se sobressaiu a qualquer outro som, arrepiando todos os pelos do corpo de Eragon e enchendo-o de pavor.

O jovem cavaleiro involuntariamente se lembrou de quando vira seu tio morto, quando Carvahal fora tomada e destruída, só com quatro lobos para habita-la. Lembrou-se dos mortos na cidade de Yazuac, da destruição e morte na guerra contra Galbatorix... da perda de tantos amigos queridos.

Com um grito desesperado ele implorou para sair dali.

Um choque de eletricidade passou por ele e Eragon finalmente abriu os olhos.

**

Quando Eragon voltou a si, sentiu-se subitamente exausto, de uma forma que não sentia desde que “entrara”, por falta de palavra melhor, dentro de Mirovir. Ele teria caído se um par de braços fortes não o houvesse segurado.

Eragon conseguiu ver que Svider acordara de um pulo de seu pesadelo aterrorizante e havia se sentado, arfando pesadamente, as lágrimas não haviam parado de cair, mas ele as esfregou com raiva e se levantou rapidamente. Enquanto Eragon era levado para uma das poltronas próximas a uma lareira ele viu o cavaleiro castanho abrir as portas de um pequeno armário na outra extremidade do quarto e retirar uma garrafa de bebida de lá, tentando abrir a rolha com os dedos trêmulos.

Eragon foi colocado delicadamente no acento estofado – que ele estranhamente não atravessou – e alguém se ajoelhou diante dele, mas o jovem não viu que era, pois estava focado em ver o outro cavaleiro abrir desesperadamente a garrafa e começar a engolir seu conteúdo enquanto soluços fortes sacudiam a figura quebrada.

— Eragon? – uma voz preocupada o chamou delicadamente.

O jovem voltou sua atenção para a figura a sua frente, mas de repente foi atingido por uma tontura fortíssima e seus olhos castanhos perderam o foco, mas aos poucos sua visão clareou e ele viu um homem louro com o cabelo longo preso em um rabo de cavalo frouxo e olhos azuis penetrantes que o olhavam com tanta intensidade e preocupação que pareciam ver toda a sua alma.

Depois de alguns segundos ele reconheceu o espírito a sua frente e logo em seguida as memórias do sonho voltaram com força total, fazendo-o ofegar enquanto lágrimas quentes ameaçavam escorrer por seu rosto. Subitamente Eragon começou a sentir a mesma falta de ar que sentira no sonho, como se a névoa tóxica ainda estivesse a sua volta, tentando mata-lo lenta e perversamente.

Eragon olhou para Svider em pânico, nos olhos castanhos havia um pedido mudo e desesperado de socorro enquanto o jovem ofegava pelo ar necessitado.

Svider, então, sorriu gentilmente e colocou uma mão na testa do outro, murmurando várias palavras na língua antiga. Eragon foi atingido pelo feitiço como se recebesse um balde de água fria no rosto e conseguiu respirar novamente enquanto uma onda de paz o atingia.

Eles ficaram daquela forma por algum tempo: Eragon ofegando para tentar recuperar a devida quantidade de ar no corpo e Svider com a mão em sua testa e o sorriso gentil no rosto.

— Como... Como você conseguiu sobreviver àquilo? – Eragon perguntou quando sua respiração começou a se normalizar, embora seu coração ainda estivesse acelerado, fazendo um barulho retumbante em sua cabeça.

Então seu olhar foi atraído novamente para a cena a sua volta e ele viu o cavaleiro castanho andar desesperadamente de um lado para o outro com a garrafa na mão murmurando baixinho para si mesmo. Com o cabelo todo despenteado, as roupas abarrotadas e o olhar fixo em seus olhos azuis, ele parecia completamente louco. De repente Svider tacou a garrafa, ainda meio cheia, na parede, fazendo o vidro se despedaçar e voar para todos os lados. Eragon se encolheu um pouco com o barulho e arregalou os olhos quando Svider encostou-se à parede e escorregou para o chão, colocando os joelhos junto ao peito e começando a soluçar fortemente.

O jovem cavaleiro voltou seus olhos para o espírito a sua frente em busca de uma resposta, mas este só deu um tapinha fraternal na bochecha de Eragon, lembrando muito seu tio Garrow. Depois Svider se levantou, dando de ombros lentamente, deixando Eragon ainda mais confuso, sem saber se aquilo significava que Svider não sabia, não queria falar sobre aquilo ou que não achava o assunto importante.

Eragon estava prestes a perguntar novamente quando mais um soluço doloroso partiu da visão mais jovem de Svider. Aquele era um assunto doloroso e delicado, era óbvio que o outro sofria muito com aquelas lembranças. Ele se lembrou de quando perguntara sobre Miwin e de como Svider reagira. Não era sábio perguntar algo que o outro não estava disposto a compartilhar, Eragon concluiu, afinal, ele já tivera várias experiências assim com Arya. Demorou muito tempo para que ela revelasse um mínimo pedaço de seu passado... E Svider estava literalmente mostrando a ele tudo o que acontecera. Era melhor não insistir no assunto, ele decidiu por fim e fez outra pergunta que considerou mais segura.

— No que esse sonho foi diferente dos outros?

Svider encarou-o surpreso por um momento, como se realmente esperasse que Eragon fosse insistir no assunto anterior, mas depois ele balançou a cabeça e deu um sorriso divertido e aprovador para o jovem.

— Não foi o sonho em si. Só escute, Eragon. Você ouvirá o que precisa.

Com essa declaração enigmática e nada esclarecedora, Svider sentou-se no chão ao lado de seu espelho choroso e perturbado e o olhou, ou melhor, olhou para si mesmo com o cenho franzido por alguns momentos, mas depois ele fechou os olhos e apoiou a cabeça na parede, como se ouvisse algo que ninguém mais conseguia.

Eragon virou a cabeça para um lado ao observa-los. Lado a lado os dois formavam uma visão impressionante. Um completamente desesperado e arrependido, o outro, relaxado e pacífico. Pela primeira vez Eragon entendeu o que significava “Há várias facetas em uma única pessoa”. Era estranho pensar que os dois sentados à sua frente eram a mesma pessoa.

Mais uma vez em sua estadia ali, Eragon se perguntou como Svider aguentava aquilo.

Eragon nunca soube quanto tempo ficou sentado na poltrona analisando os dois Sviders a sua frente, mas em dado momento, ele começou a sentir uma sensação boa e calmante que fez o jovem se lembrar das pacíficas clareiras na floresta de Du Weldenvarden e de seu tempo de infância em Carvahall, mas com o passar dos minutos essa sensação se adensou e tomou a forma de uma presença calmante e muito familiar a Eragon. Este aprumou-se na poltrona, tentando se lembrar que presença era aquela. Ele olhou para Svider, mas o cavaleiro castanho só sorriu calmamente, sem abrir os olhos.

Em contraste com ele, sua versão mais nova parou subitamente de soluçar e ergueu lentamente o rosto banhado de lágrimas, olhando de um lado para o outro sem acreditar que aquilo estava acontecendo.

A consciência começou a se tornar cada vez maior, brilhando em suas mentes como a mais potente das estrelas, acalmando e iluminado um caminho antes repleto de trevas. Em sua mente, Eragon viu uma praia deserta e um mar calmo e límpido. Contra a luz do sol que se punha, o jovem viu uma silhueta alta e de porte delgado, com o conhecido cabelo prateado, mas naquele momento a figura, embora suas feições estivessem obscuras por uma sombra, parecia tão frágil quanto um único grão de areia levado pelo vento.

Então a voz que Eragon tanto ansiava por ouvir falou pacificamente, misturando-se em harmonia com o som das ondas.

Agora, criança, você parece mais perdido do que nunca. A voz de Oromis soou mais familiar e querida do que nunca, mas ao mesmo tempo parecia estranha, como se ele falasse através de uma parede d’água. Está contente com sua escolha?

— M-mestre Oromis? – a voz de Svider falou completamente assombrada. Eragon olhou para o lado e viu que o renegado estava parado ali. Olhando um pouco mais ele viu um grande buraco atrás do cavaleiro castanho. Um abismo. E Svider estava bem na beirada, quase caindo, mas ele não parecia perceber.

Sou Osthato Chetowä, agora, criança. Seu sofrimento é grande, mas sua alma ainda é valorosa. Se desejar mudar seu caminho tortuoso deve me encontrar.

— Mas... Mas onde o senhor está? Como posso encontra-lo, mestre? Eu... Eu não acho que consiga rastreá-lo. O pouco de luz que existia em mim se foi.

Oromis deu uma risada suave, e Eragon conseguiu ver seu sorriso brilhante, mesmo que o resto ainda estivesse sombrio por estar contra a luz. Acha que eu viria até aqui se não houvesse luz em você? Não, Svider. Ainda há esperança para você, mas se não acredita nisso vai precisar de ajuda. Venha até mim, criança, sua guia já está aí.

— Quem em sã consciência iria me guiar até o senhor?!

Oromis sorriu novamente e desta vez Eragon conseguiu ver seus olhos antigos brilhando. Angela estará aí. Siga-a sem contestar.

— Angela?!

Mas Oromis não respondeu. Ele acenou levemente com a cabeça e de repente tudo desapareceu, de modo que Eragon não soube se havia sonhado ou se esteve naquele lugar de verdade.

Então o jovem viu-se de volta na poltrona. Ele levantou-se quase ao mesmo tempo em que o jovem renegado, e este começou a fazer apressadamente as malas, correndo de um lado para o outro do quarto e jogando o que precisava na cama.

O espírito de Svider olhou para Eragon calmamente, com uma sobrancelha erguida em dúvida com o movimento brusco do jovem cavaleiro azul.

— Isso não faz sentido – Eragon declarou depois de um momento – Mestre Oromis jamais correria tantos riscos. Ele nunca o contataria com Galbatorix por perto!

Ele se interrompeu rapidamente quando ouviu uma voz raivosa gritando do outro lado da janela. Eragon correu para lá e viu uma noite sem estrelas com o início do amanhecer pontilhando o céu. Uma planície se estendia por um lado. Do outro havia uma pequena cadeia de montanhas que Eragon reconheceu imediatamente: A Espinha. Ele olhou para o chão perto da construção em que estavam e viu uma mulher baixinha de cabelos encaracolados gritando enfurecida com o que parecia se um graveto nas mãos.

— Vamos, Svider! Seu traidor de uma figa, covarde e desmiolado! Seu idiota pomposo e ganancioso! Desça aqui embaixo para eu te dar uma boa surra! – Angela gritou, e mais um monte de outras coisas, algumas impróprias que ofenderiam até mesmo a mais vil e fria das criaturas.

Eragon virou-se boquiaberto para o espírito de Svider ao seu lado em busca de uma explicação, mas o outro estava gargalhando. Então ele olhou para o renegado atrás dele e viu que ele também sorria.

— Você vai me explicar o que está acontecendo, ou não? – Eragon perguntou irritado e se surpreendeu quando o cavaleiro castanho gargalhou de novo.

— Durante a viagem eu explico tudo, Eragon – dizendo isso uma porta repleta de trepadeiras apareceu atrás deles e Svider não perdeu tempo em atravessá-la, praticamente saltitando para a luz dourada que saia pela passagem, pelo visto estava ansioso pelo que veria a seguir.

Eragon o seguiu um tanto hesitante e olhou uma última vez para uma Angela furiosa e um renegado sorridente.

A última coisa que ouviu antes de atravessar a porta foi o grito animado do renegado.

 Deloi, vamos viajar!

~~~~~~~~~~**~~~~~~~~~~

Eragon saiu para uma manhã quente e ensolarada de verão. A primeira coisa que notou era que estava em meio a uma floresta. Pelo tanto de experiência que ele já tivera em florestas, sabia que estavam na Espinha. O terreno montanhoso se erguia infinitamente até onde a vista alcançava, e o jovem sentiu-se subitamente em casa, uma sensação que não tinha há algum tempo.

O espírito de Svider o olhava com um sorriso radiante no rosto. Ele deu uma voltinha com os braços erguidos para cima e rindo animadamente.

— E então? O que acha? – ele perguntou feliz quando parou de rodar.

Eragon só conseguiu sorrir tolamente enquanto olhava para o lugar familiar. Ele não fazia ideia de que parte da Espinha se encontrava, mas somente estar naquelas montanhas tão familiares lhe deu a adorada sensação de estar em casa.

Ele foi tirado abruptamente de seus devaneios quando ouviu gritos irritados atrás deles. Ao virar-se, deparou-se com a bruxa Angela andando furiosamente em direção a eles, mas Eragon tinha certeza de que de ela estava gritando com outra pessoa.

Como se em resposta, um Svider arrependido apareceu em seu campo de visão, correndo para conseguir acompanhar a bruxa furiosa.

— Eu não entendi, Angela. Não é mais rápido ir em Deloi? – ele perguntou um tanto hesitante.

— Ora, me poupe, Renegado! – Angela gritou furiosamente, sem se importar quando Svider se encolheu ao ouvir a última palavra – Eu não vou montar naquela criatura depravada e fedorenta. Prefiro ficar com os pés no chão, obrigada, Traidor.

Depravada e fedorenta? Deloi perguntou indignado em algum lugar no céu acima deles e Svider visivelmente se encolheu novamente quando Angela se referiu a ele como Traidor.

— Se você nos odeia tanto, por que está nos levando até... ele? – Svider perguntou asperamente.

Angela voltou-se para ele com o rosto pequeno corado em repulsa.

— Olhe aqui, seu garoto insolente, saiba que só estou fazendo isso porque tenho muita consideração para com ele, e Solembum me convenceu de que talvez, e só talvez, ainda haja uma chance para vocês dois. Portanto, não abuse da sorte, porque eu posso te largar nessa mata e achar tricôs muito mais interessantes para fazer, sim? – dizendo isso ela se virou e continuou andando furiosamente em meio à mata.

— Tricôs?! – Svider perguntou sem entender, mas como Angela aparentemente não escutou, ele decidiu mudar a pergunta. – Onde está Solembum?

— No lugar em que deve estar – Angela respondeu asperamente.

— Ahn... E que lugar seria esse?

Ela se virou rapidamente e o fuzilou com os olhos.

— Eu estou quase te deixando aqui para encontrar seu caminho sozinho, ouviu? Cale a boca se não tem nada útil para falar!

Eragon teve subitamente sua atenção desviada para o espírito de Svider quando este começou a gargalhar.

— Acho desnecessário dizer que esse não foi um encontro muito divertido, não é? – ele comentou divertido – Angela estava realmente furiosa comigo. Ela se recusou a encostar em mim ou em Deloi e insistiu em ir a pé, portanto, meu pobre dragão, que estava furioso com ela no momento, teve que voar bem acima das nuvens.

— Você parecia mais feliz ali. – Eragon murmurou quando viu o renegado dar um breve sorriso enquanto Angela praguejava.

— É, eu parecia. – Svider murmurou, mas seu sorriso perdeu o brilho – Mas eu estava de fato?

Eragon franziu o cenho para ele e voltou seu olhar para a versão mais jovem do cavaleiro. E quando ele olhou atentamente, conseguiu ver uma sombra assustadora nos olhos azuis. Ele estava completamente desesperado e uma escuridão permanente parecia se adensar levemente a sua volta. Resumindo, ele não parecia melhor do que no quarto depois de ter o sonho, mas naquele momento ele escondia os verdadeiros sentimentos atrás da máscara de felicidade.

Eragon decidiu mudar de assunto antes que entrasse em terreno perigoso e fez uma pergunta que o estava incomodando há algum tempo.

— Por que Oromis correu o risco de falar com você sabendo que poderia ter sido descoberto por Galbatorix?

Svider sorriu brilhantemente para ele antes de responder:

— Bom, não sei se reparou, mas não estamos em Urû’bean.

— É, eu notei. – Eragon respondeu sarcasticamente.

— Acho que Oromis lhe contou sobre a fortaleza de Morzan na Espinha, certo? – ele disse sem se importar com a interrupção e continuou sem esperar a resposta de Eragon – Bom, o lugar onde estávamos há pouco era aquela fortaleza. Originalmente, ela era minha. Morzan me odiava por causa daquilo, por Galbatorix ser mais próximo de mim do que dele a ponto de ordenar que eu tivesse uma fortaleza própria. Só posso imaginar o quanto ele ficou feliz ao recebê-la depois da minha... traição. – ele franziu o cenho – Bom, Galbatorix estava trancado em Urû’bean enquanto trabalhava com os Eldunarí nessa época, e eu ficava aqui a maior parte do meu tempo, observando a construção da fortaleza. Ela havia acabado de ser terminada quando Oromis me contatou, por isso eu e Deloi estávamos sozinhos. Resultado: o ambiente perfeito para Oromis falar comigo.

Eragon franziu o cenho e fez outra pergunta que também o estava incomodando.

— Como você conseguiu ir até Oromis sem quebrar seu juramento de lealdade a Galbatorix?

Svider olhou-o com uma sobrancelha erguida e depois voltou seus olhos azuis para o chão da floresta.

— Bom, se eu tivesse agido de forma diferente, talvez as coisas estivessem melhores para você agora. – ele começou hesitante e vendo o olhar confuso de Eragon continuou – Galbatorix nunca me fez jurar nada a ele... O meu, ahn, teste em Teirm foi o suficiente para o rei. Ele confiava em mim, mais do que deveria, eu acho... E eu o traí. – ele suspirou pesadamente – Talvez, se eu tivesse tentado, Galbatorix poderia ter me ouvido, ele poderia ter mudado, talvez... Enfim, eu o traí completamente e isso o enlouqueceu de vez, sou tão culpado quanto ele por todo o sofrimento durante aqueles cem anos. Eu dei o último golpe para que ele nunca saísse de sua loucura.

Dizendo isso Svider apressou o passo, quase correndo, até passar por Angela e desaparecer no meio das árvores.

Eragon ficou parado no lugar um momento, chocado demais para se mover, por fim, ele balançou a cabeça sem conseguir saber o que pensar sobre o assunto e se apressou a seguir Angela, que já estava a vários metros de distância, seguida por um Renegado cabisbaixo.

Parecia que já haviam se passado várias horas, quando Angela indicou que iriam parar em uma clareira. A noite já começava a se mostrar assim que o Sol descia para o Oeste, e as estrelas apareciam lentamente. Deloi rapidamente pousou no local e bufou ao olhar para a bruxa baixinha, obviamente ainda ofendido com a denominação “criatura depravada e fedorenta”. Ele se enrolou no chão da clareira e Svider se sentou em uma de suas patas, enquanto comia algo que tirara dos alforjes poucos momentos antes.

Angela sentou-se o mais longe possível deles e retirou um pequeno caldeirão de algum lugar, embora Eragon não pudesse dizer de onde. Enquanto ela murmurava para si mesma, começou a atirar vários alimentos ali e a cozinha-los sem que houvesse fogo algum. Depois de alguns momentos um cheiro delicioso de ensopado encheu a clareira. Eragon sorriu ao ver Svider se inclinar para frente ao sentir o cheiro, achando repentinamente sua carne seca pouco atraente.

Angela olhou-o de canto de olho e franziu atesta ao ver o interesse do jovem em seu ensopado. Ela fingiu ignora-lo por vários momentos, mas o olhar de Svider era tão intenso que a bruxa desistiu e o chamou com um bufo irritado, apontando para o tronco ao lado dela.

Svider ansiosamente se aproximou e pegou a caneca de sopa fumegante que Angela ofereceu-lhe. Ele comeu o ensopado com avidez, colocando grandes colheradas na boca. Mal acabou de comer e Angela encheu a tigela novamente, sem que ele pedisse. Dessa vez, porém, o renegado comeu mais devagar, apreciando a comida. Angela olhou-o por mais alguns momentos antes de pegar uma tigela para si mesma e comer lentamente, olhando de Svider para Deloi o tempo todo.

Com o passar dos minutos, Svider começou a ficar incomodado com aquele olhar. Era como se Angela estivesse colocando todas as suas ações em uma balança e vendo qual lado, bom ou ruim, iria pender.

Svider encarou-a e, sem que percebesse, uma raiva antiga voltou a ele com força total, a raiva que o levara muitas vezes a fazer coisas horrendas ao lado de Galbatorix, uma raiva à qual ele já havia se acostumado, uma raiva de si mesmo, de seus atos e de qualquer um que fizesse algo, por menor que fosse, sem agradá-lo, uma raiva quase irracional. Que direito Angela tinha para julga-lo? Ela não sabia pelo que ele passara, não sabia como se sentia, não sabia de como seu sono era atormentado, como ela ousava olha-lo daquela forma? Seus olhos brilharam perigosamente, como se fossem raios em uma tempestade, prontos para dar voz à raiva que o segava. Angela virou a cabeça para um lado, olhando-o de forma decepcionada.

Aquele olhar apagou qualquer raiva dentro de Svider tão bem quanto um balde de água sobre uma fogueira acesa, fazendo-o ficar estranhamente entorpecido e vazio. A raiva era algo tão comum dentro dele desde que se voltara contra a Ordem em nome de Galbatorix, ou de si mesmo, que ele não sabia mais como agir sem ela, não sabia mais o que sentir, afinal, para alguém como ele, o que haveria além da raiva e do ressentimento?

Ele rapidamente acabou de comer e entregou a tigela à Angela com um murmúrio baixo de que estava delicioso. Depois voltou quase cambaleante para perto de Deloi, que o olhava com preocupação, e sentou-se entre as patas dianteiras estendidas do dragão. O cavaleiro tremia um pouco e olhava para a escuridão crescente das árvores ao redor à medida que escurecia cada vez mais, os olhos azuis estavam opacos, lembrando-se da carnificina e do desespero que havia infligido a muitos.

Parceiro? A voz de Deloi ressoou nos pensamentos de Eragon de uma forma que o lembrou, com saudades, de Saphira. O que ela estaria fazendo naquele momento?

Eu não sei mais o que estou fazendo, Deloi. Eu... Eu acho que estou ficando louco. Estou, Deloi? Svider respondeu fracamente.

Deloi ficou em um silêncio imóvel por vários momentos, depois abaixou a cabeça enorme ao lado de seu cavaleiro, olhando-o com um de seus olhos safira. Svider olhou-o e de repente uma tristeza arrebatadora o invadiu, rompendo a barreira do entorpecimento. Lágrimas indesejadas apareceram em seus olhos e deslizaram por seu rosto, embora ele as enxugasse febrilmente. Svider estendeu uma mão para acariciar uma das patas de Deloi e trouxe os joelhos junto ao corpo, abraçando-os com a outra mão e apoiando a cabeça neles, como se tentasse se esconder do resto do mundo. Eragon conseguiu ver os ombros do outro tremendo.

Ah, parceiro, o que eu faço para te ajudar? Deloi murmurou angustiado, sentindo o desespero de seu cavaleiro e compartilhando-o, como acontecia a cada pesadelo que Svider tinha.

O cavaleiro balançou a cabeça em desamparo, sem saber mais o que deveria pensar ou sentir. Ele não sabia mais se o que estava fazendo era o certo. Se ele fosse até Oromis, estaria traindo Galbatorix. Mas se ele não fosse talvez estivesse traindo a si mesmo.

— É perturbador, não? – Eragon pulou ao ouvir a voz de Angela ao seu lado. Ele olhou para a bruxa, espantado, ela estava novamente com as conhecidas agulhas de tricô na mão, parecia tricotar um cachecol com lã marrom e olhava para Eragon com curiosidade.

Eragon balançou a cabeça para se livrar do choque.

— Como você sempre consegue me ver?

— Ao contrário de muitos, eu sei o que procurar e mantenho os olhos abertos. – ela respondeu calmamente, depois se voltou para o renegado encolhido com um suspiro – Svider sempre foi um garoto difícil e sofrido, mas agora eu sinceramente não sei o que fazer com ele. Por que ele o trouxe, garoto? Ou ele quis puni-lo por algo ou é um presente de muito mau gosto.

Eragon pensou por um momento, percebendo pela primeira vez que não sabia a razão de estar ali. Por isso deu de ombros ao olhar para a bruxa.

Ela olhou-o com surpresa por um momento e depois olhou de Svider para Deloi em confusão, como se não soubesse o que fazer em seguida. Eragon resolveu dar uma ajuda para aquela que o ajudara tantas vezes.

— Todos merecem uma segunda chance se estiverem dispostos a recebê-la, Angela – ele murmurou – Um simples ato de gentileza pode salvar vidas. – ele completou, lembrando-se de Elva por alguns momentos.

Angela olhou-o surpresa, mas depois sorriu de um jeito travesso.

— Sabe, garoto, quando nascer, tenho certeza de que vou pegar muito no seu pé.

Eragon riu em resposta.

— Ah sim, você vai.

Angela olhou-o novamente com um sorriso e depois andou para o renegado e seu dragão, com passos pequenos e decididos.

A bruxa ajoelhou-se em frente a Svider com um sorriso gentil no rosto, quando o outro ergueu a cabeça para olha-la, em confusão, Angela acariciou lhe o rosto e limpou as lágrimas que escorriam antes de perguntar calmamente.

— Ainda se lembra de como se tricota?

Ele arregalou os olhos levemente, mas depois sorriu um pouco, embora a sombra continuasse em seus olhos.

— Eu não me permitiria esquecer... Embora eu esteja sem prática.

Ela sorriu e olhou para Deloi, levantando-se com as mãos na cintura.

— Posso me sentar?

Achei que não quisesse tocar em uma criatura fedorenta e depravada. O dragão respondeu ofendido, erguendo a cabeça do chão e olhando para a bruxa de cima a baixo. Angela bufou antes de responder:

— Bom, você não é tão depravado quando eu pensei. – ela disse alegremente.

E o fedorento? Deloi perguntou desconfiado.

— Eu sou honesta, Deloi, não gentil. Vamos passar por um riacho amanhã. Eu o aconselharia a tomar um banho lá.

Deloi bufou indignado, com seu enorme orgulho ferido, mas Svider riu, a tristeza momentaneamente esquecida.

Deloi olhou para Svider por um momento e viu como a alma de seu cavaleiro havia ficado um pouco mais leve. Pouco, mas isso já era alguma coisa. Ele olhou para Angela e fez um aceno em agradecimento, deixando seu orgulho de lado.

Angela sorriu e sentou-se na pata dianteira direita de Deloi, ajeitando-se ali confortavelmente. Depois pegou outro par de agulhas e um novelo de lã azul da pequena bolsa em sua cintura, entregando-os a Svider.

— Vamos ver se você ainda se lembra de como se faz um gorro. Se você errar, eu te deixo nessa floresta e você que encontre ele, sozinho com seu dragão! – Angela disse com um sorriso jovial.

Svider riu e começou a prender a lã na agulha.

De repente o espírito de cavaleiro castanho apareceu ao lado de Eragon, olhando-o com curiosidade misturada com espanto.

— Onde você foi? – Eragon perguntou, mas Svider não respondeu, por isso ele decidiu fazer outra pergunta – O que foi? Por que está me olhando assim?

— Agora eu entendi porque ela veio até mim naquela noite. – Svider murmurou e depois sorriu com gratidão, foi um sorriso tão leve que pegou Eragon desprevenido – Obrigado.

Dizendo isso, o cavaleiro castanho se virou e outra porta apareceu. Svider passou por ela rapidamente e desapareceu.

Eragon correu atrás dele e olhou uma última vez para um Deloi divertido e aliviado, uma Angela exasperada por Svider ter praticamente esquecido tudo o que ela lhe ensinara. E um Svider envergonhado, mas um pouco alegre, embora a sombra ainda estivesse profundamente entranhada em seu espírito, ele parecia determinado a ignora-la.

Eragon olhou uma última vez para Deloi, achando estranho o quanto ele se parecia com Saphira naquele momento. E pensando em como sua parceira estaria no navio élfico.

Com esse último pensamento Eragon também atravessou a porta.

~~~~~~~~~~**~~~~~~~~~~

Eragon saiu para uma tarde aberta com o sol batendo em seu rosto. Ele olhou ao redor e tudo o que viu foram montes intermináveis de areia por todos os lados. Estavam no Deserto Hadarac. Ao norte, o jovem conseguia ver a forma difusa de Du Weldenvarden no horizonte.

O jovem cavaleiro olhou para Svider, que estava a alguns passos à frente, acima de uma pequena colina de areia, olhando para algo além dela. Eragon correu até ele e ficou ao seu lado, observando o grupo de três viajantes deitados na base de outra colina para se protegerem do sol. Angela virou a cabeça para a direção que eles estavam e sorriu um pouco, mas Eragon viu que algo estava errado.

Franzindo o cenho, ele olhou para a versão um pouco mais jovem de Svider e viu que ele estava deitado perto de Deloi com um manto em cima de si. Mesmo àquela distância era possível ver que o renegado estava todo encolhido e se mexia a todo o momento.

— O que estava acontecendo com você? – Eragon perguntou. Svider sorriu palidamente para ele.

— Eu passei muito tempo embrenhado em magia das trevas, Eragon. Meu corpo e minha mente se adaptaram àquilo, mas o que você acha que isso faz com a alma de alguém? – o cavaleiro suspirou e baixou os olhos para a areia – Minha alma foi quebrada em pedaços e, aos poucos, estava sendo consumida. Você viu Durza. Não restava mais ninguém do garoto que ele fora.

— Mas ele foi possuído. – Eragon disse hesitante.

— Ele usou uma espécie de magia negra, e não teve controle sobre ela e suas consequências, ao final, isso o consumiu e destruiu completamente quem ele era. O mesmo aconteceu com Galbatorix e com todos os Renegados... – Svider franziu levemente o cenho – E estava acontecendo comigo. Mas ao contrário dos outros eu resisti. Isso estava me matando por dentro, Eragon.

Eragon olhou para a figura encolhida perto do dragão marrom em alarme. Percebendo pela primeira vez como o outro estava pálido.

O espírito de Svider sentou-se na areia, flutuando a poucos centímetros do chão, e começou a mexer inquieto na bainha vazia de sua espada, como se a arma fosse aparecer ali de repente. Eragon ajoelhou-se ao lado dele e tentou passar sua mão pela areia, mas os pequenos grãos a atravessaram suavemente.

— Nós estávamos viajando por vários dias. – Svider disse – Estávamos indo na direção da cidade élfica de Kirtan.

Eragon pensou mentalmente no mapa de Alagaësia para se localizar, mas depois ficou em silêncio.

Os dois ficaram parados ali até que o grupo de viajantes começasse a levantar para continuar a viagem. O renegado andava um pouco cambaleante e Angela se postava ao lado dele caso ele caísse. Eragon olhou para Deloi e viu como o dragão ficava perto de Svider, como se temesse que seu cavaleiro fosse virar pó.

— Por que vocês não foram em Deloi? Você não estava em condições de viajar. – Eragon disse enquanto seguia o grupo.

— A partir daquele dia na floresta nós começamos a ir voando, mas estávamos perto de nosso destino nesse momento. Por isso ficamos no chão. – Svider respondeu.

Eragon olhou novamente para o grupo e viu que Angela estava insistindo para que Svider subisse no torso de Deloi. O cavaleiro olhou-a com os olhos cansados e vidrados e obedeceu sem nenhuma palavra, subindo com dificuldade em cima de um Deloi aflito.

Quando o cavaleiro estava ajeitado na cela, eles continuaram. Deloi andava tão suavemente quanto possível, observando cada pensamento e sensação de seu parceiro.

Enquanto caminhavam, Eragon lembrou-se do sonho que tivera com Svider e Deloi... Por algum motivo ele não parecia se encaixar na história que se desenrolava a sua frente. O jovem transmitiu esse pensamento para Svider e ficou surpreso quando o outro sorriu, arrependido.

— O que você viu no sonho nunca aconteceu, Eragon. – Svider sorriu tristemente quando Eragon arregalou os olhos sem entender – Quando você tocou a espada viu vários acontecimentos de uma vez, não é?

— Sim, mas foi tão rápido que eu não consegui ver nada direito.

— Bom, você viu fragmentos do meu passado. – Svider respondeu calmamente – Quando você tocou a espada eu também vi fragmentos do seu, foi uma via de mão dupla. Por isso eu vi sua curiosidade e decidi instigar o sonho em sua mente pela conexão que estabeleci entre você e Mirovir para atraí-lo para cá. Para que você pudesse me libertar.

— O quê?! Então você me manipulou esse tempo todo?! – Eragon quase gritou, indignado.

— Vê, Eragon? O homem egoísta de sempre. – Svider murmurou – Não importa o quanto você tente me ver como alguém bom, porque eu não sou, entende?

Dizendo isso Svider abaixou a cabeça e apertou com força a bainha de Mirovir. Eragon ficou calado tentando colocar a indignação de lado e pensar coerentemente. Por mais que Svider dissesse aquilo, Eragon sabia que havia algo mais que ele estava escondendo. O jovem cavaleiro sabia que Svider era uma pessoa boa, com muitos defeitos, mas boa. Havia algo mais ali.

— Você não me trouxe aqui só para que eu o libertasse, não é? – era mais uma afirmação do que uma resposta. Svider encarou-o com uma sobrancelha erguida, mas seus olhos estavam cuidadosamente vendados, revelando nada de seus sentimentos.

— Ainda não é o momento. – ele disse. Os dois continuaram andando atrás do grupo pouco à frente, mas de repente Svider empacou, os olhos arregalados com surpresa.

— Svider? O que é? – Eragon perguntou, olhando-o preocupado.

— O navio élfico foi atacado, temos que nos apressar! – o outro disse aflito.

— Atacado? Como assim? E Saphira? Ela está bem? E os outros...

Svider cortou as perguntas de Eragon com um olhar compreensivo e tranquilizador, imediatamente o jovem soube que não havia nada com que se preocupar, mas ele continuava inquieto.

O mundo ao seu redor começou a correr de repente, virando um borrão esfumaçado de dourado e azul. Quando tudo voltou ao normal, Eragon viu que estavam na borda da enorme e verdejante Floresta de Du Weldenvarden.

— O que você fez? – Eragon perguntou espantado, sentindo a cabeça rodar.

— Adiantei um pouco as coisas – Svider respondeu um tanto eufórico. Ele respirava pesadamente, como se houvesse corrido uma maratona.

Eragon olhou para frente e viu Angela andando para perto da floresta. Deloi estava atrás dela, com Svider em seu torso. O cavaleiro estava estranhamente bambo, balançando perigosamente com cada passo de Deloi, seus olhos estavam estranhamente vidrados.

— Estamos quase lá. – Angela murmurou quando começava a entrar no meio das árvores.

De repente, Svider tombou do torso de Deloi, caindo molemente no chão. O dragão gritou em agonia ao sentir uma dor excruciante atravessar para ele, vinda de seu cavaleiro.

O dragão baixou a cabeça e cutucou a forma imóvel de Svider com o focinho.

Svider? Parceiro, por favor, acorde, não desista agora! Nós chegamos! Por favor! Svider! Svider! Ele gritava repetidamente, tentando retirar seu cavaleiro do mar de trevas.

Angela correu para perto de Svider e começou a sacudi-lo, murmurando vários encantamentos na Língua Antiga, mas nada parecia funcionar.

— Oromis! – ela gritou por fim, como se esperasse que o mestre fosse ouvi-la – Oromis, eu o estou perdendo! Apareça!

Ela continuou gritando, mas ninguém veio. Deloi, em desespero jogou a cabeça para o alto e soltou um enorme jato de chamas alaranjadas. Svider tinha os olhos fechados e não parecia respirar.

— Venha, Eragon. – o espírito do cavaleiro castanho murmurou ao lado dele, puxando o jovem para uma nova porta élfica que aparecera a frente deles.

— O quê? Espera! O que vai acontecer? Svider! – Eragon gritou, meio confuso, meio alarmado.

— Temos que nos apressar. – o outro respondeu asperamente.

Eragon ouvia os gritos contínuos de Angela e os rugidos de Deloi, mas de repente esses sons foram abafados por grandes estrondos que sacudiram a terra. As árvores se curvaram e crescentes rajadas de vento sacudiram o ar a sua volta. Svider continuou puxando Eragon para a porta, mas antes que eles chegassem lá, o jovem cavaleiro viu uma figura enorme surgindo acima deles.

Um dragão gigantesco e dourado sem uma das patas dianteiras planava sobre eles. Em seu torso havia uma figura esguia com cabelos prateados.

O renegado, que antes estivera imóvel no chão, abriu lentamente os olhos azuis e olhou para o enorme dragão acima deles murmurando uma única palavra antes de desabar na inconsciência.

— Mestres...

De repente tudo isso sumiu quando Eragon atravessou a nova porta.


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Notas finais do capítulo

E então, gente? O que acharam? E o que esperam para os próximos capítulos?
Se houver algum erro de escrita, por favor me avisem para eu corrigir. Eu revisei o cap. mas sempre escapa alguma coisa.
Bom, é isso. Nos vemos em breve^^
Sé onr sverdar sitja hvass!



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