Once In a Lifetime escrita por selinakyles


Capítulo 24
This is not goodbye.


Notas iniciais do capítulo

A contagem regressiva pro final do ano tá aí, galera! E pro final da primeira parte de OIAL também.

Mais um capítulo devidamente betado por um serumaninho lindo chamado Kida. Sua linda, obrigada!

Enfim... Divirtam-se!



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Chapter twenty four –


Seis anos atrás –


“Eu não entendo. Nada disso está fazendo sentido!”

Clarke vagava de uma direção para a outra impaciente como um felino preso em uma jaula. Seu dedo indicador se friccionava em sua testa, mais uma das manias esquisitas que ela só demonstrava quando estava inquieta.

Se perguntassem a Jake se ela havia puxado seus trejeitos estranhos, ele não faria esforço algum em afirmar orgulhosamente. Mas aquele não era o momento para aquele tipo de pensamento, sua garotinha estava prestes a cavar um buraco no assoalho de seu tão amado escritório devido a irritação que já aflorava em seu semblante.

Havia chegado ao azul de seus olhos.

“Como você pode concordar com isso, papai? Está completamente fora da minha capacidade de compreensão!” Sua voz escalou algumas oitavas ao se mesclar com sua indignação. “É o nosso hospital. Não é tudo o que temos, mas é nosso bem mais precioso. E tudo isso por quê? Dinheiro?”

Jake suspirou pesadamente, os olhos tão azuis quanto os de sua filha vacilando conforme ele soltava o peso de seu corpo no conforto de sua cadeira.

“Clarke, eu não tive muita escolha. Maggie Collins entrou por essa porta com a intenção de só sair por ela depois de conseguir o que queria.” Seu olhar se prendeu no dela, um pedido explicito de desculpas se refletindo neles. “Já foi sufocada pela determinação daquela mulher? É uma sensação assustadora!”

“Não a chame dessa forma, ela não é sua amiga. Ela não é nossa amiga, pai. O filho dela colocou na cabeça dele que eu sou uma maldita boneca, mais um capricho que a mamãe dele pode comprar com seu dinheiro sujo. Sabe o que isso quer dizer? Você acabou de dar a eles tudo o que precisavam pra isso acontecer.”

O rosto da Griffin se enrubescia conforme as palavras saíam por seus lábios com todo o asco que ela mantinha acumulado pelos Collins. A calma explícita em cada detalhe do rosto de seu progenitor só aumentava a raiva que começava a lhe invadir como um maldito incêndio.

“Eles não tem como te obrigar a nada, filha. Você está colocando muito significado onde não tem.” O homem se levantou, o azul suave em seus olhos tentando transmitir aquilo que ela necessitava.

Mas claro que se ela tinha seus trejeitos estranhos, ela também herdara a personalidade tempestuosa de Abby.

“Isso se o sócio minoritário não for encurralado pela mesma determinação que Margareth usou com você. Reze para que isso não aconteça, papai. Peça para o que quer que seja que você acredita que os Collins não se tornem sócios majoritários do hospital, porque o dia que isso acontecer eu não sei se eu vou estar disposta a me sacrificar por erros que você e mamãe cometeram.”

A forma que a garota lhe encarou fez com que a culpa alastrasse em seu peito. Clarke raramente se dirigia a ele daquela forma, tão irrefutável e áspera, o que fez com que seu cenho se franzisse em resposta.

Era como ver a Abigail de dezesseis anos em sua frente novamente. O rosto rubro em pura frustração e aborrecimento, culpando-o por mais um de seus deslizes quando o assunto era colocar os outros sempre como prioridade, esquecendo de si mesmo e daqueles em sua volta.

Talvez Clarke estivesse certa. Talvez ele tivesse mesmo cometido um erro simplesmente por ser incapaz de funcionar devidamente sob pressão.

“Eu não vou carregar esse fardo.”

Essas foram as últimas palavras de sua garotinha antes que ela passasse pela porta como um furacão, com a força sobrenatural que ela continha em sua essência.

Algo que ele sentia orgulho, mas que em momento como aqueles lhe trazia uma imensidão de receios.

 

Dias atuais –

Aurora amava poesias.

Era algo característico seu, assim como seu amor por plantas, pela natureza. Tudo isso parecia lhe trazer calmaria, paz, e talvez por esse motivo Bellamy adorasse tanto admira-la sentada no balanço da varanda com seu livro preferido em mãos.

A expressão compenetrada em seu rosto o fazia ponderar se ela estava refletindo sobre mais um dos poemas de E.E.Cummings – seu poeta favorito, ou se estava apenas pensando na vida, completamente absorta em seus próprios pensamentos.

É necessário ter coragem para crescer e se tornar quem você realmente é, Bellamy.

Ele era capaz de ouvir a voz suave de sua mãe proferindo o verso que mais gostava em seus poemas, clareando seus pensamentos com algumas palavras apenas. Ela tinha isso, essa sabedoria, essa sensatez que provavelmente veio como resultado de tantos anos lutando suas batalhas, sozinha.

E ele era capaz de compreender agora, ele estava pronto para enfrentar o que quer que fosse e adquirir por si mesmo seu próprio amadurecimento, sua visão de mundo. Não lhe faltaria coragem para crescer e ser o homem que estava destinado a ser.

O celular tocou em seu bolso assim que Bellamy parou em frente à porta do sótão, o nome de seu Sargento brilhando no visor fez com que um sorriso se criasse em suas feições.

“Ei Blake! Geórgia está te deixando mimado, uh? Pelo que vejo essas férias estão te fazendo bem até demais. Sabe o motivo da ligação, certo?”

O moreno permitiu que o ar escapasse por seus lábios, vagarosamente. Aquele assunto lhe deixou impaciente por tanto tempo, lhe fez pensar tanto que teve momentos em que ele até mesmo imaginou sentir o cheiro de queimado vindo de seus neurônios.

A hora era agora, e não havia mais como voltar.

“Ei, Sarg! Não mesmo, não vejo a hora de voltar e prender alguns criminosos. Eu já tomei minha decisão, chegando em Chicago eu vou terminar de arrumar os papéis e as malas. Sinto muito se não é uma boa notícia, perder alguém na Inteligência nunca é fácil, ainda mais um membro tão ilustre e eficiente como eu.”

A risada do mais velho ecoou pelo telefone, e Bellamy pôde imaginá-lo perfeitamente diante de seus olhos.

“Com certeza, garoto. Bem, eu já imaginava que essa seria sua decisão. Miller vai passar um bom tempo choramingando e implorando para que você o leve na sua mala, mas também acho que vai ser o melhor para você. Pike está ansioso pela sua resposta, o cara não me deixa em paz um instante, estou a ponto de voar até Washington e chutar a bunda dele pessoalmente.”

O Blake riu, já girando a fechadura para que a porta do cômodo se abrisse e revelasse nada além do que ele já esperava. Estava tudo empilhado da mesma forma, no mesmo lugar que ele e Octavia deixaram antes de se mudarem para Chicago. Os pertences de sua mãe estavam empoeirados, porém intocados.

“Diga a ele que até o final da semana eu estarei em Washington, Sarg. Com toda a papelada organizada e assinada.”

“Tudo bem, garoto. Se cuide!”

“Até mais, Sargento.”

Seus olhos castanhos avaliaram todo o recinto, as memórias em sua mente vinham à tona como flashes. Estava ali, marcado naquele sótão, a última vez que Bellamy Blake havia se deixado levar completamente por sua insanidade.

O murro que desferiu ali logo após o enterro de sua mãe, sua maneira estúpida e pessoal de expressar toda a raiva que cegava completamente todos seus sentidos. Naquele dia ele literalmente não viu nada além do mais vivo e agoniante vermelho. 

Suas digitais passearam lentamente pela marca de sangue que se destacava no tom encardido de creme, as paredes esfarelando entre seus dedos. A cicatriz em seu punho – suvenir daquele dia fatídico – já não lhe incomodava mais, pelo contrário, mantinha fresco em sua mente o lembrete de que aquilo não poderia mais acontecer.

Ele não poderia mais cometer desatinos como aquele, motivados pela sua falta de controle com sua raiva.

As caixas em que Octavia e ele guardaram algumas das coisas de sua mãe permaneciam intactas no canto, do lado da janela minúscula que iluminava aquele cômodo, cobertas por uma camada grosseira de poeira e sujeira.

Bellamy foi até elas, puxando um dos banquinhos para que ele pudesse se sentar. A primeira coisa que veio em seu campo de visão foi um porta-retrato onde três adolescentes sorriam genuinamente, as mãos afastando o pó da moldura antiga para que pudesse enxergar melhor.

O sorriso de sua mãe era capaz de deixar o sol envergonhado, tão radiante e sincero que fez com que seu coração tintilasse em pura saudade. Um de seus braços envolvia o pescoço de Jake, que mantinha toda sua alegria vívida no azul de seus olhos. O outro braço envolvia um garoto que parecia ter a mesma idade, tão familiar e ao mesmo tempo tão estranho.

Ele abriu a moldura, se lembrando da mania peculiar de sua mãe de fazer anotações no verso de fotos

21.11.85 – “Felicidade. MK. AB. JG.”

O cenho do Blake se franziu, o olhar se levantou e em sua mente nada era capaz de solucionar o emaranhado de dúvidas que enevoavam seus pensamentos.

Voltou a mexer nos itens daquela caixa, se deparando com a foto da primeira vez que Octavia andou e também de sua primeira apresentação de dia das mães no fundamental. Sua mãe o tinha no colo, um sorriso que chegava aos seus olhos claros, enquanto ele segurava a pequena flor de papel que sua professora o ensinou a fazer.

Jake tirou aquela foto, disso ele se lembrava perfeitamente.

Lá dentro havia mais algumas fotografias, lembranças de momentos que sua mãe insistiu em guardar. Ela adorava revê-los sempre que possível, contando as histórias por trás de cada pedaço de papel que ela guardava com tanto esmero.

Bellamy avistou a primeira foto dele de todas as que Aurora tirou. Ela estava no hospital, Jake e Abby ao seu lado conforme ela segurava o pequenino embrulhado em seu cobertor azul. Seu semblante cansado não apagava sua felicidade, nem mesmo o tempo desgastando o pedaço de papel conseguia apaga-la.

26.07.86 – “Primeiro dia, Bellamy Alexander Blake.

Viva pelo amor mesmo que as estrelas caminhem em direção oposta.”


Ele sequer notou as lágrimas que já corriam por seu rosto, limpando-as com o dorso de sua mão, sentindo como se seu coração estivesse sendo arrancado de seu peito.

As pessoas costumavam dizer que o tempo cura tudo, que a dor da perda iria passar em algum momento. Mas ele sabia perfeitamente que não era nada daquilo, nenhuma daquelas palavras era verdade.

A verdade é que aquele buraco fica aberto por tanto tempo que em algum momento você acaba se esquecendo do que era ou como era antes dele. Bellamy era incapaz de se lembrar de qual era a sensação de ter sua mãe por perto, pronta para acolhê-lo em seus braços e afagar seus cabelos.

O tempo havia apenas tornado as lembranças ainda mais afiadas, perigosas. Lembrar-se dela não deveria ser doloroso, mas sentir sua falta era e sempre seria. Nada daquilo mudaria, ele aceitava.

Sua atenção se fixou no livro que permaneceu por tempo demais escondido em baixo de todas aquelas fotos e documentos. As poesias favoritas de Aurora, onde ela encontrava sua paz e reunia toda sua força.

A mão deslizou pela capa ao retirar um pouco da poeira que a cobria, abrindo-a logo em seguida.


Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio ou flecha de cravos que propagam o fogo: amo-te como se amam certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a alma.

— 04.12.85 -

Minha doce Aurora,

luz que minha vida irradia, fonte de minha felicidade.

Deixo esse presente como lembrança do amor mais puro que me faz querer viver, para que nunca se esqueça que eu irei te amar enquanto o céu for azul, enquanto seus olhos causarem inveja à Lua, enquanto eu respirar.

 

Isso não é um adeus.

Seu e seu somente,

M.K.”

 

O ar se estagnou nos pulmões do Blake mais velho conforme seus olhos analisavam palavra por palavra. Um pedaço de papel caiu em seu pé, tirando-o de seu transe momentâneo.

Um envelope levemente amarelado, endereçado a ninguém além dele.

Bellamy sentiu uma pontada em sua cabeça, as peças se juntando aos poucos. Ele nasceu em julho de oitenta e seis, nove meses antes seria novembro de oitenta e cinco. As datas batiam, o apego de sua mãe com o livro, a foto com aquele rapaz e Jake.

Ele avaliou o envelope onde a caligrafia de sua mãe havia escrito seu nome com tanto esmero, se perguntando quando foi que ela o colocou ali e porque ele nunca teve noção disso antes, abrindo-o logo depois.

As sobrancelhas negras se franziram ao encontrar um pedaço de papel, um anel sofisticado adornado com uma bela pedra de esmeralda e uma foto. E lá estava ela novamente, os cabelos tão longos e belos quanto os de Octavia e os olhos esverdeados cheios de vida e sempre tão expressivos. O mesmo rapaz da foto anterior lhe abraçava por trás, encaixando o rosto na curva de seu pescoço.

Os olhos castanhos, a pele clara, os cabelos tão escuros e levemente ondulados, porém não tanto como os seus. Eles faziam um belo casal, não poderia negar. Havia algo naquela foto que ele era incapaz de decifrar, algo que ia além de sua capacidade de compreensão. Ele avaliou o verso, se deparando novamente com a caligrafia corrida de Aurora.


Carrego seu coração comigo Eu o carrego no meu coração Nunca estou sem ele Onde eu for, você vai, minha querida Não temo o destino [...]

 

Meu destino é você, Marcus Kane. - 22.11.85 -”

 

 

Bellamy sentiu queimar dentro de si, borbulhar como se estivesse em erupção, arder como se o corroesse. As lágrimas caíam de seus olhos castanhos livremente, era como se tivessem vida própria, expressando toda a dor que seu coração estava sentindo.

E ele vinha sentindo demais nesses últimos dias.

O moreno olhou o pedaço de papel presumindo que aquilo era uma carta, onde estariam gravadas as últimas palavras de sua mãe. Dentro de si surgiu a urgência em rasgar, em sumir dali, viver sua nova vida em uma nova cidade, com novas pessoas.

Ser um novo alguém.

Mas se Bellamy havia aprendido algo em seus vinte e seis anos de vida é que não importa para onde ele vá, suas lembranças e seu passado iriam com ele. A forma amorosa que sua mãe o olhava, o abraço acolhedor de sua irmã, o toque abrasador de Clarke e a beleza refletida no azul de seus olhos.

Ele jamais seria capaz de esquecer cada detalhe, cada pequena coisa que agora lhe trazia uma tristeza infindável. Suas mãos se afundaram em seus cabelos, a lembrança do dia em que foi preso voltando vivida em sua memória.

O rosto estoico do homem que sua mãe amou com todo seu coração, o jeito firme e vazio com que ele olhou diretamente em seus olhos. Bellamy se lembrava de ter se sentido intimidado por sua presença, um rapaz inconsequente perto de um advogado tão renomado e cheio de porte, um dos melhores do país. 

Em um ato involuntário suas mãos desdobraram o pedaço de papel, já não se importando mais quais seriam os efeitos daquelas palavras.


Arkville, 14 de Maio de 2006.

 

Querido Bellamy,

 

Já faz muitos meses que já não sou mais a mesma pessoa que eu era antes, há algo dentro de mim me corroendo aos poucos, me matando lenta e dolorosamente. Filho, eu claramente não sei o que é perder, eu nunca fui capaz de aceitar que algo não me pertencesse. Ao contrário disso, eu passei a ver a perda como algo positivo, algo que se não for para ser, não vai ser e com isso passei a dar mais valor aos pequenos momentos, às pequenas coisas.

Eu vivi uma vida incrível, eu amei com uma intensidade capaz de me dar forças para superar o que quer que fosse. Eu ganhei da vida dois presentes lindos que vou deixar aqui, mas que levarei em meu coração, em meu ser, para onde quer que eu vá. Seu pai me disse uma vez que não era uma despedida, e realmente não era.

Ele não nos abandonou, Bellamy, e essa mágoa que você sente por ter crescido sem pai não corresponde a ele. Por tantos momentos eu chorei, eu senti por você o vazio com que você cresceu em sua vida, a penitência de ter nascido como meu filho. Eu sinto muito, Bellamy, eu realmente sinto. Eu não fui capaz de contar a ele sobre você, eu não dei a ele uma escolha ou a chance de te ver crescer e de conhecer o homem incrível que você se tornou. Parte de mim, meu maior orgulho, e parte dele também. Fruto do amor mais puro e mais intenso que fui capaz de sentir em toda minha vida.

Se você um dia quiser saber o real motivo por trás da piada trágica que ocasionou tudo isso, eu te aconselho a deixar estar. A vida irá lhe ensinar filho, há coisas que são melhores enterradas e esquecidas. Eu te conheço melhor do que conheço a mim mesma, como se eu te conhecesse antes mesmo de saber que estava crescendo em meu ventre, e por esse motivo eu sei o quanto você está se sentindo traído nesse momento. Eu tinha que fazer uma escolha, meu docinho, e talvez não tenha sido a melhor, mas foi a que eu pude fazer quando a situação pediu. Eu sei que dentro de você há muita capacidade para perdoar, e te peço, ache um pouco dela para perdoar sua mãe.

Durante todos esses anos eu vi Marcus em você mais do que eu imaginaria. Estava em seu jeito de andar, em sua personalidade caridosa e ao mesmo tempo tão imprudente e impulsiva, no castanho de seus olhos e no escuro de seus cabelos. Você é tanto parte dele quanto sempre foi minha, e eu acredito que, conforme for a sua decisão, você vai contar a ele a sua verdade. Não acumule sentimentos ruins, Bellamy. Não permita que a escuridão apague essa luz tão resplandecente que você tem em seu ser.

Filho, meu amado filho, meu doce menino. Eu te amo muito mais do que as palavras podem expressar, vai além de mim, é muito maior que tudo e todos. Metade do meu coração está com você, meu docinho. Nunca se esqueça, eu estou com você.

 

Seja imensamente feliz, meu garotinho, porque não há nada nesse mundo mais incrivelmente lindo do que seu sorriso.

 

PS: O anel contém a grande promessa de um amor que não foi capaz de se concretizar. É uma herança da família de Marcus, sua família. Peço que o guarde com todo apreço, ele faz parte da sua história também.

 

Com todo o amor do mundo,

Mamãe.


E então, toda a raiva se dissipou. Como a calmaria em meio a tempestade, ele se sentiu sem forças para sentir qualquer sentimento que não fosse gratidão. A mesma que ele nutriu toda a sua vida por ter nascido filho de uma mulher tão forte, tão corajosa e destemida, tão cheia de vida e de amor.

Ela estava certa, não foi sua melhor escolha, e ainda assim ele era capaz de compreendê-la. Ela carregou todo o fardo, ela chorou suas dores e as de sua irmã como se fossem as dela, ela os amou com a intensidade que definia a palavra incondicional.

Aurora Blake era sua heroína, seu exemplo, seu tudo. E sabendo disso Bellamy também sabia o que ele era, quem ele era, e o que deveria se tornar dali para frente.

Ele pescou o celular de seu bolso, novamente limpando as lágrimas em seu rosto antes de discar o número da única pessoa capaz de compreendê-lo perfeitamente, sentindo como se o mundo tivesse saído de suas costas ao ouvir a voz de sua irmãzinha pela segunda vez naquele dia.

“Kane.” Bellamy se manifestou rapidamente assim que ela o atendeu.

“Bell, mas o qu...?“

“Marcus Kane é meu pai, Octavia.”


***


Clarke odiava cidades pequenas.

Era exatamente por ter nascido e crescido em uma que ela as abominava, um dos principais motivos para Chicago ter se tornado uma de suas opções quando a oportunidade bateu em sua porta. Tudo sobre Arkville lhe incomodava.

Eram os olhares inquisitivos, os cochichos nada discretos, as falsas suposições, a imaginação fértil daquela gente, e claro, a frequente falta do que fazer. Tudo seria muito mais agradável se as pessoas cuidassem apenas de suas próprias vidas.

Mas obviamente, fazer da sua vida um inferno a tornando o assunto da cidade não era nenhuma novidade. Sua mãe era a prefeita, no final das contas. Não havia como fugir, não tinha para onde correr.

A loira adentrou o Grounders exatamente dez minutos antes do horário que deveria, varrendo o local com seus olhos azuis antes de se sentar em uma das banquetas do bar. O jazz tocava suavemente nos altos falantes, um toque clássico que só alguém com gosto sofisticado como os Greens seria capaz de dar em uma cidade tão enraizada em música country.

Clarke pediu uma dose de whiskey, decidindo sair de sua zona de conforto. Precisava tirar um pouco daquela tensão de seu corpo antes que suas mãos trêmulas a denunciassem, afinal, sua posição já era desconfortável o suficiente.

Aquela era uma das situações que a Griffin mais odiava, entretanto ela teria que engolir muitos sapos se quisesse alcançar seu objetivo. E bem, ao ter seu olfato invadido pelo perfume exagerado de Echo Omaha, aquilo apenas se reforçou em seu subconsciente.

Vai ser como arrancar um band-aid, Clarke. Respire, tome seu whiskey e desembuche.

“Mas veja só se não estou ficando cada vez mais especial, tendo minha ilustre presença requisitada pela realeza!” A morena destilou seu sarcasmo, os lábios cobertos por um batom quase preto se curvando da forma mais perversa.

A vontade era de dar meia volta e passar por aquela porta, lidar com aquela mulher custava muito de sua sanidade e ela não estava exatamente disposta a perder a única coisa que lhe mantinha firme nesses últimos dias.

Mas pior do que isso, ela não perderia a única coisa que realmente importa para sua família.

E por esse motivo ela engoliu em seco, ergueu sua cabeça e sorriu. O mais falso dos sorrisos.

“A que devo o prazer? Você sabe, quando Lexa me disse que você gostaria de me encontrar achei que o apocalipse estivesse prestes a acontecer.” Echo sorriu para o bartender que sem muita demora encheu um copo de vodka e o depositou no balcão.

“Você fala demais.” Clarke bebericou seu whiskey, assistindo-a arquear uma de suas sobrancelhas em puro ceticismo. “Não estou aqui para escutar suas ironias, meu ouvido não é penico.”

Echo semicerrou os olhos castanhos, dando seu máximo para não demonstrar que as palavras da loira lhe afetaram e então virou o copo de uma só vez. Não fazia parte de sua personalidade ceder ao desagradável, até porque era disso que ela se revestia.

“Então me dê motivos para ter perdido meu tempo, Princesinha. Porque eu preferia mil vezes não ter que olhar para sua cara e ter que aguentar essa sua postura sempre tão superior.”

Clarke respirou fundo, fitando-a de canto.

“Eu tenho uma proposta.” Declarou, se virando para encarar o semblante cínico da morena. “E conhecendo você, acho que as probabilidades de aceitar são bastante altas.”

A Omaha encarou o homem por trás do balcão, empurrando seu copo para que ele enchesse novamente, bebericando seu conteúdo antes de direcionar à Griffin seu sorriso debochado.

“Sou toda ouvidos, Princesa.”

Deixar sua intuição de lado para confiar em uma pessoa tão traiçoeira e dissimulada como Echo Omaha não foi nada fácil, porém Clarke já imaginava que nada disso seria. A incerteza causava um nó em suas entranhas, era tarde demais para voltar atrás.

Então ela contou tudo, nos mínimos detalhes, o que tinha em mente. Echo a escutou e pela primeira vez ela passou mais de cinco minutos sem soltar alguma de suas ironias, sem dar a Clarke um motivo para desistir de tudo aquilo e procurar outro alguém para o trabalho.

Mas ela conhecia Finn Collins como a palma de sua mão, e se tudo corresse como o combinado, não havia como dar errado.

“Hmmm...” A morena resmungou, umedecendo os lábios chamativos. “O que te faz acreditar que eu não vou colocar tudo a perder dando com a língua nos dentes? Você está correndo um grande risco, Princesinha.”

Clarke voltou a encarar o vazio em sua frente, virando o que restava de seu whiskey e sentindo-o descer queimando por sua garganta.

“Você é uma atriz, Echo. Atuar, creio eu, é o que você faz de melhor.” Os olhos azuis se cravaram nas íris amendoadas da Omaha, firmes. “Você tem muito a ganhar com tudo isso para colocar tudo a perder por um capricho. Seu desprezo por mim não iria tão longe.”

O riso harmonioso da mulher ao seu lado fez com que um dos cantos de sua boca se erguesse em pura satisfação, dando a ela a resposta que precisava.

“Isso pode manchar toda a minha carreira, por que eu aceitaria?” A Omaha ergueu uma de suas sobrancelhas desafiadoramente. “É muito pretensão de sua parte presumir que eu a desprezo, Princesa. O que não é nada chocante, não é mesmo? Sempre o centro das atenções.”

“Porque tem muito dinheiro fácil envolvido. Porque um sobrenome tão poderoso poderia te fazer tema de tabloides por tempo o suficiente para que empresas de entretenimento lhe enviem propostas. Você ganha, eu ganho, ponto final.”

“Hm, cruel.” O sorriso inescrupuloso estava lá, escondido pelo copo que ela pousou em seus lábios. “Não sabia que tinha isso em você.”

O gesto se replicou também nos lábios da loira, sua mente deixando suas emoções e seus princípios de lado para que aquilo desse certo. Ela precisava que aquela mulher cedesse, Clarke precisava deixar seus sentimentos pessoais de lado para que as coisas corressem como ela desejava.

“Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim, Echo. Mas no momento eu só preciso saber se posso contar com você, se vai seguir tudo conforme o planejado. Quando tudo isso terminar seguiremos nossas vidas como se nada tivesse acontecido, satisfeitas.”

Clarke a assistiu vacilar, demonstrando sua hesitação. Echo não era boba, burra muito menos. Havia muito em jogo, não poderia negar o quão envolvente aquela proposta soava. Ter tudo o que almejava. Tudo o que sempre desejou alcançar seria entregue a ela de mãos beijadas, como em um passe de mágica.

E tudo o que precisava fazer era usar sua melhor arma: seu poder de sedução.

“Temos um acordo?” Clarke a encarou confiante, estendendo sua mão para que ela apertasse.

“Temos um acordo, Princesa.” E ela retribuiu, selando o trato.

E não importava o que lhe custasse, Clarke faria dar certo.

Finn Collins não tinha ideia alguma do que o esperava.

 


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Notas finais do capítulo

Eu disse que essa divisão de capítulos tirou a mágica da minha grande revelação... Já não foi tão grande assim. Yep, Marcus Kane. Eu sempre o vejo perfeitamente como o pai desconhecido do Bell, inclusive, faz muito sentido. Os dois tem uma relação tão legal na série, achei cabível. Tenho na minha mente essa imagem da Aurora e do Kane como um casal de amor impossível, e acho lindo. Me processem, sou meio lesada mesmo.
Próximo capítulo será o último da primeira fase, depois desse vem o salto de tempo e acho que tombos serão sofridos. Estou planejando tudo bonitinho pra vocês, tenho esperanças de que as reações serão positivas, por isso não me abandonem! NÃO ME ABANDONEM. Eu sei que não gostam de ver Bell e Clarke separados, mas tem um propósito maior. Vão ter mais mistérios pra deixar vocês com a pulguinha atrás da orelha, então só confiem na mamãe.
E então? O que acham que menina Clarke tá aprontando? Confiar na Echo, uh? Arriscado, ousado, corajoso. Será que Finn Collins finalmente vai ter o que ele merece por ser um loroteiro mimado e mulherengo? Hm.

Me tragam teorias! Seja sobre esse capítulo ou sobre o que querem ver na vida deles depois desses cinco anos que vão se passar. Quero interação, galera, come to mama! Quero opiniões, quero sugestões, quero meus leitores lindos me amando e principalmente amando OIAL.

Acredito que terá SIM mais uma atualização esse ano. Me inspirem! Vejo vocês logo, logo. Beijinhos no core, e que a Força esteja com vocês, mwa!