Once In a Lifetime escrita por selinakyles


Capítulo 23
You're not alone.


Notas iniciais do capítulo

OIEE MEUS PADAWANS!
Como estão? Todo mundo muito moído depois desse ENEM? Vim com uma recompensa básica! Entrei no site agora e vi muitos comentários lindos, melhorou muito meu dia. Então porque não atualizar, não é mesmo? Vocês merecem!
É com dor no coração que eu posto esse capítulo, porque ele teve que ser dividido em duas partes (estava mais de 8.000 palavras, too much information) e isso acabou tirando um pouco a magia que eu tinha em mente pra ele.

De qualquer forma, fica aqui meu obrigada para minha beta linda que betou esse capítulo mesmo depois de ter passado pelas dificuldades do ENEM. Kida, você é um anjo na minha vida, sua linda!

Divirtam-se, lindinhos!



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Chapter tweenty three –

 

5 anos atrás –

 

Algo dentro da cabeça de Clarke era incapaz de manter silêncio. Por hora ela jurou serem apenas seus pensamentos que estavam mais altos do que deveriam, enlouquecendo-a. Ou seria apenas o estresse de mais uma briga com sua mãe se transformando na mais terrível das cefaleias.

Os dedos, médio e indicador, se juntaram em suas têmporas, massageando-as impacientemente enquanto seus pés descalços já desciam os intermináveis degraus da escada que ligava o andar de cima ao hall de sua mansão.

Ela precisava de aspirina, essa era sua única certeza. Aspirina e quem sabe uma boa noite de sono seriam os antídotos perfeitos para que sua tormenta se findasse.

Bem, pelo menos isso foi o que pensou.

A voz de sua mãe vinha do escritório particular de seu pai, soando mais grave do que o habitual. O timbre exasperado adentrou seus ouvidos como agulhas, reforçando para si mesma que ouvir Abby Griffin falar naqueles últimos dias vinham sendo sua penitência.

“Você se importa demais com os assuntos de uma família que não é sua, não acha Jacob?”

“Não sei como é capaz de falar isso, Abby. Os Blake são tanto minha família quanto você e Clarke são, por que isso agora?”

Clarke encostou-se à parede, ao lado do batente da porta. O assunto lhe chamou a atenção, considerando que não era nada normal ver seus pais, conhecidos por seu relacionamento impecável, em uma discussão intrigante como aquela.

“Eles tem quem cuide deles! Se apenas você contasse a verdade para o garoto, se apenas contasse pro pai dele, as coi-"

“Não! Não comece, Abby. Não faça com que me irrite com você.” Clarke escutou a cadeira pesada de seu pai se arrastar bruscamente no assoalho, a frieza em sua voz não parecia lhe pertencer. “Esse assunto não é meu, eu não tenho o direito de quebrar a promessa que eu fiz para a única pessoa que...”

“Que você amou? É isso, não é? Você e Aurora.” Os stilettos de Abby denunciavam sua inquietação ao ecoarem pelo cômodo. “Vocês nunca me enganaram.”

Uma pausa se impregnou ali, e mesmo não estando dentro daquele cômodo a tensão poderia ser cortada com uma faca.

“Você...”

“O que? Estou mentindo, Jacob? Nós nunca fomos sua prioridade. Eles sempre foram.”

“Você realmente está insinuando o que eu acho que está insinuando, Abigail?” A voz mansa de seu pai se modificou, a indignação transformando a calma em raiva.

“Você está surdo?” Clarke soltou um riso enguiçado, cobrindo seus lábios ao notar que estava prestes a se denunciar. Em sua mente se criava a imagem vívida de sua mãe pendendo o peso de seu corpo em uma perna, uma das mãos em sua cintura demonstrando toda sua força e superioridade.

Abby Griffin sabia muito bem como intimidar uma pessoa. Uma pena que aquilo nem de longe funcionasse com ela ou com seu pai, mas com seus empregados talvez.

“Abby, não comece, por favor. Não é um assunto que nós podemos discutir. Não nos diz respeito.”

“Não nos diz respeito? Então por que você não usa sua energia para me ajudar com o jantar com Margareth Collins amanhã? Por que você não usa a sua influência e tenta fazer com que a sua filha cabeça dura mude de ideia? Minhas palavras já não tem força alguma com aquela garota, Jacob. Pare de perder tempo com os filhos dos outros e me ajude porque eu não posso fazer tudo sozinha!”

Clarke sentiu algo dentro de si borbulhar, queimando dentro de suas entranhas e se transformando em uma ardência desagradável em sua nuca e seu rosto. Os punhos se cerraram e ela só pode notar que estava mordendo a parte de dentro de sua bochecha quando o gosto de sangue se tornou perceptível em seu paladar.

A dor de cabeça se tornou insuportável, tanto quanto as palavras absurdas que sua mãe cuspia.

Antes que pudesse se conter ela arreganhava a porta, ganhando para si a atenção de seus progenitores.

“Você não se cansa, não é? Nunca vai se cansar.” A respiração da loira era como a de um touro raivoso, pronto para atacar o que quer que fosse que se colocasse em seu caminho. “Eu quero que Margareth Collins se dane, me entendeu? Quero que tudo isso se exploda! Não vai ter casamento, mamãe. Não vai ter noivado. Não vai ter nada disso enquanto você pensar que pode controlar a vida dos outros como se tudo fosse um maldito teatro.”

“Clarke!” Jake a repreendeu.

Seus olhos azuis raivosos fixaram-se nos de seu pai por alguns segundos, deixando claro o recado: não se meta!

“Eu não sou uma boneca, mamãe! Eu tenho sentimentos, eu tenho opinião própria, não vou ser manipulada e arrastada para esse jogo doentio de aparências. Você não vai fazer com que eu me torne superficial e vazia como você!”

A mão de Abby atingiu em cheio o rosto da Griffin mais nova, o vermelho que se alastrava em sua bochecha estava longe de ser o rubor de sua raiva.

“É assim que as coisas vão ser daqui em diante, Clarke?” A ferocidade expressada nos olhos amendoados de sua mãe não lhe amedrontou, não havia muito que a fizesse obedecê-la. “Nossas interações vão ser baseadas nos limites? Não vai mesmo haver mais respeito?”

A mão gélida da garota pousou sobre a ardência na maçã de seu rosto, todo seu desprezo agora era perceptível em cada parte de seu semblante. Não havia muito que Abigail pudesse fazer para recuperar seu respeito e admiração. Aquela estava longe de ser a mulher que um dia Clarke tanto idolatrou.

A pessoa diante de seus olhos era apenas um rascunho do que foi um dia.

Clarke gostaria de tentar entende-la. Qual era o objetivo de tudo aquilo? Para que ela queria sacrificar sua felicidade prometendo-a para um cara tão fraco e vazio como Finn? Ela não estava grávida, pelo amor de Deus! Eles não estavam nos anos cinquenta e a última coisa que ela precisava era de alguém para lhe dizer o que fazer.

De uns meses para cá a cabeça de sua mãe se tornou algo impenetrável, e sendo sincera, ela se sentia cansada demais com todas aquelas brigas para sequer tentar. Havia muitos segredos ali, coisas obscuras que seu pai jamais lhe contaria – sua mãe muito menos. Talvez fosse melhor assim, talvez a ignorância fosse mesmo uma dádiva.

“Quer saber? Não vale a pena.”

A Griffin mais nova saiu daquela sala como um relâmpago, pegando as chaves de seu conversível branco e vestindo suas sandálias no caminho da saída. A brisa gelada de outono lhe atingiu como um soco, fazendo com que seus braços envolvessem sua barriga na busca por algum calor.

Tudo passou como um maldito borrão. Em um momento ela discutia com sua mãe algo que sequer valia seu esforço, no outro o ronco de seu carro ecoava em frente à casa dos Blake da forma menos sutil possível.

Ela o avistou sentado nos degraus da varanda. Os fios negros e desgrenhados como sempre, escondiam seu rosto, parecia muito compenetrado em avaliar suas botinas desgastadas, alheio ao mundo em sua volta - o que não parecia nada comum vindo dele, sempre tão atento e alerta.

Bellamy ergueu os olhos escuros para a garota que batia a porta do carro com rispidez, incapaz de fazer alguma piadinha atrevida para deixa-la irritada ou constrangida. Provavelmente aquele não estava sendo um dia muito bom para nenhum dos dois.

O short de cintura alta, a blusa de renda, os cachos em seus cabelos dourados. Clarke era quase uma Barbie, sempre tão perfeita mantendo as aparências e o sobrenome de sua família, obedecendo e acatando. Presidente do conselho estudantil da escola, tão conhecida em projetos de arrecadação de verba para a cidade e grande líder na organização de eventos beneficentes.

Entretanto, naquele momento, ela não aparentava nada disso. O rubor em seu rosto e a finca grosseira entre suas sobrancelhas denunciavam que ela estava longe de manter as aparências. Clarke estava apenas deixando sua armadura de lado para se expressar, se permitir.

E Bellamy, melhor do que muitos, sabia o quanto ela se sentia exausta o tempo todo.

“Dia ruim?”

“Olha Bellamy, eu realmente não estou no clima para aguentar suas gracinhas.” Ele olhou para os dedos de Clarke, as mãos tremiam e isso também se refletia no tom defensivo de sua voz. “Eu vim por Octavia.”

O moreno abaixou a cabeça novamente, o riso sem humor algum denunciando seu sorriso sarcástico.

“Só você tem direito de ter um dia ruim, Princesa?” Ele prendeu seu olhar no dela, vendo-a ponderar diante de suas palavras. “Octavia não está, saiu com Jasper e Monty. Acho melhor voltar para o seu castelo.”

Clarke relevou as provocações, escutando a madeira ranger ao sentar ao lado dele. Não era comum vê-lo daquela forma, abatido. Bellamy Blake sempre foi muito cheio de si para que os baques da vida lhe atingissem a ponto de deixa-lo para baixo.

Mas era assim que ele estava desde que sua mãe se foi e lhe deixou com todas aquelas responsabilidades nos ombros - para baixo. A guarda de Octavia já não era um problema tão grande, Jake estava ali para ajudá-lo. Contudo, sustentar uma casa e manter uma garota de dezessete anos sob sua constante vigilância não era nada fácil de fazer sozinho.

“O que houve?” Seus olhos a avaliavam de canto, as mãos se cansando de brincar com o pedaço de galho para descansar em seus joelhos. “Você está alterada demais para dirigir, não acha? Seu pai não iri...”

“Não vamos falar sobre meus pais.” Clarke o cortou, o olhar antes vago se direcionando para o moreno que a estudava minunciosamente. “Hoje eu não quero ser o assunto. Se vamos conversar, que seja sobre você e sua cara feia.”

Bellamy riu, levando o punho até os lábios para esconder seu sorriso.

“Você é abusada até mesmo quando tenta não ser, não é Princesa?” Um sorriso tímido iluminou o rosto delicado da loira, trazendo certa satisfação. “Tenho certeza que essa necessidade de reforçar que minha cara é feia não é nada além de psicologia reversa. Você ama minha cara feia.”

Clarke o olhou enviesado, desacreditando da rapidez com a qual ele havia se recuperado. O clima descontraído era exatamente o que precisava, e talvez ter aquele cara como companhia fosse o suficiente para que ela fosse capaz de esquecer de si mesma por algumas horas.

“Não se chuta alguém que já está caído, que sirva de lição.”

“Oh, sábio. Bellamy Blake também é conhecimento de vida, quase um Nietzsche.” A loira debochou, batendo de leve sua perna na dele. “Vai contar o porquê da cara feia? Ou só é interessante quando eu sou o assunto?”

O sorriso simplório do moreno expressou seu total desconforto, porque no final das contas, Bellamy nunca foi bom em falar sobre o que sentia. Ele, com certeza, era ótimo em provocar, em usar sarcasmo para se proteger e em tomar para si as dores do mundo.

Aquele garoto era de tamanha peculiaridade. Quando se tratava dele, não havia e nunca haveria um meio termo. Os assuntos de seu coração nublam seu julgamento com uma intensidade extraordinária, e era isso o que fazia Clarke acreditar que eles eram completamente opostos.

Enquanto ela se baseava totalmente em sua razão, Bellamy era todo emoção.

“Na verdade, eu não sei se quero entrar nesse assunto.” Ele ponderou, e um pequeno pedaço de folha parecia muito mais interessante do que olhá-la diretamente. “Você não faz muito bem o tipo terapeuta.”

Clarke riu, o frescor daquele final de tarde balançando os fios claros de seu cabelo.

“Pfff, me respeite, Blake. Somos melhores que isso.”

“Estou preocupado, só isso.” Bellamy deu de ombros, as íris negras se ergueram para admirar o céu alaranjado. “Eu não sei como ela conseguia. Você sabe, minha mãe. Como ela foi capaz de nos criar sozinha, sem ajuda de ninguém, sem nunca recorrer aos bastardos que a abandonaram.”

A loira permaneceu quieta, suas safiras azuladas vagando por cada detalhe do perfil daquele rosto, agora ainda mais acentuado pelo esplendor do entardecer. As sardas, a simetria perfeita de seu nariz, a linha firme de seu maxilar, a incerteza que se revelava em seu olhar.

Não era difícil entender como tantas garotas caíam aos pés daquele homem. Ele não era mais o garotinho que lhe ajudava a subir em árvores e caçar minhocas, cada vez isso se tornava mais perceptível.

“Às vezes eu penso em encurralar seu pai, ver o que ele sabe sobre o assunto, já que mamãe nunca quis nos dizer ao menos o nome daqueles que carregam metade do nosso DNA.” Seu olhar se abaixou novamente, hesitante. “Mas acho que se ela escondeu, é porque teve seus motivos. Não vem ao caso questioná-los depois de tantos anos só porque estou me sentindo sobrecarregado.”

“Meu pai não lhe diria nada. Sempre foi muito fiel à sua mãe para quebrar uma promessa.” Clarke suspirou, revivendo a briga de seus pais. “Eles brigaram sobre isso hoje, meus pais. Acho que não é um assunto que algum de nós deve se meter. As coisas se esclarecem quando elas têm que se esclarecer. Disso eu tenho certeza.”

Bellamy continuou inerte, escutando-a conforme os problemas deixavam de parecer tão assustadores em sua mente.

“Você não precisa se sentir sobrecarregado.” A mão gélida da Griffin tocou a sua, quente, tranquilizando-o. “Você não está sozinho.”

A intensidade com que ele lhe encarou fez com que algo dentro de si tintilasse. Ela estava tão acostumada a reconhecer apenas seu sarcasmo e seu deboche, incapaz de ver toda a profundidade do castanho escuro daqueles olhos – tão negros quanto à imensidão de uma noite sem luar.

E Clarke se perdeu ali, no profundo, no intenso, em seus medos, seus receios. Era loucura demais pensar que sua mão pequena e frágil se encaixava perfeitamente na dele? Na verdade, só o fato de aquele momento, tão cheio de significados, estar acontecendo já parecia uma singularidade.

Em um toque ela se sentiu mais ligada a ele como nunca se sentiu em toda sua vida, o que a fez se questionar se aquilo sempre esteve ali, aquela conexão.

Bellamy sorriu, e para Clarke Griffin o silêncio nunca pareceu tão certo.

 

Dias atuais –

 

“Você tem certeza que está bem? Eu posso dizer para Kyle voltar para Chicago primeiro. Eu converso com minha orientadora, ela vai entender, tem muito para se entender de qualquer forma. Não quer q-”

“Raven.” O timbre suave e paciente a interrompeu, respirando fundo. “Não precisa. Eu estou em casa, esqueceu? Arkville é minha casa. Eu estou bem, não se preocupe, só vá, ok? Volte para Chicago e planeje como vai ser sua nova vida. Eu tenho assuntos para terminar aqui, assuntos que eu tenho que resolver se quiser seguir em frente.”

Clarke pode projetar mentalmente a expressão hesitante de Raven. A finca cheia de suas incertezas se criando entre suas sobrancelhas negras, os olhos castanhos refletindo sua preocupação, o lábio inferior se prendendo entre seus dentes enquanto em sua mente uma tremenda confusão tomava espaço.

Era adorável o instinto protetor que ela tinha, coisa que ela jamais imaginou que teria se não fosse por Octavia. Um erro havia criado aquele vinculo, um mal entendido trouxe Raven para sua vida. E talvez, só talvez, Finn Collins serviu para alguma coisa além de decepção e mágoa.

A grande porta de entrada da mansão se abriu e o sorriso que se criou nos lábios de sua mãe era capaz de iluminar uma cidade. Ela acenou para Jasper e Monty, que buzinaram em resposta antes de arrancarem com o Jeep de Raven portão a fora, como dois malucos, e então a ajudou a carregar suas malas até o hall.

As safiras fitaram o rosto harmonioso de Abby, sorrindo singelamente ao receber um beijo carinhoso em sua testa.

“Rav, eu tenho que desligar. Não se preocupe, ok? Cuide do nosso bebê e logo estarei de volta em Chicago.”

“Clarke, eu não estou brincando, ok? Mistérios não são legais, não posso ficar ansiosa e você sabe. Já vou ganhar peso demais carregando outro ser humano dentro de mim, não vai querer se responsabilizar pelos quilos que vou ganhar comendo sorvete e roendo unhas esperando por notícias suas.”

A loira revirou os olhos, mantendo para si sua vontade de rir.

“Rav, eu te amo! Se cuide, por favor.” Foram suas últimas palavras antes de finalizar a chamada e guardar seu celular no bolso traseiro de seu jeans.

“Nosso bebê?” Abby indagou, sua mão passeando pelos fios loiros bagunçados de sua garotinha.

Clarke riu baixo, a figura de Kane entrando no recinto sugou sua atenção por completo.

“Longa história.” Os braços do melhor amigo de seu pai e agora mais novo marido de sua mãe lhe envolveram com precisão, transmitindo naquele gesto todo seu carinho e afeição pela garotinha que praticamente viu crescer – e que agora havia se tornado uma mulher estonteante.

“Não pude te abraçar no casamento de Octavia, mas agora eu posso!” Kane sorria como se estivesse com um cabide em sua boca, era clara a admiração com que ele a estudava. “Fazia tanto tempo que não te via, Clarke. Que bela jovem você se tornou.”

Ele não era capaz de evitar ver nela os traços peculiares do homem que desde que aprendeu a engatinhar, esteve ao seu lado. Clarke era uma mistura muito aprimorada de seus pais, e só quem os conhecia como as palmas de suas mãos, eram capazes de atestar tal fato.

Foram tantos anos longe daquela cidade, daquela vida, que lhe impediram de vê-la desabrochar na formosa flor que se transformou. Contudo, ela ainda era como sua filha. Isso nunca mudaria, nem mesmo todo o tempo do mundo.

“Kane.” Ela se afastou, suas mãos segurando as do homem a sua frente. “Eu sei que o timing não é dos melhores, mas eu preciso de ajuda.”

“Ele está a par do assunto, querida.” Abby se manifestou, gesticulando com a cabeça para que eles a seguissem até a sala de estar. “Eu fiz o que você pediu, eu liguei para o Finn e pedi para que ele te ligasse.”

Clarke parou por um segundo, todos os últimos acontecimentos voltando de forma avassaladora. Seus dentes trincaram e ela fechou os olhos, erguendo a cabeça para que pudesse respirar mais facilmente.

A dor estava ali, ela não lhe deixaria tão fácil. Lembrar não lhe ajudava em nada, mas mantinha seus pés no chão. Ela trazia um proposito, um lembrete claro de que ela tinha uma tarefa a realizar, uma promessa para si mesma que tinha que cumprir.

Suas safiras se revelaram em direção ao rosto inexpressivo de sua mãe, e então ela sorriu. Abby não a veria chorar, ninguém mais precisava presenciar seu sofrimento. Aquilo era algo seu, algo que ela manteria consigo mesma, dentro de seu âmago como uma cicatriz.

E naquele momento, a cicatriz latejava, pulsava, doía. Tudo aquilo se convertendo em um simples gesto, o mais singelo dos sorrisos.

“E ele ligou.” Ela se sentou, os músculos de seu corpo reclamando no processo. Kane fez o mesmo, sentando-se de frente para ela. “Mamãe, você se importaria de me dar alguns minutos a sós com Marcus?”

Abby ponderou por um segundo, vacilando sua atenção entre os dois. Algo dentro de si já sabia sobre o que seria aquela conversa, ela conhecia muito bem sua filha para avaliar tudo aquilo com ingenuidade.

“Claro, querida.” Com um toque gentil em seu ombro sua mãe sumiu de seu campo de visão em direção as escadas, seus olhos claros agora se trancando no rosto sereno de Marcus.

Os olhos dele eram escuros, um tom de castanho que lhe trazia boas lembranças, familiar. Eram sólidos, firmes e seguros como uma âncora. Havia algo neles que lhe trazia certo conforto, que lhe transmitia paz.

Tinha algo naquelas íris castanhas que agora lhe encaravam com um apreço quase palpável que lhe intrigava.

“Eu preciso de um favor.” A voz era quase um sussurro, cauteloso. “Preciso que faça um acordo nupcial com uma cláusula chave.”

Kane apoiou suas costas no encosto do sofá, avaliando-a com sua expressão contida.

“E para qual serventia exatamente?”

“Para que Finn Collins assine.” A determinação expressada em suas palavras fez com que o homem vacilasse seu olhar, descontente.

“Sua mãe imaginou que você tentaria algo do tipo.” Um suspiro lento e audível escapou contrariado. “Isso é loucura, Clarke. Você não precisa fazer isso, nós temos algo em mente para que você não tenha que se sacrif-“

“Não, Kane. Dessa vez nós vamos fazer as coisas nos meus termos. Você irá me ajudar? Posso usar seus conhecimentos legais?” A determinação exalava por sua linguagem corporal, a convicção tornando o azul de seus olhos ainda mais límpidos.

Kane levantou-se, sua inquietação contida em sua pose sempre tão séria. O que a fez se perguntar como o garoto inconsequente de quem seu pai adorava contar histórias se tornou um homem tão pacato e responsável, o completo oposto.

Ele olhou o jardim pela grande janela que mais parecia uma parede de vidro, hesitante. As mãos unidas em suas costas, postura típica que ele usava quando estava dando importância demais aos seus pensamentos.

“Me deixe te contar uma história...”

“Acho que eu já passei dessa idade, Marcus.” Clarke sorriu zombeteira, o sorriso se desmanchando ao notar que ele não estava brincando.

“Não existe faixa etária para esse tipo de coisa, criança.” Marcus se virou para encará-la, seu olhar se tornou brando. “Talvez se eu te contar do maior arrependimento que tenho em minha vida eu possa te fazer mudar de ideia para que você não tenha o mesmo destino. Eu não desejo isso para ninguém, Clarke. Ninguém.”

Os lábios de Clarke se entreabriram em surpresa, o olhar absorto daquele homem deixava claro que ele revivia algo em sua mente.

“O arrependimento é um sentimento que corrói, consome, e machuca. Você leva isso com você para onde quer que vá, não se apaga, não se desfaz, não some nem mesmo com o passar do tempo.”

O cenho da Griffin se franziu, sua atenção fixada no que aquele homem tinha a dizer.

“Minha família se mudou de volta para a Georgia quando eu tinha treze anos, e foi quando eu a conheci. Tão bela, tão gloriosa. Ela era o tipo de garota que todos os garotos de Arkville cobiçavam, chegava em um recinto e sugava para si todos os olhares. Eu não sabia o que era aquilo, o que me fazia sentir uma ansiedade tão grande em tê-la por perto a ponto de perder toda minha razão. Não que naquela época eu tivesse muita...”

A loira riu esganiçada, assistindo-o sorrir de canto antes de prosseguir.

“Ela andava em minha direção e de repente se tornava o centro de tudo o que eu fazia, o que eu sentia, o que eu pensava. Nunca imaginei que algo tão intenso pudesse existir, ainda mais sendo um garoto incrédulo que só pensava em futilidades. Ela era gasolina, eu era o fogo. É a esse tipo de intensidade que eu me refiro, juntos éramos um verdadeiro incêndio.”

Kane voltou a se sentar no sofá de frente para Clarke, as pernas se cruzando conforme ele se aprofundava em suas palavras.

“E por dois anos eu tentei conquista-la, e admito, não foi nada fácil. Ela tinha um coração indomável, minha adorada, seu espírito era bravo e livre. Não me importava se ela era de uma classe inferior, só me importava a forma que ela me fazia sentir, como se eu fosse a coisa mais importante em sua vida. E nós vivemos isso, vivemos esse sentimento com uma intensidade arrebatadora. Eu fugia logo após meus pais adormecerem para encontrá-la na casa de árvore que seu pai e eu construímos juntos, nós vivemos momentos incríveis, lembranças que eu vou guardar em minha memória e meu coração.”

“Típico Romeu e Julieta?”

“Quase isso. Nossas famílias não nutriam ódio, apenas esnobismo. A dela por mais que não tivessem dinheiro, tinham nome. A minha tinha os dois. Meu pai, um dos juízes mais respeitados de toda a Geórgia, não admitia que seu herdeiro estivesse envolvido com alguém de uma classe mais baixa, para ele esse era o maior dos ultrajes. Minha mãe apenas dançava conforme a música. Eu pensei que nunca seria capaz de perdoá-los, mas no final das contas esse tipo de pensamento muda conforme nós amadurecemos.”

Clarke abaixou sua cabeça por alguns instantes, em sua mente vinha a imagem das brigas frequentes com sua mãe e todos os momentos que jurou para si mesma que nunca seria capaz de perdoá-la. Parece que Marcus tinha razão, as coisas realmente mudam conforme nossas essências se lapidam.

“Nós tínhamos planos. Um casamento na catedral de St. John em Savannah, por mais que não fossemos exatamente um exemplo de pessoas comprometidas com religião. Uma casa confortável onde eu faria um jardim secreto para ela quando estivéssemos esperando nosso primeiro filho. Ela amava plantas, flores, uma entusiasta quando se tratava de natureza. Eu a levaria para caminhar perto das cachoeiras de Atlanta em nossos aniversários, viveríamos cada segundo até nossos últimos suspiros.”

“Tem um ‘porém’ em toda essa história. Sempre tem.” A impaciência da loira se misturava com sua curiosidade.

Clarke jamais admitiria, mas ela era uma romântica incontestável. Histórias como a que Marcus Kane estava lhe contando prendiam sua atenção e a faziam devanear, trazendo a incerteza sobre sua suposta incredulidade quando o assunto era amor.

Ela chorava assistindo ‘Diário de uma paixão’, pelo amor de Deus!

“Porém, quando fizemos dezesseis as coisas começaram a se complicar. As brigas em casa eram frequentes e eu via nos olhos dela que em sua casa não era diferente. Ás vezes eu via leves hematomas em seus braços, uma prova clara do que o abuso de poder pode causar. E logo após de mais um de nossos encontros, meus pais me encurralaram. Era viajar para Nova Iorque e focar no futuro que eu teria em Havard ou algo muito ruim aconteceria com ela. E eu não duvidava. Meu pai não era exatamente um homem de promessas vazias, ele levava suas palavras a sério.”

As íris castanhas se enevoaram pelas lágrimas que Clarke sabia que ele derramaria a qualquer momento. Era límpido como água a dor que ele sentia ao reviver o dia em que perdeu o amor de sua vida para os ideais egoístas de sua família.

“Eu sacrifiquei a única coisa que me fazia sentir vivo, que me trazia felicidade, para que meus pais se sentissem satisfeitos. Para que nada de ruim acontecesse a ela, e quem sabe um dia, nós pudéssemos retomar aquilo que nós tínhamos. Eu sonhava todos os dias com o momento em que ela implorou para que eu ficasse, eu tinha as lágrimas que escorreram de seus olhos tatuadas em minha memória. Eu conheci o paraíso e depois o vi ruir diante de mim.”

Kane cobriu o rosto com suas mãos, tentando arduamente controlar sua respiração. Clarke mudou de sofá, sentando-se ao seu lado e apoiando a cabeça em seu ombro. Talvez ela nunca tenha sido boa em consolar, dizer as palavras certas, mas sem dúvidas era capaz de escutar.

E claramente era isso que ele esteve precisando, de alguém que fosse capaz de escutá-lo.

“Bem, nem todas as histórias belas tem finais felizes.” Os olhos azuis se ergueram para encará-lo de perto. “O que aconteceu com ela?”

Ele levantou sua cabeça, os olhos vidrados no vazio.

“A vida aconteceu, Clarke. Eu dei meu melhor para superar meu pai e carregar o peso de meu sobrenome. Ela se envolveu com outras pessoas, diversos fracassos em buscar a felicidade que um dia tivemos. Não muito depois que eu a abandonei naquele aeroporto e entrei no maldito avião, ela engravidou de algum bastardo que foi incapaz de assumir suas responsabilidades. Desonrou o sobrenome de sua família, foi expulsa de casa. Acredito que as coisas não foram fáceis.”

A Griffin cerrou os lábios, desapontada.

“Você tem medo que eu me prive de viver algo como o que você viveu? Já entendi seu ponto, mas isso não muda muito as coisas.”

Os olhos escuros voltaram a lhe encarar como se ela estivesse fora de seu juízo normal.

“Você não entendeu nada do que eu quis dizer, claramente.” Kane se levantou abruptamente, impaciente, coçando sua nuca e então se virou para encara-la novamente. “É uma decisão sem volta, Clarke. Você se sacrifica e carrega um vazio sem tamanho para o resto de sua vida. Ou você acha que vai ser capaz de amar um rapaz como Finn Collins? Vai totalmente contra seus princípios, e eu os conheço.”

“Você carregou o peso de seu sobrenome, Kane. É minha vez de carregar o meu!”

Foi a vez de Clarke se levantar, andando vagarosamente por sua sala de estar.

“Você viveu algo incrível, e ouvir tudo isso só me fez admirá-lo ainda mais.” O olhar convicto se ergueu, cravando-se no de seu padrasto. “Mas nada disso muda minha forma de pensar. Eu vou recuperar aquele hospital e salvar a herança de meu pai. Você e mamãe estando a bordo ou não.”

Kane permaneceu quieto, a cabeça balançando negativamente em meio a sua incredulidade. Aquela teimosia só poderia vir do gênio forte de Abby, nada, além disso, seria justificável. Era surreal a forma com que ela parecia designada a seguir com seu plano maluco.

E saber que estava fora de seu alcance impedi-la lhe deixou frustrado.

“Eu vou mandar em seu e-mail os detalhes do acordo nupcial, avise-me quando estiver pronto. Preciso voltar para Chicago em algumas semanas.”

Seu padrasto a observou calado, completamente desarmado. Sem olhar para trás, ela subiu as escadas por onde Abby havia passado há alguns minutos com seu celular em mãos.

 

Lexa Omaha
5:40 pm
Está marcado, Clarke. Echo estará te esperando às 9 pm no Grounders.

 

 


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Notas finais do capítulo

GENTEN!!!!1111111111
Tô dando meu máximo pra fechar as valas que eu deixei, e claro, esse capítulo teve muito disso. Vamos finalmente descobrir o plano da Clarke, será que essa doida vai mesmo querer casar? E Echo? Ela não detesta a Echo? Hmmmmm. Essa moça tá armando. Acho que o próximo vai ser o último e então teremos nosso salto de tempo para cinco anos depois. Eu tô tãaaao empolgada com isso, vocês não tem noção. Vai ter muuuuita evolução de personagens, muitos detalhes novos, PESSOAS NOVAS. Estou esperançosa que vocês vão gostar! Espero que tenham gostado desse, que apesar de não parecer fazer muito sentido (como eu disse, era um capítulo só e eu tive que dividir) com o próximo vai fazer.

QUERO TEORIAS e quero já na minha mesa (ou seria caixa de comentários? hahaha). Quero comentários me dizendo o que acharam, quero muuuitas interações porque eu amoooooo muito e me inspiram demais.

Um beijo no coração, e que a Força esteja sempre com vocês! ♥