Regency — Interativa escrita por Clarity


Capítulo 5
♚ iii


Notas iniciais do capítulo

TUTS TUTS TUTS! YUPII! Terminei o bendito! Sério, moças; perdões! Vou contar um segredo: eu escrevi e reescrevi esse capítulo quatro vezes. Sim, quatro! E em nenhuma delas pareceu "certo". Aqui está a delícia da Lucky Charm, que ainda vai arrasar na passarela, heheheh :DDD



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...as apostas estão abaixando contra mim, e o meu nome está se alastrando por Londres como fogo; o dinheiro foi suficiente para uma hospedaria em um bairro com uma reputação discutível, mas não me importo realmente. Conheci a dona, Jayne, e dua filha, Lyra. Lyra é uma loirinha..."

Do diário de Carter Martell, ou Lucky Charm, após sua chegada em Londres, no dia em que conheceu Lyra Makwell, sua amiga nas horas tempestuosas.

A carruagem chacoalhou violentamente, e Carter foi arremessada ao chão, de joelhos. As cartas haviam caído, espalhadas pelo carpete, enfiadas em lugares tão estreitos que apenas uma carta poderia alcançar. Praguejou, e ainda sentada no chão, tratou de recolher todas que podia. Eram suas cartas da sorte, cartas de jogo. Não se daria ao luxo de perdê-las; foram as primeiras cartas. Quando já as tinha novamente na mão esquerda, apoiou-se no banco da frente e colocou-se sentada novamente. Sacudiu a poeira da saia do vestido, se sentindo apreensiva pela sujeira que poderia causar um eventual estrago, pois era de veludo vermelho, ligeramente plissado e com detalhes em dourado no peito, e havia sido presente de Lyra, sua doce amiga. Segundo ela, "Haveria tanta utilidade quanto eu. É bom que ele esteja rodando nos salões de baile e sendo envolvidos pelas mãos gentis de um nobre cavalheiro".

Pobre Lyra, ela refletia. Não era muito rica, mas a mãe era dona de algumas estalajarias na região, e por vez ou outra participou de bailes realmente importantes. Era uma pena que agora não comparecesse mais, desde que a queda do cavalo tirou os movimentos de suas pernas. Carter adorava-a de todo coração.

Deslizou as cartas pelos dedos, embaralhando-as com maestria surpreendente. Era um hábito saudável, e estava se aproximando da construção do Castelo. Perguntou-se por alguns momentos a razão de ter sido convidada àquele evento; não havia pedido, nem tinha o nascimento nobre como as outras moças que ali estariam. Na verdade, tudo que carregava eram algumas cartas, e um ano antes quase chorava por qualquer um que lhe ofrecesse comida. Uma paupérrima. Não que estivesse reclamando, já que conquistar a atenção de alguém tão importante quanto Ravenscar seria a salvação para sua renda apertada e pouco duradoura, decerto imprevisível.

Lembrou-se de seus dias na casa de jogos, e instantaneamente memórias desagradáveis cruzaram sua mente. Havia ficado no passado, não havia? Seus dias de jogatina, como Lucky Charm. Era aclamada pelo público e respeitada pelos oponentes. E se deliciava com as salvas e gritos de júbilo que recebia a cada jogada bem sucedida. Não jogava há tempos, mas seus dedos coçavam, e se sentia mais afiada que nunca.

Interrompendo seus devaneios, a carruagem parou. A porta se abriu e ela desceu os degraus, auxiliada pelo cocheiro, com a maior dignidade que conseguiu reunir. Não pertencia àquele lugar, embora pudesse, mas mesmo que não, deveria aparentar que sim para sua própria sobrevivência.

— Senhorita Martell — o homem da entrada curvou-se e tomou sua mão enluvada com um beijo — Confesso ter esperado ansiosamente pela sua chegada.

Carter sorriu, abanando os cílios; segundo Lyra, aquilo fazia com que parecesse mais encantadora.

— É uma surpresa, senhor. Pois o senhor parece me conhecer, e no entanto, não faço ideia de quem seja.

O loiro sorriu, e com um novo floreio, curvou-se.

— James Nicholas Phillip Willem Castamere, ao seu dispôr, senhorita.

Ele lhe parecia tão familiar, mas talvez esse fato se devesse ao fato de Ravenscar ser tão popular em Londres. Curvou-se rapidamente com um sorriso nos lábios; então aquele era James Castamere, o infame Lorde Ravenscar, cujo nome era sussurrado em onze dos dez suspiros das moças da sociedade londrina.

— Carter Martell, mas suponho que já sabia disso.

Era uma suposição óbvia, e ela se puniria psicologicamente por isso mais tarde, quando revisasse toda a conversa do dia em sua cama.

— Decerto — ele piscou, os longos cílios dourados batendo contra as bochechas encantadoramente. Então sorriu como se compartilhasse um segredo. — Eu supunha que fosse se lembrar.

Franziu o cenho, tomando o braço que ele lhe estendia.

— Desculpe-me? — Carter se estapeou mentalmente, balançando a cabeça — Oh, sim. Se refere à pequena pintura que enviou?

Ele balançou a cabeça, seguindo pelo interior do castelo, guiando-a pelas entradas. Seu olhar tinha um toque de ambiguidade, que deixava-a sem fôlego quando o pegava olhando fixamente. E aquele efeito, ela refletiu, não se dava somente com ela, mas com todas as mulheres de quem ele já havia tirado suspiros e devaneios censuráveis.

— Não é uma das melhores, realmente — deu de ombros.

— Eu diria que é uma ótima pintura, senhor.

Ele a encarou com tamanha intensidade que ela sentiu a postura ruir por frações de segundos, como se a mulher houvesse acabado de contar a mais inimaginável das piadas.

— Bem, é claro que é uma ótima pintura; o modelo, afinal, é excepcional — suspirou dramaticamente, os olhos se desfocando por alguns segundos, prestes a contar uma tragédia — É uma pena que o pintor estivesse exausto de tanto repeti-la em miniatura. Embora eu seja adepto à teoria de que a minha beleza foi extraordinariamente mal-capturada.

Carter riu, subindo as escadas de pedra com delicadeza.

— Senhor Castamere, já cogitou o teatro?

— Oras, é claro que sim. Infelizmente, minhas habilidades são, de longe, superiores àqueles para quem já me apresentei.

Ela, então, deu dois tapinhas em seu antebraço estendido de suporte.

— Então este é um grande eufemismo para dizer que não lhe aceitaram — concluiu, astuta.

— Se quiser colocar desta maneira, tão indecorosamente vil… — Jamie balançou a cabeça, teatralmente ofendido. De surpresa, seu humor se fez novamente normal e anunciou num tom alegre — Oh, chegamos — abriu a porta de madeira, que bateu na parede com um rangido — Espero que goste.

Carter se maravilhou com as estantes gigantes, poltronas aparentemente confortáveis. Havia uma xícara de chá fumegante sobre a mesa baixa de vidro. Percebia-se que quem quer que houvesse construído aquela parte do castelo não poupara esforços para deixá-la o mais confortável e luxuosa possível, e com sucesso.

— Não posso passar daqui, infelizmente — ele aparou a mão dela novamente e tocou os lábios de leve. — Seja bem vinda à Ala das Damas *. Na escada acima você encontrará seus aposentos.

— É belo — comentou.

— Sim, é sim — ele se encontrou absorto no afresco da abóbada por alguns segundos — A senhorita é aguardada para o jantar ao pôr-do-sol. Há vestidos no armário adequados...

— Está insinuando que não tenho vestidos adequados? — cortou-o, um tanto ultrajada.

Rapidamente, Jamie negou, apertando as mãos enluvadas de Carter contra as suas.

— Desculpe-me se houver soado como tal, mas garanto-lhe que não foi a intenção — sorriu gentilmente — Não me deixou continuar: vestidos adequados para a vida no campo. As vestimentas de Londres são demasiadamente pesadas, eu bem sei — Carter gesticulou para que ele continuasse, secretamente agradecida pelas roupas extras — Todos os quartos os tem, não tome como uma ofensa.

Ele era surpreendentemente cavalheiresco, com a face de anjo e olhos travessos, que pareciam vasculhar todo o ambiente em busca de nada específico, mas tudo ao mesmo tempo. Carter não poderia estar mais agradecida pela oportunidade.

Os momentos seguintes foram marcados por um silêncio ligeiramente desconfortável. A Senhorita Martell, então, sorriu e procurou quebrar o gelo.

— Hm, jantar ao pôr-do-sol, certo?

— Certo. Certíssimo. — apontou para a porta, — Já vou indo. Tenha uma boa tarde, Lucky Charm.

Carter virou-se, surpresa, para confrontar o duque, mas quando o fez, ele já havia desaparecido corredor afora. Cobriu a boca para evitar que o espanto fosse evidente demais. Lucky Charm. Céus, como ele poderia saber? Decidiu esperar por respostas quando o encontrasse novamente no jantar.

Se deliciou com as balustradas douradas e bem-polidas do Salão das Damas, que subiam até um acervo considerável de livros. Por um acaso muito afortunado do destino, ela sabia ler. Muitas damas sem instrução verdadeira, que não nasciam na pobreza e que jamais esperavam ascender ao topo, nunca aprendiam a ler ou escrever, mas seu pai, mesmo que um bêbado apostador inconsequente durante a maior parte de sua infância, fez questão de ensiná-la; és uma Martell, ele dizia, ninguém deve, jamais, pisar em ti por ignorância de sua parte. Então Carter lia, embora a falta de movimento da atividade a deixasse rapidamente entediada.

Entrou no o primeiro aposento que encontrou as portas abertas, se deparando com o maior luxo que teria em sua vida, provavelmente; a saleta contava com uma mesa que batia pouco abaixo de seus joelhos, onde um bule de chá fumegante a esperava. Havia um lustre pendurado no teto que provavelmente custava mais do que ela já tivera durante todo um ano, se bem que aquele bule mesmo deveria custar tudo que conseguia arrecadar em cerca de seis meses. O tapete era macio sobre seus saltos e a tapeçaria adamascada, dourada em contraste com o vermelho, deixavam o ambiente tão aconchegante que atirou-se no sofá em frente às xícaras e a lareira e se deixou ser impressionada pela magnitude das coisas fora de seu mundo limitado.

Cuidadosamente, Carter dobrou as luvas e as deixou sobre a lareira, e adentrou a outra saleta ainda com a xícara em mãos, aquecendo seus dedos congelados. Esta era menor, mas contendo algo bastante aconchegante, com seu candelabro dourado e uma cama grande, coberta por diversos tipos de cobertores e lençóis, que deixavam a cama cerca de meio palmo mais alta. Decidiu, enfim, que aquele era o paraíso.

Ela havia se perdido. Os corredores eram intermináveis, variando-se do mais estreito até o mais largo, compridos e bifurcados, com escadarias que subiam e desciam, num labirinto infindável. Sentia-se quase tonta. Após escolher a entrada do meio num corredor especialmente escuro e que se acabava numa abertura para três portas, deixou-se encostar na parede com um suspiro angustiado. Que infortúnio! Uma crescente sensação de desespero subia-lhe pelo peito; Onde estão as malditas sinalizações? Um mapa, talvez?! Apostaria que os serventes do castelo desconheciam tais pontos ali. Frustrada, bateu com a cabeça na pedra duas vezes, forçando-se a pensar numa alternativa. Era Lucky Charm. Havia encontrado alternativas melhores para situações piores. Exceto que em todas elas eu estava sentada numa mesa e com cartas nas mãos.

Tentou clarear a cabeça, pensando sobre como deveria ter parado assim que virou num corredor escuro após deixar a Ala das Damas. Um, dois, três. Deveria haver um padrão, afinal, ninguém em sã consciência construiria um labirinto sem padrão algum, e se havia alguém mais indicada para decifrá-los era ela. Lucky Charm, a mestra dos padrões. Lembrava-se de, no corredor à esquerda, ter encontrado mais tochas na parede do que nos outros dois, então obviamente alguém as acendera naquele mesmo dia. Recuperou a compostura, voltando-se para o dito corredor. Seguiu cautelosamente por ali, e algum instinto lhe dizia que estava indo bem. Esperava que sim. A parede de pedra era coberta por tapeçarias — o que ela pontuou como o cúmulo da estupidez humana, afinal, haviam tochas flamejantes presas à elas por ferros e a qualquer mudança abrupta no fogo poderia incendiá-las. Estremeceu ao se ver envolvida, novamente, em alternativas incendiárias; desde seu pai.

Balançou a cabeça e continuou seguindo, abanando o leque vermelho conforme o corredor parecia se fechar, mais estreito e claustrofóbico. Sem janelas. Sem janelas! Quem, diabos, constrói um castelo com um labirinto aparentemente interminável de corredores sem janelas?! Se sentia sufocada, ligeiramente agradecida pelo decote reto, porém baixo, do vestido que usava. A fita logo abaixo dos seios também pareciam não cooperar com seu estado; pareciam mais apertadas do que quando deixou o quarto, e ela definitivamente considerou a ideia de afrouxá-las.

Então um som. Alto e claro, mas talvez fossem seus ouvidos adaptados à mudança, que soou por poucos metros depois de atingi-la. Uma voz masculina. Finalmente! Fez o máximo possível para parecer decente, ajustando os cachos no coque bem elaborado e abanando o leque com uma rapidez maior para aparentar estar serena, embora definitivamente não o estivesse. Seguiu a voz e apressou os passos, segurando a saia apenas alguns centímetros depois do calcanhar, polidamente.

“... Não...”, a voz soou, alterada. Carter foi subitamente interrompida de sua correria. “...deve permanecer. Já lhe disse, e se repetir arrancarei fora sua língua e darei de comida aos porcos, está entendendo?!”, ameaçadora, vibrante, furiosa. Ela conhecia esse tom de voz, e era o tom de voz de alguém que estava com fumaça saindo pelas orelhas. “Mantenha-se calado.”.

Inesperadamente, outra voz soou. Mais fraca, porém astuta, pois desafiou:

Ou?”, uma risada sem graça veio.

A voz inicial riu, para a surpresa de Carter. E então um som agoniante de algo se quebrando. ‘Crack’. Ela, que já estava próxima o suficiente para conseguir distinguir dois vultos tapando a saída de luz das frestas, afastou-se. Um nariz quebrado. E então o som de punhos batendo em carne.

Ou será muito pior, seirbhíseach”, ralhou, “Deveria temer. Já me livrei de vermes enxeridos muito maiores”.

Pela ferocidade da voz, ela se forçou a parar com um mal pressentimento.. Ela segurou a respiração, tal como a língua, antes de escutar passos movendo-se pelo cômodo. Seus músculos retestaram-se, temendo que os homens raivosos fossem sair. Um passo, espremeu-se contra a parede, Dois passos, ela apertou os olhos com força. Três passos, apertou a saia do vestido até os nós dos dedos se tornarem brancos e gelados. Então sumiram. Tão rápidos e soturnos quanto apareceram, repentinamente os barulhos tornaram-se distantes, como se houvessem adentrado o quarto mais profundamente. Talvez houvesse até uma passagem de criados por ali, quem sabe?

Ligeiramente, Carter Martell ergueu a saia e apressou-se pelo corredor escuro, rezando para encontrar uma saída sem que tombasse, acidentalmente, com aquelas vozes.

Não sabia bem o que havia acabado de presenciar, mas sabia que seu sangue quente de Martell estava gelado nas veias.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu gostei! iauhiasuhdaisuhd Esperem ansiosamente pelo próximo, dearies. Já o tenho quase pronto.
*Ala das Damas é creditado à Bia Valdez, por sua criatividade-master com o título. OBRIGADA, AMOR! :D
Enfim, espero que tenham apreciado. Até breve! :D