Regency — Interativa escrita por Clarity


Capítulo 4
♚ ii




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...essa casa é grande demais, acessível demais. E em minha mais sincera opinião, o melhor lugar no mundo seria aquele quase impossível de chegar e sair, pequeno e cômodo. Agradável. E tudo que você é lá é... Você. Mas tal perfeição é muito provavelmente inexistente. Coisas perfeitas são inexistentes."

Do diário de Cersei Lily Bertinelli, filha de marqueses da família Bertinelli, logo após chegar na casa de veraneio da família Bertinelli, na Itália, dois verões antes.

A carruagem sacolejava de um lado para o outro, dando-lhe um maldito enjoo. Teve vontade de colocar a cabeça para fora e ameaçar o cocheiro de maneira bem discreta, provavelmente afirmando que faria com que fosse despedido assim que pisasse em Valliard Castle, mas não o fez; apenas encostou a cabeça próxima a janela e apertou os olhos. Ali estava ela, viajando sozinha em uma carruagem impecável, carregando tantas malas que nem todas cabiam na armação atrás da carroça, então se ajustara ali com algumas. Parecia que estava se mudando em definitivo, embora soubesse muito bem que, se o estivesse, teria mais algumas conduções para levar todos os seus amados pertences.

E ela pretendia.

Cersei Bertinelli, inteligente, sagaz, astuta, manipuladora, nada condescendente. Filha de marqueses, rica, bela, elegante, graciosa, espetacular. Líder, espaçosa, superior. Eram todos adjetivos que geralmente usavam durante fofocas e conversas sobre ela, não necessariamente nesta ordem, mas que definitivamente a descreviam com maestria. E Cersei Bertinelli, com todos esses adjetivos (bons ou não) estava determinada a ter um bom tempo em Valliard Castle, uma temporada tão boa que voltaria para casa como a Duquesa de Ravenscar.

Conhecia, decerto, a reputação de James Nicholas Phillip Willem Castamere, e tinha de admitir que era demasiado curiosa sobre tal: acabara de ser introduzida na sociedade e ele mal frequentava os mesmos círculos que ela, mas as más línguas o caracterizavam com tanta maestria quanto descreviam-na: encantador, charmoso, gentleman, cafajeste, malicioso, odioso para algumas e de temperamento bastante curto. Inclinado à jogatina, bebedeira e farra. Belo, com os olhos dourados como ouro que fitavam a todos com aquela expressão de meia-ironia e satisfação, como se soubesse os mais sórdidos segredos do mundo e estivesse a fazer manha para não os contar. E o fios claríssimos, quase invisíveis, tal como o primeiro raiar do Sol num dia de verão; diziam que parecia ter se banhado em ouro celestial. E ele a interessara tão profundamente, mexera com seu subconsciente por dias e dias, fizera-lhe divagar profundamente antes de adormecer e ocupava-lhe a cabeça até de manhã.

Contavam as histórias que era o melhor e mais galante dos amantes de Londres, que deixava belos buquês de rosas e forget-me-nots para as escolhidas e que cortejava em três línguas: inglês, francês e uma outra, qual as damas sempre davam risadinhas e olhares cautelosos ao mencionar. Cersei, em toda sua astúcia, jamais descobrira de qual língua se tratava. Com todas aquelas descrições, parecia um anjo caído, sem harpa, auréola ou asas, como via nas pinturas e esculturas da igreja, mas com todo seu esplendor. Havia um pequeno porta-retrato seu dentro de um medalhão que Lady Ravenscar lhe enviara ao convidar a Valliard Castle, e nas figuras parecia o ser mais estonteante cavalheiro do mundo. Todavia, ela, melhor que ninguém, sabia bem como pintores tendiam a ser exagerados em suas descrições (principalmente quando havia uma quantia considerável de dinheiro em jogo; o último retrato de Benedict que o atestasse! Estava tão odioso ali que parecia a prole insignificante do padeiro.

E tendo certo conhecimento da magnificência do Senhor Castamere, não tinha certeza se o prêmio principal era o ducado ou ele. Decerto, outras moças que vinham para o castelo também ponderavam o mesmo.

— Senhorita Bertinelli—, sentiu a carruagem parar, — Chegamos em Valliard Castle.

A loira colocou a cabeça para fora da janela, ignorando todo o enjoo que vinha sentindo, e deparou-se com uma bela e impável construção medieval, tudo muito colossal e gigantesco, embora com o ar sombrio e obscuro, como se abrigasse fantasmas em seus corredores e neblina espessa cobrindo o chão. Era, ela admitia, quase isso. A neblina era característica do lugar, do país, e a aparência assombrada devia-se à frieza que a construção seguia em direção ao céu, como se ninguém jamais houvesse aberto cortinas ali, como se não houvessem as gargalhadas ansiosas de crianças nos corredores há muito tempo; lhe dava medo ao mesmo tempo em que a deixava sobrenaturalmente empolgada.

Pegou a mão do cocheiro, que ajudou que decesse em segurança, e soltou um suspiro profundo; por mais que lhe surpreendesse, sentia falta de casa. Não de casa, especificamente, mas de Armin. Armin, Benedict, Damon… Mas não tanto quanto de Armin.

Distanciou os pensamentos e voltou-se com um sorriso afetado no rosto quando um semblante familiar lhe apareceu.

— Lady Ravenscar—, apertou sua mão com uma ligeira reverência.

Isobel parecia estar radiante, portanto logo grudou no braço de Cersei e puxou-a para dentro do castelo frio.

— Não se importe muito— ela pigarreou —Com o frio nestas partes. Os ambientes que preparamos para vocês são bastante agradáveis. O… Conde que vive aqui é bastante recatado, quase nunca recebe visitas, e foi-me um desafio fazer com que concordasse a receber-nos aqui. Ele não é um brutamontes, não, apenas não espere uma conversa longa e demorada, discussões ou sequer aparições para as refeições—, ela tinha o tom incansável, empolgado, — É meu sobrinho—, ela continuou sem recuperar o fôlego. Quem dera, Cersei ponderou, que soubesse guardá-lo daquela maneira; se o soubesse, jamais teria perdido um argumento por falta de rapidez na fala, — Filho de meu irmão, o antigo Conde de Cleybourne, que Deus o tenha, e herdou o condado demasiadamente jovem. Mas, veja só, seria incrível se conseguíssemos alguma esposa-

— Oras, mamãe, está a encher a cabeça de nossa hóspede com histórias desnecessárias—, por alguns minutos, ela ficou estática, fitando o fundo do gigantesco corredor vazio e sombrio, iluminado pela fraca luz das tochas. Teve um vislumbre indireto do rapaz que falava, e percebeu ser Ravenscar. Era loiro, como nas descrições, alto e elegante, definitivamente bonito, embora não tão esplendoroso quanto as descrições, e tinha aquele tom de zombaria na voz, o mesmo tom que esperara encontrar, — Venha, bela senhorita.

Ele lhe ofereceu o braço, guiando-a pela gigantesca escadaria que se seguia.

— Não vai te apresentar?

— Oh, sim. Indelicadeza de minha parte—, Cersei não mencionou que fora indelicadeza de Lady Ravenscar não tê-lo feito, afinal, era a anfitriã e moças solteiras só eram apresentadas a senhores solteiros pelas anfitriãs, mães, pais ou irmãos, —Cersei Lily Bertinelli.

— É uma honra, —, inclinou-se e beijou-lhe os nós dos dedos por cima da luva, — Sou John Leonard Thomas Willem Castamere—, ela piscou, atônita, fitando-lhe a face, — A ovelha negra da família.

Fora um descuido seu, Cersei se culpou, deveria saber que não era tão alto como o rapaz da pintura e que o cabelo não tão claro quanto as descrições. Na verdade, era bastante novo e jovial, o tom que antes lhe parecera de afronta e desafio era bastante comum em Eton e Cambridge com os estudantes, e ela o sabia porque seu irmão mais novo, Damon, havia passado, e ainda passava, odiosamente, por esta fase.

— Não entendo o porquê—, sorriu discretamente.

— Talvez venha a entender futuramente, senhorita Bertinelli.

Não deverias estar na escola? Ela quase perguntou, se interrompendo por passos pesados.

Ela logo percebeu que logo ficaria perdida no castelo majestoso e frio.

— John, onde colocou minha maldita…-

A voz foi interrompida ao se aperceber da presença de Cersei. Com a luz das velas, ela pouco viu, mas viu o suficiente; ele estava com o tórax nu, talvez enfaixado o ombro, mas não tinha certeza. Tinha o corpo bem definido, dourado. Àquela luz, seu cabelo tinha a coloração de cerveja escura, bastante dourado. E era como um anjo.

Mas um anjo caído, percebeu logo ao ver que ele logo se recuperava, lançando-lhe um olhar de desdém e ironia padrão, com aquele lábio levemente suspendido e ar principesco.

— Ora, ora —, ele desceu alguns degraus apoiado no corrimão. A mãe, que logo apontava no salão, parecia mortificada com as atitudes do filho.

— James! Faça-te decente agora já! Isso são maneiras de se apresentar a nossa convidada?!.

Sim, são sim.

— Não fui eu quem chegou de surpresa...

— Não são desculpas, rapaz! —, Isobel subiu alguns degraus, fazendo com que o primogênito recuasse, — Vá agora! Terá sorte se ela ainda quiser algo contigo!

Não vá…

— E deixarei a Senhorita Bertinelli na expectativa, mamãe?!—, algo no modo ultrajado com que falou, e na maneira como sublinhou a palavra expectativa, deixou-a suspeitosa.

— James.

O jovem duque continuava a descer as escadas, os olhos bem fixados nos de Cersei. Ela não ousaria interromper, ou sequer conseguiria; o Senhor Castamere tinha os olhos mais dourados e brilhantes que já havia visto, hipnotizantes. Parecia algo bem próximo de pecado desviar sua atenção.

James Nicholas Phillip Willem Castamere—, Lady Ravenscar chamou novamente, encarando-o com ferocidade.

Jamie pareceu perceber o tom de voz alterado da mãe, como se fosse desabar de vergonha ali mesmo. Ele sabia bem que Isobel era sempre muito aflita pelas regras da alta-sociedade, apegada aos bons modos, mas parecia não se importar. Passou pelos pensamentos de Cersei que o ducado é que seria a recompensa. Ele era o principal. Aqueles olhos… E então ele virou a cabeça, irritadiço, para a mãe e subiu a escadaria com o cenho franzido, resmungando algo sobre ter de encontrar uma casa bem afastada para Lady Ravenscar morar.

— Desculpe os modos de meu irmão — John foi falando enquanto tomava seu braço novamente, notando o ligeiro olhar intrigado de Cersei em direção ao topo da escadaria gigantesca por onde o duque havia acabado de desaparecer — Ou não — ele deu um sorrisinho.

Enquanto se deixava ser guiada, ela imaginou como deveria ser viver numa propriedade tão majestosa; era magnífica, embora melancólica, mas tão remetente à história do lugar que ela podia imaginar com uma clareza sobrenatural os alaúdes, cítolas e harpas tocando ao longe, durante a Idade Média. Se perguntou quantas entradas secretas cada parede, estante e armadura guardava, quantos caminhos empoeirados e inutilizados por séculos e séculos a construção escondia, e principalmente, pensou em como ela queria explorá-los, redescobrir.

Quando chegaram, John abriu uma das portas bem-polidas de madeira.

— Bem, é claro que eu poderia tê-la levado pelo caminho mais curto, pelas escadas de serviço modificadas para que vocês, senhoritas, cheguem até o Salão onde ficarão. Mas, bem, creio que as chances de um encontro inesperado com Jamie não seriam grandes — riu — Lembre-se: estou do lado de vocês.

— Me lembrarei.

— Não é como se tivesse alguma opção, realmente — o Senhor Castamere suspirou — Posso dizer que é uma questão de sobrevivência, minha cara. Vocês ou Kristine Vorhees.

— Kristine Vorhees? — Cersei ergueu as sobrancelhas, confusa — O que tem a senhora Vorhees?

O jovem lorde arregalou os olhos, surpreso pela pergunta da mulher, e então abaixou a cabeça e meneou, fugindo do assunto.

— Não é ninguém, senhorita. Perdoe minha indelicadeza — ele adentrou o cômodo e logo Cersei o fez também.

Era uma sala em formato circular, o teto de abóboda, as paredes de pedra cobertas por tapeçarias limpas e das cores vermelho, o brasão do leão estampado em dourado-vivo, tal como os detalhes. Haviam estantes de madeira embutidas na parede, uma lareira bastante confortável com duas poltronas e um sofá voltados para ela e uma pequenina mesa de centro nesse espaço, onde podia-se colocar o chá da tarde. As chamas da lareira brilhavam através do cômodo, sombras tremeluzentes sendo refletidas nas tapeçarias, dando o ar aconchegante e confortável que o resto do castelo não possuía. Da porta de onde entrara, se olhasse para os lados podia ver uma escada delicada de cada lado, ambas subindo, contornando o formato redondo da sala, e dando em duas portas diferentes. (N/A: SALÃO DA GRIFINÓRIA, YAAAY!) As escadas não subiam muito, no entanto, apenas o suficiente para ficar acima das estantes. No patamar de cima, havia uma grade que batia em seu peito e um pedaço de chão também, com largura o suficiente para caber uma poltrona e por volta de três seres humanos lado-a-lado, com outra estante embutida. Ali também era extremamente confortável e aconchegante, percebeu quando John a acompanhou pelas escadas, parando em frente às portas.

— Aqui vem um pequeno corredor com algumas portas. A outra porta é o mesmo. E cada um se trata do quarto de cada uma de vocês — ele pegou a chave do bolso e abriu — Não queríamos espalhá-las pelo castelo pois é muito fácil se perder. E segundo Lady Ravenscar, ficariam bem acomodadas juntas nessa ala.

Cersei balaçou a cabeça, ainda maravilhada com o lugar. John continuou.

— Segundo ela, um desses foi seu quarto quando menor. Antigamente, o Terceiro Duque de Cleybourne, ainda durante os tempos medievais, teve onze filhos legítimos com sua esposa, Elizabeth, e incrementou essa ala ao castelo para seus filhos. Ninguém dorme aqui a anos, mas ordenamos que os criados deixarem-na decente o suficiente para uma estadia. — ele colocou as mãos na cintura, analisando o ambiente — E acredito que o fizeram.

— Sim, certamente — concordou.

— Creio que tenhamos de nos despedir agora — ele tomou a mão de Cersei e beijou os nós dos dedos — Tenho de comparecer a um compromisso inadiável com uma banheira de água fervente. Algo nesta construção me deixa com calafrios e os pés gelados — sorriu — Boa noite, senhorita Bertinelli. Espero vê-la pelo palácio. Perdida de preferência.

Cersei acompanhou-o com um sorriso e curvou-se ligeiramente.

— Tenha uma boa noite, senhor Castamere.

John se despediu, deixando-a ali. Era a primeira das moças, o que significava que poderia escolher suas próprias acomodações. O corredor se estendia por alguns metros, portas de madeira incrustadas à parede de pedra. Abriu a primeira; havia uma saleta particular, com um sofá e poltrona, uma pequena mesa contendo biscoito quente, chá e leite, e um arco com tapeçaria vermelha e dourada pendendo. Caminhou até lá e espiou por dentro, constatando uma cama com dossel, guarda-roupa, prateleira. Parecia confortável. Andou até a próxima porta, encontrando o mesmo ambiente. Ao alcançar a última do corredor, acreditou se a mesma coisa até se deparar com a grande janela próxima a cama, uma pequena varanda na qual poderia se debruçar e se ver olhando para os jardins internos. Decidiu que ali seria seu aposento.

Viu a bandeja de biscoitos e chá em cima da cama, pois apesar da varanda, não havia uma saleta. Se sentou de joelhos cruzados e bebericou o chá e os biscoitos ainda quentes. Provavelmente havia uma porta para os criados, pensou. Como havia em sua casa, onde eles pudessem passar despercebidos. Tateou a parede em busca de alguma entrada, fenda ou elevação. Sabia que construções antigas guardavam diversas passagens nas paredes e armários. Estava desistindo quando um pedaço de parede bem no canto abriu-se quando pressionou. Cersei sorriu e colocou a cabeça dentro do corredor escuro e estreito.

Bem, não haveria lugar melhor para começar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da Cersei! :D Adorei ela, pessoalmente. E adorei o John nesse capítulo também; aaaaaaahhhhhh, eu fangirlo muito com os moços dessa história, iaushdasiuhdushd
Mas enfim, né? *u* Desculpem a demorinha, podem me apedrejar, mas essas últimas semanas tem sido um monstro de sete cabeças.
Até mais! Vejo vocês próximo capítulo =D