Your Selection - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 42
Príncipe Willian


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Capítulo 40

Príncipe Willian

“Há dores secas, como há cóleras mudas” – Machado de Assis

Bastille – No One Is Here To Sleep

As paredes eram negras, o piso manchado exibia vestígios dos anos esquecidos. Uma prateleira cheia de livros empoeirados era consumida pelas teias de aranha, que já desapareciam com os títulos nas lombardas. Colocou o cigarro entre os lábios e olhou para cima, o teto há muito levado pelo vento agora era apenas uma visão do céu azul. Agarrou uma das partes do concreto que havia despedaçado, no chão, e jogou-o contra uma parede, terminando de derrubá-la. A poeira ergueu-se, enquanto caminhava contornando as ruínas. O quarto abria-se para um berço arrumado, brinquedos de criança espalhados pelo chão, um troca-fraldas. Ergueu a mão, em posição de arma, os dois dedos maiores apontados para frente.

– Bang – sussurrou, e a parede soltou um chiado quase silencioso, até que terminasse de cair. O estrondo abriu caminho para o jardim de trás da casa abandonada. Wilian guardou sua arma imaginária no bolso e tirou o cigarro da boca, suspirando a fumaça também imaginária. Era assim que se livrava da sensação de estar faltando algo: fingindo estar fazendo algo. Ouviu um sussurro entre as árvores, virou-se, a arma novamente em punho. Girou sobre os tornozelos, pronto para estourar os miolos do primeiro javali, porco ou guaxinim que aparecesse, mas ao contrário, uma garota nua brotou dentre os ramos. Uma ninfa. Ela sorria, cabelos verdes esvoaçando pelas costas. Seus dentes eram também esverdeados, porém não a tornava feia, e sim ainda mais encantadora. Olhos negros como madeira queimada. Suas mãos esticaram-se para ele, tocando-o no ar, enquanto ela caminhava em sua direção. Aproximou-se dela, até que sentisse a ponta de seus dedos, frios e úmidos, nas bochechas. – Bang. – ela caiu de costas, agonizando, seu sangue cor de orvalho escorrendo pelas folhas.

Virou, dando atenção para a casa. Ergueu a mão novamente, segurando-a com a outra, para ter mais precisão com a arma. Willian nunca errava, mas gostava de ter certeza de não estar tremendo, algo que não fazia há muito tempo. Detrás de uma pilha de destroços, Thommas estava deitado, com sua filmadora ligada. Apontou na direção dele.

– Bang.

Thommas revirou os olhos, encerrando o filme. Não gostava de quando o irmão menor adotivo vinha importunar suas chacinas mentais. Thommas não conseguia ver tudo através daquela lente, não tanto quanto ele pensava. Ele queria ver o mundo, mas se fechava para o verdadeiro mundo. Jogou fora o cigarro imaginário, guardou a arma imaginária e assoprou a ponta dos cabelos para o lado. Os olhos azuis faiscantes procuravam por alguma coisa em movimento, algo para seguir, algo para se entreter. Com o canto do olho conseguiu capturar o vôo de uma borboleta. Virou nos tornozelos. Ela estava de asas bem abertas, batendo-as não tão rápido, proporcionando uma visão bonita de azul e preto. Quando pousou sobre uma árvore, fechou as asas. Ao contrário das mariposas, as borboletas pousam com as asas fechadas. Mas Willian achava que deveria ser o contrário, afinal as borboletas eram muito mais bonitas.

– Bang. – ela saiu voando, como que por instinto, perambulando entre galhos e flores. Willian saltou sobre os escombros da casa abandonada e seguiu-a, sem se preocupar se Thommas estaria filmando ou não. Apenas queria seguir a borboleta. Mais moças nuas e verdes saíram dentre a floresta, e matou todas. A voz saía tão baixa que quase não dizia, apenas imaginava os sons.

Willian queria ter poder de verdade para tornar tudo o que imaginava real. Talvez não fosse o melhor desejo para um autista, mas era isso o que sentia. Matar as coisas era o que fazia melhor, além é claro de tocar piano, pintar, cantar, dançar, memorizar e criar. A verdade era que nada fazia sentido, até que ele colocasse tudo em sua mente. Pois para Willian, as coisas lógicas eram banais, o sentido era entediante e a vida era monótona demais. Por isso matava. Por isso imaginava. Por isso gostava das coisas sem sentido. A borboleta o guiava por entre arbustos e árvores, avançando cada vez mais na floresta, sem inseguranças ou medo. Há anos Willian não sabia o que era medo. Pois quando tinha sua arma, nada poderia ser uma verdadeira ameaça. O medo vinha da falta de fé, da falta de conhecimento sobre algo. Você teme o que não conhece. Teme o que não é seguro. Então desde que ele esteja seguro de tudo, poderá não temer. Assim será forte, como um homem.

A borboleta era traidora. Levou-o em direção a casa, onde ele menos queria estar. Mordeu os lábios e gritou, um grunhido animalesco de irritação. Ergueu o punho e mirou sem muita paciência. – Bang. – ela morreu, asas caindo ao chão, separadas de seu corpo. Caminhou pela relva, pisou sobre a borboleta, amassou-a e despedaçou seus restos. Então, quando a olhou novamente, não estava mais lá. Era por isso que odiava voltar para casa. As coisas perdiam a falta do nexo. Não conseguia tornar real o seu mundo, perdia-se em um lugar escuro e cheio de normalidade. Willian perdia seu poder, e era seu poder que o mantinha.

O poder de pensar e de tornar real. A borboleta foi embora, e as moças nuas não estão mais mortas. Mas tudo bem. Ele voltaria para caçá-las outrora. Subiu as escadas da varanda, passou pela porta. Não queria encarar o rosto daquelas pessoas que se conformavam com a vida monótona que tomavam. Mamãe lia jornal no sofá, e não o notou. Coisa comum. Papai conversava ao telefone, e não o notou. Coisa comum. Thommas trancava-se no quarto, e não o notou. Coisa comum. Patrick treinava no jardim, e também não o notou. E isso lhe dava esperanças de sumir dali, e viver somente para si, em seu mundo secreto.

Sentou de frente para o cavalete, pegou o pincel e continuou a pintar, enquanto imaginava-se pintando um cemitério de corpos carbonizados, fumaça manchando o céu, Lua de sangue. Na tela, o Sol nascia em um esplêndido céu aquarelado de laranja, azul e amarelo. Pintou uma alma evaporando, e outra, logo abaixo. No quadro, surgiam gaivotas sobrevoando a praia.

– ... e este é meu neto mais talentoso. Willian, por favor, cumprimente as senhoritas Aireen e Aileen, netas do homem que está financiando nossas expedições por submarinos. – Willian não percebeu quando o avô paterno adentrou o quarto. Odiava quando vinham pedir que ele se cumprimentasse. Virou para as garotas. Uma alta, outra baixa. Morenas, olhos esverdeados, pele sul-americana. Elas sorriam. Porém, por trás dos olhos de Willian, a imagem se contorcia, formando dois belos anjos, de asas brancas abertas, penas longas e macias. Elas brilhavam, regozijando a divina pureza dos céus, glorificando a Deus.

– É um grande prazer, Vossa Graça. – curvou-se uma delas, enquanto a outra apenas abaixava a cabeça, corada. Willian continuou a contemplá-las. Os pés estavam descalços, vestiam-se de tecidos finos, que deixavam os corpos quase expostos. Mas não havia malícia em anjos, apenas beleza. Quanta beleza!

– Deixarei elas com você por enquanto, Will. – disse o avô paterno e então saiu. Willian sentou-se de frente para o cavalete, pegou o pincel e formou mais uma alma esvoaçando. Depois pincelou fracamente a imagem de anjos, que na tela surgiram de navios cortando os mares.

– Você pinta muito bem. – elogiou uma.

– Este Sol é tão alegre e intenso.

“É um edifício em ruínas.”.

– Essas gaivotas parecem felizes ao voar.

“São almas rogando por salvação”.

– Isto são veleiros? Amo veleiros!

– Não se chama veleiro, se chama navio. – corrigiu a outra.

“Malditas. São anjos descendo dos céus”.

– As ondas brilham.

“Corpos carbonizados. Corpos agonizantes. Corpos negros, cinzas.”.

Sentiu a mão deslizar por seu ombro, enquanto enrijecia o corpo. Os ombros doendo, os braços ganhando massa muscular visível. Endireitou as costas, as pernas prontas para saltar e colocar-se em fuga. Odiava contato. Odiava anjos. Odiava brilho. Odiava, odiava, odiava aquela pureza. A mão pesava sobre seu ombro, curvando suas costas de pecador. Imundo, impuro. Indigno de sentir o toque de um anjo. Pesava agora mais, como se fosse o próprio céu, caindo sobre seu corpo, esmagando-o contra a terra. Sufocando-o. A respiração ofegava, tentando manter-se em controle. Era impossível. Derrubou a cadeira enquanto se levantava, e a mão deixou de tocá-lo. Mas agora já era tarde.

– Bang.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham tentado decifrar o cérebro indecifrável do meu querido autista, Will.



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