Pequena Ameaça escrita por Pipe


Capítulo 6
Pequeno tormento


Notas iniciais do capítulo

Eu me empolguei tanto com o Mycroft nesse capítulo que acabou ficando grande demais. Deixei o final para o próximo. Mas o sétimo será, sim, o último.



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CAPÍTULO 06 – PEQUENO TORMENTO

Lestrade abriu os olhos e verificou. Seu companheiro de cama estava encolhido do outro lado. Colocando um travesseiro como barreira, ele se levantou e foi ao banheiro da suíte. Deixou a porta aberta para ouvir Sherlock acordando. Ele já estava voltando quando viu o sonolento bebê jogar a lontra no chão e passar por cima do travesseiro, tomando o cuidado de se virar de bruços e jogar as pernas pra fora da cama primeiro.

Em segurança no chão, esfregando os olhinhos, Sherlock pegou Benny pelo rabo e abriu a porta do quarto. Rindo, Greg foi atrás dele.

–Mike. Mike! MYCROFT!

O citado irmão apareceu na ponta da escada:

–O que você quer, tormento? Onde está Greg?

–Quem?

–A pessoa que dormiu com você. Bom dia, Lestrade. Posso saber o porquê de você estar sem a calça do pijama, Sherlock?

–'Tava pisando na barra, então tirei.

–Volte para o quarto e deixe Lestrade te arrumar, enquanto você acorda direito. Ninguém toma café comigo com o cabelo despenteado.

Sherlock se virou e ergueu a cabeça, com os olhinhos meio fechados:

–Greg?

Como Mycroft já tinha avisado Lestrade que possivelmente ele estaria confuso pela manhã, quando mais memórias antigas se sobrepusessem às novas, o inspetor se colocou sobre um joelho em frente a Sherlock. Ele ficou um minuto ainda estudando as feições do adulto até que sorriu:

–Lestrade! ‘Tô com fome e aquele tonto do meu irmão não quer me deixar comer sem me vestir e pentear o cabelo!! – Sherlock fez beicinho. Depois estendeu os braços. – Por favor?

–Oh, bem, bem, vamos ver o que é possível fazer para te deixar apresentável, Sher.

Alguns minutos depois, Mycroft saudou os dois na cozinha:

–Eis que meus hóspedes chegaram. Dormiram bem? Sherlock, você sabe andar. Pare de usar o inspetor como seu transporte diário. Fiz algumas panquecas, Greg, mas a torradeira fica ali no canto, se você preferir.

–Não quero panqueca.

–Sim, eu imaginei. Aqui estão alguns pãezinhos de canela. Já deixei o seu chá com leite na temperatura ideal, pequena encrenca.

–Pequena Ameaça. – Sherlock reclamou quando Greg o deixou na cadeira. – Hummm, ‘tá booomm... ahndogo ão di anela...

–E eu prefiro que você não fale com a boca cheia, mocinho. Suco, Greg?

–Você seria um pai muito chato, Mycroft. – Lestrade riu – mas é uma excelente mãe. Olha esse café da manhã, que maravilha!

O Holmes mais velho até enrubesceu um pouco de satisfação, mas disfarçou, abanando a mão em negação.

–Eu sempre fiz o café da manhã para nós dois, porque se dependesse da minha mãe fazer, era extremamente calórico e meu pai sempre deixava alguma coisa queimar.

–SIM! Papai deixa a cozinha com bastante fumaça!! - riu Sherlock, pegando outro pãozinho. - Cadê papai?

Lestrade e Mycroft se entreolharam, Mycroft pigarreou:

–Ele e a mamãe saíram cedo. Acho que eles foram na casa de algum tio. Hoje vamos ficar com o Lestrade.

–Ahn... tá! Eu gosto de ficar com o Greg.

Alívio nas feições adultas. Mas muita conversa de olhares e sobrancelhas erguidas.

–E Mycroft, ele continua febril.

–Pelo apetite, achei que a febre tinha passado. - Mycroft aproveitou que Sherlock bebeu todo o chá para passar o guardanapo na boca suja e pedir – Agora me dê um beijo e vá brincar.

Para descê-lo da cadeira, o irmão mais velho ainda encostou o rosto no pequeno, pra confirmar. Sacou o celular:

–Frederick! A febre não passa!

–Calma, Mike. Não passa mas também não sobe, não é? É efeito colateral. O organismo dele lutando com o vírus, que não ia evaporar assim, de repente.

–Não há nada que possamos fazer?

–Observar pra ver se ele não tem convulsões?

–FREDERICK! Mas que tipo de merda vocês injetaram no seu primo?

–Uma vacina feita com o seu sangue, Mycroft. Segundo nossos testes, ele foi excelente no extermínio do vírus.

–Por Deus, Fred. Vocês enlouqueceram? Eu sou um dos poucos da família a ter sangue RH negativo.

–A gente sabe. É por isso que vai dar certo. Nós modificamos a amostra para detectar não as hemácias do Sherlock, mas o DNA do vírus. Nosso M-Factor vai recortar e destruir o invasor, como uma criança que come o recheio do Oreo sem estragar a casquinha.

Mycroft desligou suspirando. Ele nem queria pensar se o melhor não era ter entregue para o Moriarty e depois resgatar Sherlock. Olhou para Lestrade.

–Vamos ficar de olho nele hoje e amanhã. A febre é efeito colateral da vacina que ele tomou. Vou colocar uma roupa mais confortável. O mundo livre pode esperar dois dias. Diabos levem esse meu irmão que só me arruma dor de cabeça... - e foi para o quarto resmungando.

Lestrade foi atrás de Sherlock, que tinha subido numa poltrona para olhar pela janela.

–Está chovendo! E eu estou com febre... ninguém vai deixar eu brincar lá fora...

–Vamos assistir alguma coisa.

–Não quero ver TV! Os programas pra crianças são tão estúpidos. Me deixam entediado!

“Não me diga...” - Mycroft tem alguns desenhos legais. E filmes. “A Espada Era a Lei”, “Robin Hood”, “Mogli”... que diabos é “O Caldeirão Mágico”?

Mycroft estava voltando para junto deles:

–Você nunca viu “O Caldeirão Mágico”? Céus, Lestrade, é o desenho mais sombrio da Disney.

–Por isso mesmo que eu gosto! - Sherlock subiu nas costas do sofá – Vamos assistir?

Mas lá pelo meio do desenho Sherlock desceu para se sentar no colo do irmão.

–Mycroft... minha barriga dói. - E escondeu o rosto no peito do mesmo.

Lestrade ligou para o John:

–Bom dia!! Está tudo bem em casa? E Mary? Não diga nada a ela, mas Sherlock não está bem. Aplicaram um remédio para matar o vírus, mas ele está tendo uma reação adversa, como criança depois da vacina. Tem algo que possamos fazer para amenizar esses efeitos?

–Eu poderia atirar em algum órgão não vital do Moriarty e ainda ficar pisando para vê-lo morrer bem dolorosamente. - John suspirou – Sherlock está reclamando de quê?

–No momento, de dor de barriga.

–Dor DE barriga ou dor NA barriga? Crianças nessa idade só sabem dizer que dói a barriga, pra tudo. O que podemos fazer é tentar amenizar o mal estar. Coloquem umas compressas geladas na testa dele e deem chá de camomila. E muito colo. Normalmente ele já é manhoso, imagine doente. O adulto ODEIA ficar doente e vulnerável, acho que isso está no inconsciente da criança. Por favor, me mantenha informado.

–Sim, obrigado por enquanto.

Lestrade passou as indicações para Mycroft, que foi providenciar. O chá de camomila com algumas gotas de Tylenol fez com que Sherlock dormisse novamente. Mycroft rosnou:

–Eu deveria ter atirado na cabeça do Moriarty. Errado, acertado algum órgão não vital mas doloroso, e tentado mais vezes, até deixá-lo como uma peneira. - Ao ouvir Lestrade abafando o riso, ele emendou – ODEIO que a minha rotina seja alterada, ainda mais dessa forma. Esse menino gemendo no sono...

–Sempre achei você um irmão protetor demais, Mycroft, mas vejo que eu não tinha noção do quanto. Você SEMPRE foi, não é mesmo?

–Sei que eu sempre tive sentimentos dúbios quanto a esse moleque. Eu o queria, porque os outros primos tinham irmãos, mas ao mesmo tempo não, porque ser filho único era não ter que dividir nada com ninguém. Então ele chegou e roubou tudo que eu tinha. Ele crescia mais e mais parecido com a nossa avó, com esse cabelo preto cacheado, o que me desgostava profundamente. Eu costumava puxar o cabelo dele ao pentear por causa disso. Mas ele sempre estava atrás de mim. E eu não conseguia ficar irritado com ele muito tempo. Até que os sete anos de diferença se impuseram entre nós. Eu fui para a faculdade e deixei ele sozinho. Deixei ele enfrentando os hormônios da pré-adolescência e os colegas do ensino médio, além daquele monte de primos nossos...

–Se você se culpa pelo fato dele ter se metido nas drogas, por favor, não siga por esse caminho. Sua prima Wilhelmina tinha pais e irmãos comprometidos e também se drogou na faculdade. Não foi por isso que você praticamente extraditou ela pro Japão?

–Ela se rebelou e foi trabalhar na equipe de Yoshihiro por livre e espontânea vontade. No começo houve algumas torcidas de nariz, mas hoje todo mundo se orgulha por ela ter ido sozinha para o Japão bater na porta do futuro marido, começando como ajudante de palco ou coisa parecida até se tornar letrista dele e depois esposa. Harayashi a desintoxicou e a mantém limpa até hoje.

–Sempre há uma força maior por trás de tudo.

–E se eu o deixasse desse tamanho e fizesse ele crescer de novo, do jeito certo?

–E se você não o deixasse crescer nunca, para que ele nunca tivesse que sofrer? - riu Lestrade, batendo de leve no outro ombro que não estava ferido. - Todos os dias, algum pai ou alguma mãe olha para o seu bebê feliz e despreocupado e tem esse mesmo pensamento. Mas não é assim que funciona. Há muita imprevisibilidade envolvida, Mycroft. Você não vai conseguir ser tão onisciente assim...

–William Sherlock, pode me dar um bom motivo para você ter tirado de novo suas calças?

–Xixi...

–Você fez xixi na calça?

–Não! Eu ainda vou...

Lestrade gargalhou e pegou o pequeno no colo, levando ao banheiro:

–Mas é muito ansioso desde pirralho, meu Deus! Não podia ter tirado a roupa quando chegasse ao banheiro?

Na volta, Mycroft já estava descascando uma maçã. Enquanto Greg vestia Sherlock, ele ia mastigando a tira da casca.

–Aposto que foi você quem acostumou ele mal em comer a maçã assim.

–Foi. – Mycroft riu. – Foi meio de maldade com meu pai, que não conseguia sempre fazer isso, mas eu adorava me exibir para o Sherlock. O que você quer almoçar, pequena ameaça?

–Batata frita!!

–Dois votos. – Lestrade ergueu a mão.

–Peixe e fritas então, mas à minha moda.

O almoço foi peixe, assado com molho de hortelã, batatas fritas e arroz com passas e legumes. Sherlock comeu até bem e os dois homens suspiraram de alívio porque a febre tinha cedido.

Ia ser uma tarde tranquila. Lestrade e Sherlock estavam brincando com modelos de controle remoto de novo, mas agora com helicópteros. O do garoto ficou preso no alto da estante. Hiperativo como ele era, nem esperou Gregory chegar, já foi subindo nas prateleiras para tirar. Nenhum dos adultos gritou, para que ele não assustasse e caísse, mas chegaram mais perto para tentar evitar a queda. Ainda bem, porque ao puxar o brinquedo, um bibelô caiu antes, acertando o rosto de Sherlock, que se assustou e soltou o apoio. Mycroft segurou o gato de jade, Lestrade o pequeno Holmes, que chorava por causa do corte na boca.

–Shh, shh, vamos dar um jeito nisso...

Enquanto Mycroft segurava um pedaço de gelo no corte para o lábio desinchar, John ligou.

–Mas claro que sim. O timing do Capitão Watson é perfeito!

–Vocês não me ligaram mais, fiquei preocupado. Sherlock está bem?

–A febre passou. Obrigado pelas dicas, John. E Mary?

–Está bem melhor. Mas estou ouvindo o bebê chorar. O que ele tem?

–Ele bateu com um enfeite na boca. Sherlock é muito hiperativo, John.

–E eu não sei? O que foi, Mary? Nada, ele estava brincando, machucou a boca. Não há motivo para se preocupar, mulher. Lestrade, ela quer que eu abra o Skype para vê-lo.

Mycroft rolou os olhos e suspirou. Sherlock não queria conversar pelo Skype, não queria olhar para a câmera, ele só queria que a boca desinchasse e todo mundo parasse de falar. Saiu correndo e foi se esconder. Mary e Mycroft se estranharam:

–Quando estava comigo, ele não se machucou desse jeito.

–Não é o que afirma aquela arranhada de gato no braço dele. Além claro do tombo que ele levou nas barras do parque.

–Mycroft, pega leve... – Lestrade tentou acalmar de um lado...

–Mary, não é para você se estressar. Mycroft sempre cuidou do Sherlock, desde criança e, além disso, ele é hiperativo... – John tentou do outro.

Eles ficaram se encarando até que Mycroft bufou:

–Não faz o mínimo sentido tudo isso. Não é um caso de guarda compartilhada, eu não sou o ex-marido que não sabe cuidar de uma criança. É meu irmão, ele sempre se machucou quando criança porque ele é impulsivo e quando ele quer fazer algo, ele vai lá e faz. Amanhã vamos levá-lo para voltar ao tamanho adulto. John e Mary, vocês são bem vindos para passar a noite aqui conosco. Mandarei um carro buscá-los se quiserem. Mas não permitirei que vocês achem que sabem cuidar dele melhor que eu, que sempre estive aqui. Com licença, vou, como sempre, encontrá-lo e resolver a birra dele.

John e Lestrade ficaram em silêncio até que Mary suspirou:

–Devem ser meus hormônios jogando contra. Eu realmente exagerei na reação ao ver o Sherlock machucado. Lestrade, vamos nos arrumar. Pede para o Mycroft mandar o carro sim, por favor.

Mycroft abriu o armário debaixo da escada:

–Venha. Precisamos ainda fazer esse lábio desinchar para você ficar apresentável para a Mary.

–Vocês vão parar de gritar um com o outro? - perguntou uma voz tristinha de dentro do armário.

–Não estávamos gritando, apenas... não estávamos concordando um com outro. Mas já paramos. Venha. Precisamos preparar o chá para as visitas.

Sherlock saiu do meio dos casacos e parou na porta do armário. Estendeu os bracinhos. Mas quando Mycroft se abaixou ele lembrou:

–Seu ombro não está dodói?

O irmão mais velho se assustou. Depois sorriu:

–Está melhor. Mas você sempre pode deitar do outro lado.

Sherlock sacudiu a cabeça. Indo um pouco mais para fora ele gritou:

–GREG! GREG!

Lestrade veio correndo. Sherlock estendeu os braços para ele então e fez beicinho.

–Mike tá dodói e não pode me pegar no colo. Por favor?

O inspetor sorriu e piscou para o citado Holmes. Que ergueu as mãos e se desculpou:

–Vocês acostumaram ele mal. Eu vou providenciar um chá decente para os convidados. Por favor, Lestrade, continue com o gelo no lábio machucado.

Mas quando os Watsons chegaram, Sherlock estava correndo pela casa novamente. Ele veio quando ouviu a voz de John chamando:

–SHERLOCK! Chegamos!

–Estou indo!! - e assim que viu Watson, jogou o cavalo de pau em que estava “montado” e pulou nos braços dele.

John o ergueu e suas risadas se misturaram. Ele o beijou e segurou-o para Mary também beijar a bochecha corada. Mycroft saiu da cozinha:

–Bem vindos. Chegaram na hora. Precisamos alimentar o pequeno tormento.

–Pequena Ameaça. Eu sou o Capitão Pequena Ameaça, aquele que destrói os seus móveis e acaba com seu sossego! - riu Sherlock enquanto John se sentava na cadeira com ele.

–Acredito nisso. O que você quer comer? A boquinha ainda dói?

–Mycroft, não tem mais pão de canela?

–Tem cheesecake de morango, que é tão macio quanto.

Lestrade se recostou na cadeira, assistindo. John e Mary faziam o papel de pais dedicados, como seguramente seriam para sua própria filha, enquanto Mycroft se retraía, em seu disfarce de irmão sem coração, mas claramente enciumado. Sherlock era ele mesmo, adorando ser paparicado.

Depois do lanche, John foi rolar com Sherlock e brincaram muito. Na hora do jantar a mesma coisa. Mary lhe dava pequenos bocados do seu próprio prato, enquanto ele brincava perto dela. Cantaram trechos de músicas infantis. A família perfeita.

Enquanto todos assistiam à TV, mais tarde, Mycroft se retirou para a biblioteca. Depois de trabalhar um pouco, ele pegou um livro, para focar os pensamentos. Foi quando Lestrade abriu a porta para Sherlock passar. Mycroft ouviu quando todos se despediram dele.

–O que foi, tormento?

–Você não vai trabalhar amanhã, vai?

–Não, não vou, Sherlock.

–Então hoje eu posso dormir com você?

–Achei que você ia querer dormir com John. Ou de novo com o Greg.

–Eu quero dormir com você. Benny também quer. - Ele mostrou a lontra de pelúcia.

Mycroft suspirou.

–Oh, céus, está bem. Já escovou os dentes?

–Sim! E John colocou a fralda junto com o pijama.

–Vou ler enquanto o meu sono não chega. Quer que eu leia algo pra você dormir?

–Pode ler o Gigante Egoísta de novo? (¹)

–Claro! Venha, meu ombro machucado é o esquerdo.

Sherlock nunca dormia antes do final. Mas bocejou e se ajeitou, fechando os olhos tão logo Mycroft terminou a história. O Holmes mais velho se sentiu revigorado e focado depois disso e continuou trabalhando mais um pouco de madrugada.

N/A: (¹) O Gigante Egoísta, Oscar Wilde.


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