Pequena Ameaça escrita por Pipe


Capítulo 3
Essa coisa fofa com chocolate




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CAPÍTULO 03 – A COISA FOFA COM CHOCOLATE...

No dia seguinte, John acordou e ficou um tempo só olhando para o teto, esperando algum som estranho. A casa continuava silenciosa.

Ele não é um bebê que acorda cedo”.

Watson foi ao banheiro, deu uma checada no quarto, Sherlock praticamente continuava na mesma posição que ele o deixou. Desceu para fazer o café, na volta, ouviu alguém bocejando. Abriu a porta por completo. O menino se sentou, jogou as cobertas, se espreguiçou lentamente, depois atirou a lontra no chão e pulou do berço.

–Eu ia te tirar da cama, sabia?

–Me lembrei que eu sempre gostei de escalar móveis. Agora que eu estou desperto, protesto veementemente contra esse pijaminha de ursinho. Você não tirou nenhuma foto comprometedora, tirou?

–Não... ainda...

–Oh, céus. Como se já não bastassem as fotos da minha mãe da minha primeira infância... Me ajude a tirar isso!!

–Pronto, sua excelência, está melhor agora? Vamos tomar café. Quer sucrilhos hoje?

Sherlock ficou na ponta dos pés, tentando ver em cima da pia:

–Não tem de chocolate, ne? Vocês levaram a sério o aviso do Mycroft... É caramelo? ECA! É enjoativo...

–Não. É canela. Mas tem este de castanha e mel.

–Prefiro. Você vai cortar morangos?

–Hey, eu também mereço um café da manhã especial?

–Claro, senhora Watson. Pode se sentar que os servirei.

Sherlock se ajoelhou na cadeira e ficou esperando. A tigelinha com leite, sucrilhos, mirtilo e morangos foi devorada com voracidade. Mary e John tentavam disfarçar, mas estavam radiantes com o apetite do pequeno.

–Hoje nós vamos aproveitar o sol e andar no parque. Eu preciso e você também!

–Aaah, Mary... Suas vizinhas vão me encher o saco, nem precisa ser eu pra deduzir isso...

–Deixe de ser rabugento, Sherlock. Vamos escovar os dentes e pentear esse cabelo...

–Sobre o meu cabelo...

–Eu não vou puxar, prometo.

John ficou olhando para os dois até virarem a esquina, Sherlock rindo de alguma coisa que Mary disse, um perfeito exemplo de mãe grávida andando com o filho mais velho. Se não fossem os espiões de Mycroft vigiando o caminho... Sacudindo a cabeça, tomou seu caminho para o trabalho. Com sorte, seria mais um dia calmo.

Sherlock olhou para as crianças na caixa de areia com desânimo.

–Precisamos mesmo fazer isso?

–O balanço e o escorregador estão vazios. E você pode fazer um pouco de exercício no castelo de barras. - Mary respondeu, tirando o casaco dele – Não precisa ser sociável ao extremo, só tente não arrumar briga.

O primeiro movimento foi evitar todo mundo, subindo numa “casa na árvore” - na verdade, uma casa em cima de alguns troncos serrados, não muito alta. Dali, ele avaliou quantos guarda-costas Mycroft tinha posto à sua volta. Depois ficou pesando suas opções. Brincar na caixa de areia estava fora totalmente, porque iam jogar areia nos seus cachos e ele não tinha trazido baldinho. O escorregador não era muito alto, então não ia dar emoção nenhuma... O balanço até era atrativo, mas aquele garoto na gangorra só estava esperando ele fazer um movimento para ir em cima. Encrenqueiros idiotas! Começam cedo, às vezes. Quantos anos devia ter aquele? Oito? Nove?

Sherlock olhou para Mary, que fez um movimento com a cabeça de “vamos lá, brinque um pouco!” Ele suspirou e foi para as barras. Como previsto, o encrenqueiro saiu da gangorra e veio, como quem não quer nada, falar com ele.

–Esse parque é meu! Você não pode chegar e ir brincando assim. Tem que me pagar pra usar os brinquedos.

Sherlock deitou nas barras e soltou um:

–Sei.

–É sério! Se você não me der um dos seus brinquedos ou um pedaço do seu lanche, vai se danar na minha mão.

–O que você pretende fazer?

–Posso machucar muito a sua mãe. Posso fazer ela chorar. Você não quer ver a sua mãe chorando, ne?

Sherlock olhou para o garoto: possivelmente uma vítima de abuso doméstico. Repetindo a fala cotidiana do indivíduo violento. Depois olhou para Mary, assassina profissional, sendo ameaçada por um pirralho de oito anos. E começou a rir. Riu alto e gostoso, irritando o outro. Que fechou os punhos e ameaçou:

–Duvida? Pois eu vou lá bater nela!!

O pequeno Holmes nem pensou duas vezes. Se pendurou na barra da frente e abraçou o garoto com as pernas. A ideia era virar com ele na barra, mas Sherlock calculou mal sua própria força. Ao tentar erguer o menino, seus braços doeram com o esforço e eles cairam no chão.

Mary, sempre atenta, veio correndo primeiro.

–Ai, meu Deus. O que houve? Vocês se machucaram? - E tirou Sherlock de cima do menino. Olhou ao redor. Outras mães se aproximavam para ver o que tinha acontecido. - Sher – sussurrou ela – chore!!

Sherlock gemeu, atordoado pela surpresa do giro não ter dado certo e pela queda. Até pensou em perguntar porque ele ia chorar, mas pela urgência na voz dela, achou melhor fingir primeiro e perguntar depois. E abriu um berreiro digno do Oscar.

–Ó querido – ela abraçou-o, consolando falsamente – não chore. Está com dor? E você, onde está sua mãe?

O outro garoto estava assustado, ninguém nunca tinha reagido ao bullying. Pior, ninguém sorria por cima do ombro como aquele garoto. Ele podia ser igual ao do filme de terror que seu irmão gostava, aquele do menino que era o demônio. (¹) E sacudindo a cabeça, saiu correndo, coxeando um pouco.

Mary levou Sherlock de volta ao banco, as mães comentando sobre não deixar crianças grandes brincarem com as menores porque sempre alguém se machuca, apareceram lenços para enxugar as lágrimas do pequeno e... biscoitos de chocolate. Uma enorme variedade, desde cookies feitos em casa até Oreo. Mary gemeu, até pensou em inventar uma alergia, mas Sherlock já tinha comido dois Oreos e estava avançando num cookie caseiro.

–Obrigada, gente, mas eu vou levá-lo pra casa. Acho que chega de exercício por hoje. Agora você pode me explicar que maluquice foi aquela?

Enquanto eles caminhavam, Sherlock foi contando. Mary balançando a cabeça em acordo quanto à possibilidade do menino sofrer algum tipo de abuso em casa e já pensando em como ajudar, se eles não tinham provas, apenas a dedução de um garotinho de três anos... e riu muito ao ouvir a ameaça à vida dela.

–Então você foi meu cavaleiro de calça jeans e camiseta do Gênio do Aladim?

–Oh, Deus... não é que eu fui mesmo? “Confie em mim: sou um gênio!” mais uma roupa tosca na conta do Mycroft. Meu irmão tem um senso de humor deplorável.

Assim que chegaram em casa, enquanto Mary destrancava a porta e abria, Sherlock ouviu um som estranho no jardim e foi verificar. Um filhote de passarinho havia caído do ninho. Ele olhou para o galho e achou fácil de escalar. Virando a jaqueta, colocou o filhote no capuz e começou a subir na árvore. Mary estranhou que ele não veio atrás dela e quando voltou à porta ele já estava quase no topo da árvore. Ela colocou as duas mãos na boca.

O seu vizinho de porta, Isaac, estava passando e acompanhou seu olhar.

–Não se preocupe, senhora Watson. Eu seguro ele enquanto a senhora chama os bombeiros. - E subiu na árvore atrás de Sherlock.

–Oi, parceiro.

–Olá. Isaac, não é mesmo?

–Isso.

–Eu trouxe o passarinho de volta pro ninho. Não posso imaginar como ele caiu até lá embaixo e não se machucou.

–Deve ser porque ele é levinho e foi meio que flutuando. O que não vai acontecer com você, se você cair. Nós vamos ficar aqui e esperar os bombeiros, sabe?

–Oh! É mesmo, não pensei em como descer... Subir é bem mais fácil...

–Já fiz muito disso, mas eu era um pouco maior que você. Você muito esperto!!

–Nem tanto, porque você subiu pra me segurar e temos que esperar os bombeiros. - Sherlock deu de ombros.

Os bombeiros chegaram rapidamente, usaram o cesto pra tirar Sherlock e Isaac do galho e entregaram à Mary:

–Geralmente acontece com um gatinho...

–Contra minha vontade deram chocolate para esse menino e agora ele está mais hiperativo que o normal. Isaac, pode me arrumar uma caixa de papelão grande? Vou ver se o distraio no quintal. Muito obrigada, tenente. Desculpem o transtorno...

–Estou me sentindo muito estúpido. Já calculei errado o peso daquele garoto e agora nem me lembrei que eu não tenho o corpo adulto, de pernas compridas.

–Crianças fazem isso mesmo. Agora, enquanto eu faço o almoço, brinque no quintal. - Mary fez um chapéu de jornal – Eis seu chapéu, está aqui sua espada, daqui a pouco eu vou lá, Capitão Sherlock.

Sherlock ficou olhando para ela com cara de “sério mesmo?” Depois deu de ombros, ergueu a espada e correu para o quintal gritando “Io-ho-ho, e uma garrafa de rum!” E até John chegar, ela ficou assistindo Sherlock brincar de Moby Dick e Ilha do Tesouro. Quando ele entrou e chamou, Mary gritou:

–Estamos nos fundos! - mas como ele continuou chamando, ela se levantou e foi buscá-lo.

Enquanto isso, Sherlock estava encontrando a caixa de tesouros escondida por detrás dos arbustos ao mesmo tempo que o gato da vizinha ia na mesma direção, disposto a usar o mesmo espaço como banheiro.

John saiu com Mary para o quintal, ao mesmo tempo que Sherlock erguia a caixa feliz, pulando de dentro dos arbustos e gritando “ACHEI! OLHA, MA...” e o gato, assustado com a surpresa e eventual pisão na pata, lhe dava uma bela arranhada no braço antes de sair correndo.

Dessa vez, o choro era real. Havia toda uma carga de frustração e raiva nele. John ficou segurando a cabeça do menino abraçado ao peito, enquanto Mary limpava e tratava do arranhão. Ela que lhe deu pequenos bocados de comida do próprio prato, enquanto Sherlock ainda permanecia no colo do Watson, suspirando e fungando, eventualmente.

John preparou uma dose de analgésico infantil e Sherlock foi posto para descansar no colchonete da sala.

–Foi uma manhã bem cheia. Mas a culpa não foi do chocolate.

–Nem tudo. Estou cansada, mas é um bom treino como mãe. Pelo menos não desmaiei ao vê-lo em cima daquela árvore...

–Essa é minha garota. - Ele beijou-lhe a testa. - Descanse junto com ele. Provavelmente ele vai dormir a tarde toda.

–Oh, não! Crianças que dormem à tarde não dormem à noite!! Daqui a pouco eu o porei de pé de novo. Agora que eu sei que ele gosta de brincar de teatrinho, não vou dar sossego para aquela cabecinha...

–Boa sorte, então. Você está se divertindo, pelo visto.

–Sim, nunca pensei que eu ia gostar tanto de cuidar de um garoto, ainda mais do Sherlock. Você precisa passar um dia conosco.

–No final de semana, se eles ainda não encontrarem a cura para o vírus. Afinal, não podemos nos esquecer que ele está doente...

–Ele passou muito estresse hoje, será que...

Mas o termômetro não acusou febre alguma. Mary prometeu ligar caso acontecesse alguma coisa diferente, mas o telefone da clínica não tocou. Quando Watson voltou à noite, eles estavam cantando.

–Ele não teve febre, então?

–Não, mas... de alguma forma, ele regrediu um pouco mais à infância...

John pegou Sherlock no colo e encarou os olhos azuis. Pareciam mesmo mais inocentes. Ligou para o Holmes mais velho:

–Mycroft, seus primos não acharam a cura para o vírus ainda?

–Eles são gênios, mas só se passaram dois dias!! Por que? Ele piorou?

–Não. Mas você não se preocupa se o processo de rejuvenescimento não for irreversível? Ou se deixar sequelas?

–Meu caro John, não. Meu irmão nasceu superdotado, e eu fui responsável por uma boa parte do seu treinamento cerebral. Então, não se preocupe. Se ele precisar crescer de novo, daremos um jeito.

“É horrível, da mesma forma.” -Oh, entendo.

–Ele está mais infantil, não é? Aproveite. Ele era um garotinho amoroso nessa fase.

John olhou para o sofá, Sherlock estava com a cabeça nas pernas de Mary, lendo um gibi enquanto ela acariciava seus cabelos e segurou a irritação com Mycroft. Pigarreou.

–É. Ele é mesmo. Bem, então, desculpe te incomodar. Boa noite.

–Não é incomodo algum. Vocês estão cuidando muito bem dele. Só tomem cuidado com o chocolate. Sua esposa não aguenta dois dias seguidos segurando esse rojão. Boa noite.

–Por que diabos eu insisto em ligar para ele?

–Porque você se importa. - Mary sorriu.


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Notas finais do capítulo

N/A: (¹) Sim, Damon, de A Profecia.



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