– Eu não entendo como um lugar tão bonito fica vazio desse jeito. – Morty comenta, olhando em volta.

– Pois é. Com o Pokéathlon, as pessoas pararam de dar a atenção devida ao jardim. Era muito mais bonito quando crianças e Pokémon brincavam aqui o dia todo. Agora não tem mais o brilho que tinha antes.

– Entendo...

Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas apreciando o som das águas e a calma brisa. Uma ideia louca surge em minha mente, quebrando o clima de conforto no qual eu me encontrava.

– Morty!

– Sim?

– O que acha de uma batalha? Uma amigável, só pra passar o tempo.

– Você tem certeza disso, rosada? Como sabe eu sou especialista em tipos fantasmas, e você curte tipos normais, então pode ser meio difícil para você.

– Não me subestime, loirinho! Sou mais forte do que pensa!

Ele parece se surpreender com o apelido usado por mim, mas levanta-se do suporte do chafariz, retirando uma Pokébola do bolso.

– Então, que seja!

– Legal! – Levanto-me também, animada, retirando a Pokébola que guardava minha Miltank do bolso. – Será uma batalha um a um, ok?

– Ok. Mas eu vou avisando: Não vou pegar leve só porque é você.

Mantemos uma distância suficiente um do outro em uma área coberta de grama. Chamo a Miltank para fora da Pokébola, fazendo um carinho nela antes de coloca-la no campo. Vejo-o lançar uma Pokébola também, fazendo um Gengar com um olhar mais assustador que o normal sair da mesma.

– Olha só. Pelo que parece iremos os dois usar os mais fortes de nossas equipes. – Ouço-o dizer, enquanto o Gengar ri maleficamente. – Pode dar o primeiro ataque, rosada.

– Miltank, use Rolamento! – Comando ao meu Pokémon, que rapidamente rola em direção ao Gengar repetidas vezes. O alvo desvia dos dois primeiros rolamentos, mas é atingido pelos três que seguiram, dando um dano considerável.

– Hm. Nada mal. – O loiro sorri, dando uma última lambida em seu sorvete. – Agora é minha vez. Gengar, Hipnose!

Uma onda psíquica poderosa sai dos olhos do Pokémon fantasma, desmaiando minha Miltank quando o atinge. Fico surpresa e indignada. Nunca gostei desse movimento, sempre me fez perder várias batalhas.

– Siga com Esfera das Sombras.

Gengar canaliza forças sombrias com as mãos, e lança em direção de meu Pokémon em sono. E de novo. E de novo. Uma raiva misturada com tristeza começa a tomar conta de mim. Isso é apelação!

– Finalize com Sombra Noturna!

Gengar pisa no chão com força, invocando uma sombra que segue um caminho reto até encontrar com meu Miltank desmaiado, nocauteando-o de vez. O loiro ri baixo, enquanto Gengar ri em deboche, retornando para sua Pokébola.

– Eu avisei que não seria fácil me derrotar, rosada. É burrice lutar contra fantasmas com um tipo normal. Pelo que eu pude ver, Rolamento é o único ataque de um tipo distinto que sua Miltank tem e...

– SEU MALVADO!! – Um grito de autopiedade sai de meus lábios. Minhas pernas fraquejam, me fazendo cair de joelhos na grama. Eu nunca gostei de perder, os treinadores do meu ginásio sabem disso mais do que ninguém. Algumas lágrimas se formam em meus olhos, escorrendo por minhas bochechas. – Não vale! Você apelou!

Uma expressão de dúvida residia no loiro. Abaixo a cabeça, evitando contato com ele. Ouço-o dar uma risada, que me faz ficar com ainda mais raiva dele. Fecho os olhos e cerro minhas mãos em um punho sobre minhas coxas, tentando conter minha vontade de gritar.

– Você acha engraçado, não é? Você não passa de... – Sinto um par de braços reconfortantes me envolverem em um abraço súbito. Um cheiro delicioso toma conta de minhas narinas, algo parecido com morangos silvestres. Abro meus olhos, vendo Morty ajoelhado á minha frente, abraçando-me de modo caloroso. Uma de suas mãos repousada em minha nuca e a outra quase em minha cintura. Fico sem ar por alguns segundos, os olhos arregalados desnorteados. – De... De um...

– Me desculpe por ter sido malvado com você, rosada. Juro que da próxima vez pego mais leve, ok? – Fala em meu ouvido. Sinto-me arrepiar por inteiro. Isso... Não é normal. Eu sempre fui durona em relação a garotos, com exceção do Falkner, que tentassem criar mais contato físico comigo do que eu permitia. E aqui estava eu, dentro dos braços do loiro de Ecruteak, que há pouco eu estava querendo esganar. Á essa altura, já estava me sentindo como se estivesse louca.

– Eu... – Engulo em seco. – Desculpa por ser tão infantil...

– Não se desculpe. Eu fui muito grosseiro com uma dama como você. – Meu coração dispara. Envolvo-o com meus braços, respondendo ao abraço, segurando o tecido de sua camisa com força, como se ele fosse minha fonte de vitalidade. – Você tinha algum Ás na Manga para caso Gengar não usasse a Hipnose?

–... Minha Miltank tem a habilidade especial que faz com que ataques de tipo normal e lutador atinjam tipos fantasmas como qualquer outro tipo. – Respondo, enquanto enxugo as lágrimas com a mão direita. Morty desfaz o nosso abraço. Parecia surpreso.

– Você é mais esperta do que parece, rosada.

– Está insinuando que eu pareço estúpida? – Limpo a última lágrima que restava em meus olhos, sorrindo de canto. O loiro ri.

– Eu não insinuaria algo como isso. Conheço-te o suficiente para saber que é esperta, gente boa, alegre... E muito fofa.

Meu coração batia em uma frequência frenética. Não sabia ao certo como reagir, então simplesmente dou uma risadinha baixa e desvio o olhar, tentando disfarçar meu rosto corado. Arrumo uma mecha de cabelo atrás da orelha, começando a sentir minhas pernas fracas tremerem e começarem a ficar dormentes devido ao peso que havia colocado nelas estando sentada por cima das mesmas por um tempo maior do que eu deveria. Na visão periférica, eu conseguia ver o loiro me fitando com uma expressão que eu nunca havia visto. De fato, há anos nunca vi alguém olhar-me de tal modo. Seus olhos pareciam passear por mim, como se vissem algo lindo e muito desejado. Minha respiração acelera subitamente. Sinto sua mão sobre a minha. Era quente e macia, seu toque era diferente de qualquer um que eu já havia sentido.

O que é isso? O que é esse sentimento? É como se... Não, essa opção é inviável. Não posso estar apaixonada por um rapaz que conheci ontem.

Olho-o nos olhos. Seu infinito violeta se encontra com meu infinito róseo. Ele pega minhas duas mãos com as suas, segurando-as com afinco, entrelaçando nossos dedos. Sinto-me incendiar.

– Rosada... – Diz com seriedade, rindo baixo em seguida, como se debochasse de si mesmo. - Como alguém que eu conheci há menos de vinte e quatro horas pode ser tão importante para mim?

– Eu... Bem... – Engulo em seco novamente. – Você também é muito importante pra mim.

Apesar das palavras escaparem de meus lábios quase que involuntariamente, não deixam de ser verdade. Tenho um apreço muito grande pelo loiro. Seus olhos brilhavam com o sol de início de tarde, deixando-me ainda mais entretida com seu olhar. Sinto-o desfazer o seu toque em uma de minhas mãos e acariciar meus cabelos com a mão livre,passeando-a também por minha nuca, me dando arrepios e um estranho calor. É um clima, no mínimo, bizarro. Eu gostaria de desviar de seu olhar, mas eu não consigo. É como uma... Hipnose!

Nossos rostos já estavam bem próximos devido ao recente abraço, mas pude notar que estava aproximando ainda mais, de modo que nossas testas quase se tocavam. Dou um pequeno salto para trás, em reflexo. O loiro parecia surpreso e meio desapontado.

– E-eu... - Limpo a garganta. – Err... Hm... Está ficando tarde, acho que deveríamos ir para o centro do parque!

Tento o meu máximo para disfarçar. Morty suspira, olhando-me nos olhos novamente. Levanto-me do chão, oferecendo-lhe a mão para que ele faça o mesmo, e assim o fez. Ele segura minha mão com uma força maior do que o necessário, como se quisesse preservar o toque, mas consigo soltar-me. Um silêncio tenebroso prevalece entre nós, enquanto caminhamos lado a lado até a saída do jardim. Não consigo parar de pensar no que eu fiz e em como eu fui idiota. Muitas garotas invejariam a oportunidade que tive, mas...

Eu simplesmente não consigo aceitar estar apaixonada por alguém que conheci há menos de vinte e quatro horas. É coisa de minha mente. Não deve ser nada, no máximo uma atração. Ou talvez Jasmine esteja certa e eu realmente seja desesperada...

– Dê isso á sua Miltank. – Ouço-o dizer com uma voz um tanto quanto triste ao meu lado, sem sequer olhar em minha direção. Entrega-me uma Sitrus Berry, conhecida por ser medicinal no tratamento de Pokémon.

–... Obrigada. – Agradeço. Ele apenas murmura. Chamo a Miltank para fora da Pokébola novamente, entregando a Berry para a mesma. Ela devora-a vorazmente, sorrindo saltitante em seguida. Sorrio de volta e chamo-a para dentro da Pokébola novamente. – O que vamos fazer agora?

Ele dá de ombros, como se não se importasse.

– Hm. Já que não tem sugestões, vamos ao parque de diversões! – Sugiro, segurando-o pelo braço com um sorriso no rosto, tentando anima-lo.

– Eu não gosto de parques de diversões. – Responde cabisbaixo, seus olhos lilases tristes e semicerrados fitando as folhas dos carvalhos que voavam baixo com a brisa, sem estampar uma sequer expressão. Meu sorriso desaparece. Solto seu braço, cruzando os meus atrás das costas.

– Alguma razão para isso?

O loiro fecha os olhos e suspira.

– Não gosto de altura.

Uma mistura de compaixão e deboche surge dentro de mim. Uma parte de mim sentia pena dele, afinal, todo mundo tem seus medos e ninguém é perfeito. Entretanto, a outra parte sentia uma enorme vontade de jogar em sua cara que o rapaz narcisista que tanto se dizia perfeitinho tinha um medo tão simples.