Lealdade, Honra, e um Coração Disposto escrita por Dagny Fischer


Capítulo 37
Capítulo 37 – Muitas Despedidas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/587266/chapter/37

Levou um bom tempo para queimar os cadáveres dos wargs e dos orcs, e para providenciar funerais adequados para todos os caídos, e antes de mais nada havia o remendar e curar os feridos. O curandeiro da sanguessuga da Cidade do Lago mostrou-se um costureiro rápido e aplicado, e trabalhou junto com Óin levando alívio a muitos anões e homens. Lily estava muito arrebatada pela dor para ajudar, e passava o tempo com olhos vidrados ao lado do corpo de Thorin, incapaz de comer ou beber.

Ela mal respirava.

Iris também estava despedaçada, mal deixando o lado de Lily, visto que junto com Thorin estava o corpo de Fíli, seu querido Irmãozinho. Depois do insight de Ellen sobre como lidar com os assuntos da realeza, Kíli também entrou num estado de espírito obscuro, porque tudo que havia dado sentido à sua vida até então jazia sobre a pedra fria.

Ellen e Wolfram sentaram-se juntos, pois apesar da tristeza da hora tinham que elucidar alguns pontos antes que ele voltasse para o mundo dele. Dele, não mais dela.

“O que é aquela coisa Klingon? O que você descobriu, Wolf?”

“Ellen, esse Portal foi descoberto por um homem do nosso mundo na década de 1960. Se você encontrar seu túmulo verdadeiro, pode vir a encontrar seus escritos numa língua mais comum do que o Klingon. Ele fez as inscrições na pedra perto do Lago Espelho apenas para deixar instruções sobre como usar o Portal.”

“Mas por que em Klingon?”

“Sendo um cara da NerdNet, ou o que quer que nosso grupo se chamasse naquela época, ele queria se certificar de que nenhuma criatura daqui fosse encontrar com facilidade o caminho para chegar . Você pode imaginar que nosso mundo não saberia como lidar com orcs ou dragões, ou forças ainda mais obscuras. É isso que a NerdNet faz, mantemos os Portais a salvo, ou pelo menos tentamos. Escrevendo em Klingon ele garantiu que apenas um nerd do nosso mundo seria capaz de encontrar e usar o Portal.”

“Certo, estou me acostumando com a ideia de que não sou nerd o suficiente!”

“Felizmente, ele deixou instruções do outro lado também, ou eu não seria capaz de encontrar esse Portal. Existem outros, mas esse foi o primeiro Portal para a Terra-média que os caras da NerdNet acharam para mim, e fui direto para ele. Mesmo assim levou um tempo para chegar até ele, e não foi fácil arranjar passagens de última hora para a Indonésia.”

Indonésia?”

“Sim, a outra ponta desse Portal é num pequeno lago perto da montanha Kelimutu, na Ilha de Flores. Não confunda com os lagos Kelimutu que mudam de cor, eles são envenenados com fumaças de vulcão.”

“Pode ter certeza de que não vou confundir, irmão!” Ela sacudiu a cabeça, perdida.

“Bem, e então há o problema temporal. O Portal só abre quando o solstício de verão no hemisfério Sul ocorre durante a lua nova, no nosso mundo; então ele permanece aberto por toda a semana da lua nova, do lado do nosso mundo, e sete vezes essa duração aqui em Erebor, quarenta e nove dias em torno do Ano Novo anão. Temos mais alguns dias, ainda, mas então vai demorar vinte e oito anos da Terra-média para que se abra novamente.”

“Hmm, mas só quatro anos no seu mundo. Você vai ter a possibilidade de me visitar, então!” A elfa estava sorrindo.

“Não é uma transição muito suave, Portais de mudança rápida são um tanto... nauseantes, eu descreveria, mas acho que sim, dado que vai ser o único jeito de nós três a vermos novamente.”

“Lily está indo com você também, então. Eu imaginava isso.”

“Foi difícil falar com ela, ela está muito ferida por dentro, mas concordou que ficar aqui só lhe traria mais dor. Esperamos que de volta em casa o coração dela possa se curar, possa ser humano novamente e sarar.”

“Espero que sim. E Iris, está disposta a voltar para casa sem reclamar?”

“Na verdade, não, mas essa decisão é minha, não dela.”

Ellen o provocou só um pouco, para ter certeza de que seu irmão compartilhava seus próprios pensamentos.

“Ela combateu bravamente na batalha...”

“Eu sei. Se ela combatesse matemática e geografia tão bravamente quanto ela combate orcs e goblins, eu a deixaria ficar num piscar de olhos. Quando ela se mostrar madura o suficiente para arcar com as consequências das próprias decisões, podemos falar sobre Bilbo e o Condado novamente.”

Ficaram em silêncio por algum tempo, pensando no que significaria estar a mundos de distância.

“Vai poder ficar para o funeral do Thorin?”

“Acho que não. O Portal está para fechar, não quero arriscar. E pode ser melhor para Lily se ela mantiver a lembrança dele como o conheceu, não dentro de um túmulo.”

“Você é sábio, irmão. Yavanna escolheu bem.”

“Ahm, ainda tenho que descobrir o que essa coisa de Yavanna significa, mas notei que meu bastão de caminhada se transformou num cajado. Imagino que vá voltar a ser um bastão de caminhada quando eu passar pelo Portal novamente.”

“Ei, não esqueça de que sempre pode ‘cair’ aqui usando o mapa!”

Entregou o mapa para ele, sorrindo.

“Ele é muito instável. Não sei se teria coragem de usa-lo, sem saber onde eu cairia.”

Irmã e irmão se abraçaram calorosamente, olhos fechados, e então se separaram. Era uma despedida difícil, porque sabiam que a passagem só podia ser aberta por um curto tempo a cada vinte e oito anos, já que o tempo passava num ritmo diferente em cada mundo. Assim, depois de fechado dessa vez, não era certo de que conseguiriam se ver novamente nessa vida. De certa forma, era como se a morte estivesse vindo sobre eles. Wolfram lhe perguntou mais uma vez.

“Você tem certeza? O Portal vai estar aberto por mais um pouco de tempo, ainda. Somos sua família, você tem seu trabalho, seus amigos, toda sua vida para deixar para trás. Você tem mesmo certeza?”

Ellen suspirou.

“Tenho, meu irmão, tenho. Agora, que sei que você conhece esse mundo, sei que você vai entender. Meus amigos de verdade são aquela turma de boffering e que dariam qualquer coisa para viver num mundo como esse. Eu amo meu trabalho, mas não sinto culpa nenhuma em deixa-lo para trás, tem um monte de gente capaz de fazer o que eu faço, ninguém precisa mesmo de mim, só precisam daquilo que sou capaz de fazer. E você...” Ela suspirou de novo. “Você e as meninas são a única família que eu tenho, e você sabe onde estou agora, e que estou feliz aqui, mais feliz do que estive em tantos anos. Você não ia querer que eu ficasse feliz como estou?”
Os olhos dele se umedeceram.

“Você sabe que tudo que quero é saber que você está feliz! Desde o acidente de snowboard...”

“Então, pegou a ideia. Onde, no nosso mundo, que eu vou achar de novo um homem que não tenha medo de mim? Achei garotos para os quais eu podia ser uma amiga, ou uma mãe, e brincar com eles por algum tempo, mas nunca me satisfazia, nunca me satisfez; e achei alguns homens que poderiam ter acendido a chama e a mantido acesa, mas então eu acabava descobrindo que eram só garotos também, porque nunca tinham a coragem de se posicionar como eu, de lutar pela vida como eu lutei minha vida inteira. E não estou falando de boffering.” Ela mordeu os lábios. “Você não sabe o que é realmente ficar costas com costas com alguém e lutar um pela vida do outro, sabe? Quando seria tão fácil se abaixar e deixar a flecha do inimigo entrar nas costas do outro, e você não faz isso?”

Foi a vez dele de suspirar. Havia visto tanto lixo passar pela vida da irmã, e não havia nada que pudesse fazer a respeito então. Agora ela havia encontrado alguém por quem valia a pena morrer. Talvez o melhor que podia fazer era... não fazer nada, e respeitar a vontade dela.

“Vou falar à polícia que não se achou nenhum vestígio de você. As meninas também vão guardar o seu segredo, pode ficar tranquila.”

“Como você vai explicar que elas desapareceram no nosso país e reapareceram na Indonésia?”

“Os caras da NerdNet vão me ajudar.”

“Vou tentar achar um jeito de te mandar notícias sempre que puder, ok? Apenas mantenha a biblioteca onde ela está.”

“Vou manter.”

ooo000ooo

A despedida estava fadada a ser cheia de lágrimas. Bilbo sabia que seu lugar era no Condado, mas que seu coração estaria sempre com Iris, onde quer que ela estivesse. Caminharam um pouco de mãos dadas, nenhum deles se atrevendo a quebrar o silêncio por medo de que isso quebrasse seus corações já partidos. Sentaram-se numa pedra perto da lagoa em frente a Dale, o vento gelado quase incapaz de agitar a água, onde se refletiam as estrelas junto com seu rostos tristes. Ele respirou fundo, inseguro sobre o que dizer.

“Está quase na hora de você ir.”

Os olhos dela se fecharam.

“Eu sei. Mas não quero ir.”

Abraçaram-se e ele a segurou com força, desejando que pudesse não solta-la nunca.

“Eu sei.”

“Por que preciso ir? Por que não posso ficar aqui como a Tia, e viver o amor que eu achei? Por que não posso escolher minha própria vida?”

Agora estava ficando rebelde e frustrada. Ele realmente tinha que ser firme com ela, apesar de que o machucava do mesmo jeito. Considerou.

“Iris, você não pode escolher agora porque é uma jovenzinha com toda uma vida pela frente, é muito cedo para tomar uma decisão da qual pode se arrepender em poucos anos. Eu sei, eu sei, não me soque com tanta força, eu mesmo não acredito que você vá mudar de ideia, nem que você seja jovem demais para tomar decisões difíceis, mas há outros motivos que você deveria considerar.”

Ela parou de bater no peito dele com os punhos fechados e escutou.

“Você precisa realizar os seus sonhos. Não é aqui que os seus sonhos estão, eles estão do outro lado daquele Portal. É por isso que você precisa ir.”

Você é o meu sonho, não consegue entender isso?”

Ele balançou a cabeça, olhando para os olhos úmidos e zangados dela, delicadamente acariciando suas bochechas.

“Não, eu não sou. Em todo esse curto tempo em que estivemos juntos, vi seus olhos brilhando quando você falava das suas aulas de coral, sobre as suas amigas do ensino médio, sobre a faculdade para a qual você quer ir, sobe o show de rock que você foi, sobre o quanto você sente falta do seu banho de chuveiro elétrico, sua internet e o seu forno de micro-ondas, sobre aprender a dirigir um automóvel, e todas essas coisas loucas que eu não tenho a menor ideia do que são!”

“Mas você poderia aprender, você poderia ir conosco e...”

“Não, eu não poderia, e você sabe disso! Eu sou povo do Condado, e isso significa um ser simples demais para permanecer nos seus sonhos por muito tempo se eu tivesse que ser sua realidade diária. O que você faria no seu mundo com um Pequenino quase na meia-idade? Quanto tempo levaria para você se enfadar de mim?”

“Eu nunca...”

“Mas sim, você iria! Suas amigas do ensino médio iriam rir de mim, você ficaria envergonhada. Eu teria medo de usar o seu forno de micro-ondas, e realmente não sei o que nos céus me faria ir para algum lugar para ver pedras serem mostradas para mim.” (1)

Ela fechou os olhos e suspirou, os sentimentos em turbilhão. Ela tinha, afinal, apenas dezesseis anos em seu próprio mundo, e nem sempre era muito responsável, o que a fazia crer que poderia dar conta de tudo que Bilbo acabara de mencionar?

“Você não me ama. Você disse que queria se casar comigo, e agora quer que eu vá embora.”

“Iris, olhe para mim. Se jamais encontrei amor nessa abençoada Terra-média, foi você que o trouxe para mim. Lembre-se sempre disso. Eu...” O Hobbit respirou fundo e fechou os olhos, engolindo em seco. Não era fácil. “Talvez eu tenha sido transformado num gatuno, mas não sou um mentiroso. Eu amo você. E quero me casar com você. Eu sei o que é o amor porque te conheci, e nunca vou te esquecer, e você vai estar no meu coração para sempre.”

“Então, porque eu não posso ficar?”

A garota Hobbit estava chorando de novo, e Bilbo teve uma ideia e formulou um plano.

“Doçura, essa decisão não é nossa pare ser tomada, por enquanto. Você terá permissão para tomar suas próprias decisões depois que atingir a maioridade, presumo, não é?”

“Sim, espero que sim.”

“Então, quando você chegar à maioridade, vai poder decidir. Vai ter tido tempo de ir aos seus shows do rock com suas amigas do ensino médio e pipocar milhos no seu forno de micro-ondas, e pensar se o Condado é realmente onde você quer passar o resto da sua vida. O Portal estará lá, qualquer que seja sua decisão. E eu estarei no Condado, esperando por você.”

Ela mal podia acreditar no que estava ouvindo. Era verdade, havia esperança!

“Você vai mesmo esperar por mim?”

“Para sempre e mais um dia.” E ele realmente queria dizer isso.

“Esse amor é como um sonho para mim!”

“E para mim também!” Estavam felizes de novo, uma nova luz em seus olhos. Ela cresceria através de seus anos da vintena, era o que Bilbo esperava, e floresceria numa mulher maravilhosa, e ele escaparia da idade de tagarelice dela na tranquilidade do Bolsão. Então, se ela escolhesse a Terra-média, ele estaria lá para ela; caso contrário, não seria ele o culpado por tê-la presa em seu mundo quando o coração dela estava em seu estilo de vida anterior. Bilbo interrompeu o abraço silencioso.

“E, preciso mesmo te dizer, a Ellen prometeu que se você não se formar na faculdade por minha causa ela vai arrancar meu coração com uma colher de sopa.”

Iris riu.

“Sim, ela seria capaz de fazer isso, você está certo.”

Iris o beijou de leve, só para trazer o calor e o sabor dele para dentro de si, para que pudesse levar essa lembrança com ela.

Caminharam devagar de volta para o Portão de Erebor, de mãos dadas. Então Iris lembrou-se de algo e pegou uma coisa dura de dentro do bolso.

“Bilbo, eu preciso que me faça um favor. Por favor!”

“Sim, Iris, qualquer coisa que esteja ao meu alcance!”

“Eu não vou estar aqui para o funeral do Fíli. Eu quero que você coloque isso com ele quando... quando ele for baixado... você sabe...”

Bilbo pegou a lata de atum das mãos dela, confuso.

“O quê...?”

“Thorin vai ser encaminhado com a Arkenstone nas mãos dele, me falaram. Peguei isso na mochila do meu pai, sei que ele não se importaria. Isso... essa era uma das nossas melhores brincadeiras, sempre. Eu... Fíli ia ficar feliz de verdade de saber que tem uma lata de atum só para ele.”

Os hobbits se abraçaram com a lata de atum em suas mãos, derramando lágrimas pelo triste fim da Companhia Travessa.

ooo000ooo

Os remanescentes da Companhia de Thorin Escudo-de-Carvalho acompanharam Wolfram e suas filhas até o Lago Espelho. Lily estava em estado quase catatônico, e Iris não conseguia segurar as próprias lágrimas. Os que partiriam abraçaram os que ficariam, sem conseguir proferir uma palavra de adeus, visto que estavam de coração partido também. Kíli caiu de joelhos para abraçar Iris, misturando as lágrimas de ambos.

“Seja boa para o seu Pai, para ele permitir que você venha nos visitar!”

“Vou fazer mais que isso, você vai ver, Irmãozinho! Você vai ver!”

Dwalin e Balin foram os últimos a apertar a mão de Wolfram, dando tapinhas em suas costas.

“Precisamos te agradecer pela Joia que confiou ao nosso mundo, ainda que apenas por algum tempo. Se ela não tivesse curado Thorin da Loucura do Ouro, teria sido um final ainda mais sombrio para nossa missão.”

“Não sei o que ela fez, mas fico feliz que tenha feito.”

“E obrigado também por deixar sua irmã para nós. Ela é um orgulho para a linhagem de Fundin.”

“Aposto uma lata de atum que eu não teria outra alternativa!”

Wolfram voltou-se afinal para sua irmã de orelhas pontudas.

“Wolf, meu irmão, preciso te pedir um último favor antes que você se vá.”

“Qualquer coisa, Ellen.”

“Quando estiver de volta à nossa cidade, por favor, vá ao meu escritório...”

“Sim?”

“E diga ao Diretor de Recursos Humanos que eu me demito!”

O homem alto assentiu, sorrindo; então pegou as mãos de suas filhas nas dele e pulou nas águas brilhantes de prata.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

1 – Trocadilho intraduzível com a expressão rock show, onde ‘rock’ é o estilo musical e Bilbo interpreta como ‘pedra’, e ‘show’ é a apresentação do espetáculo e Bilbo interpreta como o verbo ‘mostrar’.
Nota da Autora: Então, é isso. Hora de despedida, depois de uma longa jornada através da Terra-média que me conquistou há trinta anos. Lamento pela morte de Thorin e Fíli, mas não deu para salvar todo mundo. Teremos um epílogo, porque a vida continua...
Namarië!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Lealdade, Honra, e um Coração Disposto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.