Lealdade, Honra, e um Coração Disposto escrita por Dagny Fischer


Capítulo 3
Capítulo 3 – Memórias – ou a Falta Delas




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Lily juntou suas flechas na aljava e sentaram-se para conferenciar antes de começar suas atividades de fim do dia. Abandonaram a idéia de medirem-se, já que ficou óbvio que se ainda não tinha terminado sua transformação nos povos de que tinham se fantasiado, em outra era e lugar, isso aconteceria em breve. Assim, como não tinham controle sobre isso, era inútil se preocupar com o assunto. Ellen começou como começaria numa reunião de planejamento com sua equipe projetos. Era mais fácil para ela desse jeito.

“Senhoritas, espero que estejam confortáveis em seus assentos e que todas nós tenhamos uma noite agradável. Nossos objetivos nessa reunião são verificar quais informações temos sobre nossa situação atual, dados adicionais, hipóteses alternativas, e alvos. Alguma dúvida?”

Iris levantou a mão.

“Sim?”

“Vou ganhar salário dobrado por usar duas espadas ao mesmo tempo?”

“Se você provocar uma morte dupla, sim. Próxima.”

Todas caíram na risada. Nenhuma delas nunca pensou em realmente matar alguém, quanto mais dois de uma vez. Relaxaram com o que parecia absurdo à primeira vista. Lily pegou o fio da meada, já que sabia que sua tia estava esperando que alguém o fizesse.

“Bom, de algum jeito a gente veio parar num lugar que não era nosso objetivo, e primeiro nossos corpos e depois nossas coisas começaram a tomar forma daquilo que a gente estava fazendo cosplay.”

“Certo. E a gente estava fazendo cosplay de raças do Senhor dos Anéis.”

“Quando foi que a gente percebeu alguma coisa estranha pela primeira vez?”

“No final do segundo dia de trilha, perto do rio que não deveria estar no mapa.”

“Sim, mas descobrimos que o mapa não era o que deveríamos estar seguindo. Assim, a próxima pergunta é: que mapa é esse?”

“Estava em cima da mesa da biblioteca.”

“Iris, você disse antes que ele estava em cima de alguns livros. Você se lembra que livros eram?”

“Eu não olhei para eles de verdade, mas agora que você chamou a atenção, bem que poderiam ser alguma coisa do Tolkien. Papai adora, como você, e pega para reler de vez em quando.”

“E o mapa estava em cima deles. Legal. Apesar da minha mente cartesiana rejeitar, não posso pensar em nenhuma outra explicação a não ser que o maldito mapa nos guiou para dentro de um desses livros. O que vocês acham?”

“Tia, podemos estar mortas? Quer dizer, levamos aquele tombo no penhasco, e daí estamos num mundo de fantasia; eu li um monte de fanfics em que alguém morria na vida real e acordava em outro mundo. Pode ter acontecido isso com a gente?”

Ellen suspirou.

“Lamento, Lily querida, mas isso aqui não é fanfic, e estamos vivinhas da Silva.” Baixou o olhar sobre o mapa. “Agora, como é que voltamos para casa?”

“A gente podia voltar e tentar escalar o penhasco?”

“Se a gente encontrar o caminho de volta? Pode ser uma alternativa, mas não temos equipamento de montanhismo, nem habilidade para tentar isso. Nem um pedaço de corda decente, veja bem, além da corda de varal que usamos para montar a barraca. Eu não arriscaria nossos pescoços naquele penhasco. E vocês?”

As garotas balançaram as cabeças em concordância. Sem caminho de volta, hora de olhar para a frente.

“Tia, pelo que você leu das coisas de Tolkien, consegue descobrir de onde é esse mapa? Não tem nenhum nome em cima, só alguns rios, parece que uma estrada, uma estrela que pode significar uma cidade, alguns morros aqui à direita e então o que parece ser uma floresta. O que você acha?”

Ellen pensou um pouco, olhando para o mapa. Suspirou.

“Agora que você falou, tem mais uma coisa estranha acontecendo comigo.” Ela olhou para elas, desalentada. “Eu não lembro das histórias.”

“O que quer dizer?”

“As histórias de Tolkien, você sabe, O Senhor dos Anéis, O Hobbit, O Silmarillion… Eu não consigo lembrar! Eu sei que os li pelo menos meia dúzia de vezes, assisti os filmes, mas as histórias parecem apagadas da minha cabeça! Não tudo, mas a maior parte. Eu lembro melhor das coisas do Silmarillion, mas do resto eu só lembro de alguns nomes, algumas linhas gerais, mas é só. O resto está turvo numa neblina…” Ela entrou em pânico. “Maldita memória minha, eu não consigo lembrar! Precisamos sair daqui, precisamos voltar para casa, minha memória não está funcionando!”

“Ellen, calma!” Lily segurou as mãos dela nas suas. “Vai ficar tudo bem, ok? Pode estar acontecendo para a sua própria segurança, quem sabe? E se você lembrar de coisas que podem mudar o curso da história, e aí? Até agora nenhuma das mudanças parece nos ter feito algum mal; com a memória dos livros do Tolkien deve ser a mesma coisa, você não acha?”

“É, Tia, pega leve. Eu mesma estou percebendo que não consigo lembrar muito dos filmes, também.” Iris ajudou a reassegura-la. “Não que eu tenha prestado muita atenção a eles além daquele elfo loiro, como era o nome?”

As três se entreolharam, tentando lembrar.

“Orlando?” Chutou Lily.

“Não, Orlando era o ator, não o personagem.”

“Bom, de qualquer forma, estamos andando nos ermos da Terra-média por mais de um dia, no mínimo, e não encontramos ninguém, então, pode ser que não encontremos ninguém e se chegarmos a encontrar não significa que vá ser alguém que faz parte de alguma história que conhecemos.” Ellen era ela mesma novamente, procurando soluções em vez se lamentar sobre os problemas. “Atingimos todos os objetivos da nossa reunião, e nosso alvo permanece o mesmo, ou seja, chegar ao ponto marcado no mapa com uma estrela, que acreditamos ser uma cidade. Agora vamos dormir. Primeiro turno de vigília é meu, se ninguém se importar.”

ooo000ooo

Pouco depois do café da manhã encontraram a estrada, ou o que parecia vagamente uma trilha mais larga e mais reta. Viraram para a esquerda, cruzaram uma ponte e seguiram num bom passo no chão mais regular. Iris preferia andar na beira da estrada, onde seu pés descalços podiam se revigorar nos matinhos verdes em vez de pisar no caminho pedregoso.

Lily respirou fundo e soltou o ar, satisfeita.

“Sintam esse ar puro! Dá para ser um dia mais perfeito?”

No mesmo instante em que disse a última palavra, um trovão estalou no ar e começou a chover. Não, a despejar! Correram em busca de abrigo sob as árvores, mas não era suficiente. Procuraram seus mantos com capuz nas mochilas, agradecendo aos céus por estarem preparadas para uma semana inteira ao ar livre, e que o que quer que estivesse mudando a elas e às suas coisas dera um jeito de transformar seus casacos de couro sintético em casacos de couro de verdade. Ainda assim, foi um dia miserável, mas como seus suprimentos foram calculados para apenas mais alguns dias, era melhor se apressar.

Lembrando-se de que a Terra-média tinha mais do que hobbits simpáticos e elfos bonitões, decidiram não acender fogueira naquela noite, pois se podia manter animais afastados também poderia atrair outras criaturas que sabiam que existiam naquele mundo, falta de memória ou não. Acamparam um pouco afastado da estrada e mastigaram suas bolachas de água e sal com atum. Afinal a chuva estava passando e esperavam que o dia seguinte estivesse com um clima melhor.

ooo000ooo

Enquanto estava em seu turno de vigília, o último, Lily deu um jeito de fazer um mingau de aveia frio para todas antes de pegar a estrada e resolveu mudar suas roupas um pouco. Ela tinha a sensação de que as coisas poderiam ficar perigosas a qualquer momento. Quando pegou sua cota de malha de alumínio de dentro da mochila ela parecia estranha, mais flexível, e mais brilhante também. O formato de lacres de alumínio não existia mais, ao invés era como cota de malha de verdade. Lily estava pasma com isso, e vestiu a cota por baixo do casaco, para esconder de vista. Um ponto brilhante móvel no ermo seria fácil demais de caçar.

Ellen estava se preparando para pôr a mochila nas costas quando ouviu sons vindos dentre as árvores. Era como gravetos e galhinhos estalando, vindo do leste. As três empunharam as armas e ficaram em posição defensiva, prontas para lutar por suas vidas. O som vinha rápido e cada vez mais perto, então parou de súbito.

Ouviram uma voz masculina reclamando com alguém.

“Não, Bola de Prata, não era cheiro de Istar! O único cheiro de Istar que você tem para cheirar aqui é o meu, veja, se houvesse outro cheiro de Istar eu já estaria sentido uma aura de Istar, não acha?”

A voz estava chegando mais perto, acompanhada do estalido nos arbustos, e parecia se dirigir diretamente para elas. Ellen sussurrou. “Lily, não atire!”

A jovem anã assentiu em concordância, mas não baixou seu arco.

A primeira criatura que elas viram na Terra-média foi… um coelho! Era um coelho cinza prateado enorme, quase do tamanho de um cão beagle, usando correias de couro como rédeas, e estava olhando para elas com o que só poderia ser classificado como olhos inteligentes. Um pouco depois dele chegaram mais coelhos, todos em rédeas também, tão grandes como o primeiro (um líder?), e então a coisa chegou através dos arbustos, a coisa que eles arrastavam. Era um tipo de trenó, feito de madeira vergada, e sobre ele veio a figura mais bizarra que elas já tinham visto em suas vidas.

“Eu não disse, Bola de Prata? Não tem nenhum Istar aqui!” Ele intimou o primeiro coelho. Este espirrou e limpou o focinho com a pata, então olhou de volta para o homem como que se desculpando. O homem fez um sinal para os coelhos e desceu da coisa de madeira.

“Ellen, quem é esse cara?” Iris sussurrou. “Você lembra dele?”

“Não.” A mulher sussurrou de volta. “Mas eu sei o que dizer a ele, e que ele não tem intenção de nos fazer mal. Façam o melhor que puderem, vocês duas.” Então ela baixou seus braços e fez uma profunda mesura.

“Ellen, filha de Nyda, a seu serviço.”

As irmãs se entreolharam e se curvaram também.

“Lily - e Iris - filhas de Wolfram, ao seu dispôr.”

Ele olhou para elas sobressaltado, como se só então percebendo que estavam lá. Tirou o chapéu, sob o qual um pequeno ninho de passarinho podia ser visto, o que explicava a meleca em seu cabelo.

“Radagast, o Castanho, ao seu, jovens senhoritas!” Ele piscou para elas, colocando de volta o chapéu, sorrindo. “E de fato vocês estão com mais necessidade de meus serviços do que eu dos seus, não é?” Seus olhos brilhantes se voltaram para cada uma delas, e elas assentiram, concordando. “Vocês podem me dizer, mesmo que eu não possa prometer que minha ajuda vá ser útil.”

Ele sentou e esperou.

Elas lhe contaram o suficiente para que ele soubesse de que tipo de ajuda precisavam. Ele lhes disse que estava a procura de um amigo que deveria estar na região, um assunto muito importante, e portanto não poderia tomar em suas mãos mais do que explicar o que ele imaginava que poderia ajudá-las.

“Há uma lenda, antiga, e conhecida por poucos, de que nas profundezas de Erebor, a Montanha Solitária, existe um Portal que leva a um mundo estranho, habitado apenas por Humanos. Deve ser um Portal bem escondido naquele lugar também, do contrário haveria um monte de humanos pulando para fora dele, imagino. Talvez seja o caminho para o seu próprio mundo, já que me dizem que são todas humanas, apesar da condição corpórea em que estão aqui.”

“E onde fica essa Erebor? Pode nos mostrar aqui nesse mapa?”

Ellen estendeu o mapa para ele. Depois de estuda-lo por algum tempo, ele respondeu.

“Não, ele não está aqui. Mas isso pode ajuda-las, de qualquer forma.” Ele pôs um dedo num ponto sobre a linha reta. “Estamos aqui. E vocês podem encontrar ajuda aqui.” O homem traçou a linha até a estrelinha. “Procurem por conselho do Senhor Elrond, o Meio-Elfo, em Imladris. Ele pode ter mais informações sobre esse assunto do que eu. Mas vejam,” E ele olhou para elas. “que a Montanha Solitária que vocês estão procurando é mais ou menos aqui,” E ele apontou para um lugar fora da borda direita do mapa. “e muitos perigos podem estar entre vocês e seu destino.”

Ellen dobrou o mapa.

“Obrigada, Senhor Castanho, do fundo do meu coração. Espero que encontre o seu amigo logo, e, se eu mesma encontrar esse senhor Cinzento, direi a ele que está a procura dele.”

Separaram-se de coração leve, Radagast para o oeste, e as três mulheres para o leste, na esperança de encontram aquela cidade de Imladris e o Senhor Elrond no final do dia.


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