Lealdade, Honra, e um Coração Disposto escrita por Dagny Fischer


Capítulo 2
Capítulo 2 – Passando por Mudanças




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Elas dormiram como estavam, cansadas demais para se dar ao trabalho de montar a barraca, a sopa aquecendo suas barrigas e almas. Não houve ameaça visível ou audível durante toda a noite, e a primeira luz do sol encontrou Iris atiçando o fogo para fazer um pouco de mingau para todas elas. Seus pés estavam doloridos, e ela havia desobedecido a ordem de não tirar as botas e estava calçada com suas pantufas de pé de hobbit. Lily bocejou e se espreguiçou, Ellen coçou a cabeça.

“Tia, você não tirou a peruca para dormir?”

“Ah, estava tão cansada que esqueci. Vem cá, me ajuda com isso.”

Ellen sentou num tronco caído e sua sobrinha começou a procurar pelos grampos de cabelo. A mulher sentiu seus dedos tocando sua cabeça e as vezes puxando seu cabelo.

“Mas que diabo…” Lily resmungou baixinho.

“O que foi?”

“Eu não consigo achar os grampos. Eu tenho certeza de que usei um monte deles para deixar a peruca bem presa no lugar, e não consigo achar nenhum.”

“Podem ter caído durante o dia de caminhada. Só tira a peruca e pronto. Ai!” Ela gritou. “Não tira o meu escalpo, querida!”

“Eu não entendo, eu só puxei a peruca pelo cabelo!”

“Não, você puxou o meu cabelo!”

“Você está me zoando, Tia. Aqui, foi isso que eu fiz.”

Ela ficou na frente de Ellen com uma mecha de cabelo preto em cada mão e puxou para cima depressa.

“Ai!” Ellen pulou para trás de dor. “Isso dói!”

Lily olhou para ela, espantada. Ela tinha feito um monte de penteados e mexido com perucas desde que começou a participar de LARPs e torneios de boffering com sua tia, mas nunca tinha visto uma peruca tão bem ajustada que fosse difícil assim de tirar. Ela se curvou para perto e tateou a cabeça e a linha dos cabelos de Ellen ,tentando achar a borda da peruca. Em toda a volta da linha dos cabelos, a borda não estava nem visível nem palpável, e não havia traço do cabelo acastanhado, na altura dos ombros. Ela estava atordoada.

“Tia, eu não consigo achar.”

“Achar o quê? Um jeito misericordioso de tirar a peruca?”

“Não. Eu não consigo achar a peruca. Quer dizer, eu não consigo achar o seu próprio cabelo. Ou, nenhum deles. É como se a peruca tivesse se tornado o seu cabelo de verdade. Eu não entendo, eu nunca ví nada parecido antes. O que está acontecendo?”

Ellen tocou sua própria cabeça de novo e de novo, tateado a procura da peruca como Lily havia feito antes. Ela coçou a pele, puxou o cabelo, e ele era, certamente, seu próprio cabelo e sua própria cabeça. Ela sacudiu a cabeça, incrédula.

“Essa é a coisa mais esquisita que já aconteceu na minha vida… Eu… eu preciso pensar nisso um pouco.”

Ela se levantou e foi até o rio lavar o rosto. As garotas comeram o mingau em silêncio, ocupadas com o pensamento da coisa estranha que acontecera com sua tia. Ela voltou.

“Ele se comporta.”

“O que?”

“O cabelo se comporta. Eu fui até o rio lavar o rosto, abaixei a cabeça, e o cabelo não caiu dos meus ombros. Ele se comporta. Eu vou ficar com ele.”

As garotas assentiram, já que não havia nada a dizer. Todas terminaram o mingau e começaram a empacotar as coisas. Ellen trocou a saia por calças, mas manteve o corselete de couro cru por cima da camisa e todas as outras coisas de cosplay. As garotas também não se trocaram, mas Lily guardou sua cota de malha de alumínio. Estavam pondo as mochilas nas costas quando perceberam.

“Iris, você não calçou suas botas. Você sabe que provavelmente vamos caminhar uma trilha longa hoje, suas pantufas não vão dar conta.

“Mas os meus pés estão doendo! Quando eu levantei para o meu turno de vigilia estavam doendo tanto que eu não aguentei!” A garota reclamou. “Eu sei que deveria estar de botas, mas eu não ia conseguir andar de jeito nenhum com elas nos pés!”

“Tudo bem, não chora, querida. Vamos ver se tem bolhas ou qualquer coisa que se possa fazer.”

Largaram as mochilas e boffers e sentaram no chão. Iris tirou suas pantufas de pé de hobbit e todas olharam para seus pés. Não havia muita diferença entre o que foi tirado e o que ficou.

“Deus do céu…” Iris empalideceu olhando para os próprios pés peludos.

“Não surpreende que estivessem doendo dentro das botas. Você deve estar calçando uns dois ou três números a mais que o seu tamanho normal.” Ellen olhou para Lily. “Agora, e quanto à você?”

“Quanto a mim? O que quer dizer?”

“Bom, eu ganhei cabelo élfico e a Iris ganhou pés de hobbit; qual vai ser a mudança na nossa dama anã?”

“Não! Não, não, não, não, não, passo, estou fora, sem mudanças, por favor, estou bem do jeito que estou!” Lily entrou em pânico.

“Lamento, irmã, mas parece que não temos escolha. Ellen e eu não tivemos chance de negar nossas mudanças, por que você teria?”

Lily pensou por um momento.

“Porque… Porque anões são mais fortes na resistência à magia! Todas essas mudanças devem ser algum tipo de magia, vocês estão mudando para os personagens que vocês se fantasiaram, então, como eu me fantasiei de anã, eu devo ter a mesma resistênica à magia que anões têm!” Sua defesa apaixonada da resistência anã à magia era apenas a ponta do iceberg do seu pânico. Iris inclinou-se e tocou gentilmente a bochecha de Lily.

“Você deve estar certa, Lily. E se for isso, magia não tem nada a ver com as mudanças. Ou, pelo menos, nada a ver com a suas costeletas.”

Minhas o quê?” Ela gritou, chocada, tocando o próprio rosto com as duas mãos.

“Suas costeletas, querida. Elas crescem de só um pouquinho abaixo do nível dos seus lábios e vão até a altura do seu queixo, da mesma cor de avelã que o seu cabelo. É uma barba feminina anã bem delicada, acho.”

ooo000ooo

O dia continuou enquanto elas perambulavam para o sul, segundo o rio na esperança de encontrar uma estrada de verdade. Sem muito alarde, depois das descobertas da manhã, cada uma delas estava se tornando consciente de outras mudanças nelas mesmas e nas outras. Lily percebeu que o cabelo liso de Iris, que lhe tomou horas para encaracolar antes de começarem a viagem, estava ficando mais encaracolado, e com um ar mais natural. Iris foi a primeira a ver as pontas das orelhas de Ellen, e então tocou as suas próprias para confirmar que tiveram essa mudança também. Cada vez que Ellen olhava para suas sobrinhas elas pareciam menores, sendo que Iris estava ficando realmente baixinha.

Quando descansaram no final do dia, acendendo uma fogueira para ter pelo menos uma refeição decente e quente no dia, Iris sugeriu que medissem suas alturas só para ter uma ideia de se o processo de encolhimento estava concluído. Como não tinham fita métrica com elas, tiveram a idéia de usar suas boffers para medirem-se, já que sabia o tamanho de cada uma.

“Eu costumava medir o mesmo que minhas duas espadas curtas juntas, isso é, coisa de um metro e sessenta.” Determinou Iris.

“E eu era dez centímetros mais alta, ou algo como duas espadas curtas mais duas pontas de flecha de boffer, uma ao lado da outra. E você, Tia?”

“Um metro e oitenta e três. Isso seria minha espada bastarda mais três pontas de flecha. Vamos tentar.”

Primeiro se colocaram de costas para uma árvore e marcaram suas alturas na casca com o canivete de Lily. Então Iris tirou suas espadas curtas da bainha e deu um grito.

“O que foi?”

“As boffers!”

“O que tem de errado com as boffers?”

“Elas não são. Elas não fazem mais ‘boff’. São espadas de verdade!”

As três olharam mais de perto. Eram gêmeas, mais curtas do que antes como que para acompanhar as mudanças de Iris, mas definitivamente não eram mais boffers. As lâminas eram finas e afiadas, decoradas com ramos de flores; os punhos eram finamente modelados, e eram leves, como se não fossem feitas de metal.

“Elas pesam o mesmo que antes, tenho certeza.” Iris mencionou, agitando uma delas no ar. “Mas estão mais rápidas.”

“Menos resistência ao ar, suponho.”

“Resistência ao ar?” Lily deu um grito. “Titia, você é um gênio?”

“Eu sou?”

Lily já estava pegando a aljava em suas coisas, seus olhos brilhando de atecipação. E lá elas estavam, suas flechas, pontas mortalmente afiadas em vez de cilíndros de espuma de cinco centímetros nas pontas. Seus olhos brilhavam de modo selvagem quando ela pegou seu arco e experimentou atirar, mirando numa árvore uns cem metros distante. Atingiu o alvo. Só então ela percebeu que o arco também não era mais o mesmo, não sendo mais uma coisa de PVC com uma cordinha de nylon, mas um arco de verdade.

“Uau! Eu acertei! Eu nunca consegui um tiro certo dessa distância! Isso é tão… uhu!”

Lily estava exultante. Desde a descoberta das costeletas, ela estava cabisbaixa e resmungando, e seu ‘downsizing’ também não ajudava. A mudança no equipamento era mais enervante para Ellen do que a mudança em seus corpos, porque eram, afinal, seres viventes, orgânicos, feitas de carne e ossos que poderiam, hipoteticamente, serem entortados, que cresciam e mudavam ao longo do tempo. Mas suas coisas eram apenas isso, coisas, feitas de determinados materiais, e agora eram feitas de outros materiais, ou pelo menos parecia assim.

“Certeiro!” Lily gritou de novo, dobrando a distânica anterior. Sua habilidade acomapnhava a mudança do equipamento, sendo capaz de usar sua arma plenamente.

Ponderando sobre os efeitos das mudanças generalizadas, e, mais ainda, por que aquilo estava acontecendo com elas, Ellen puxou sua espada bastarda da bainha presa à mochila. O punho de duas mãos, originalmente encordoado com cordão encerado, estava enrolado em couro. O castão era largo e liso, adequado para usar a espada como se fosse de uma mão, apoiando seu antebraço para ter firmeza, como costumava fazer com sua boffer, de modo que podia usar a espada curta na mão esquerda, principalmente para bloquear. O guarda-mão era finamente trabalhado com runas em alto relevo de um lado e outro tipo de escrita do outro, mais fluida e cursiva. Ellen se perguntava se diziam a mesma coisa, e tinha uma sensação de que deveria entender o que estava escrito, mas que havia se esquecido como.

Então tirou a lâmina da bainha, ignorando os gritos de alegria de Lily, e prendeu a respiração, incrédula. Era linda. A lâmina de quase oito centímetros de largura brilhava ao pôr do sol ao longo de seu pouco mais de um metro de comprimento. Mas não era aço liso. Havia um tipo de textura granulada, bem levemente colorida de um tom azulado de um lado e avermelhado do outro, formando o mesmo desenho dos dois lados.

“Tia, o que é isso na sua espada?” Iris chegou perto, curiosa. Ellen piscou, confusa.

“É um dragão.”


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