Lealdade, Honra, e um Coração Disposto escrita por Dagny Fischer


Capítulo 25
Capítulo 25 – Compras




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Enquanto isso Ellen, Bifur e Glóin estavam ajudando Bombur na cozinha, uma vez que cozinhar para toda a Companhia podia ser trabalhoso e a elfa queria não apenas ajudar, já que nunca fora de ficar parada, mas também ver Bombur em ação com toda a variedade de comidas e temperos que tinha à mão. O anão de barriga redonda era tão hábil em cozinhar mesmo com o mínimo de recursos que ela se perguntava do que ele seria capaz com toda aquela abundância de opções.

A mulher estava picando bacon para rechear um carneiro quando Thorin e os outros voltaram de procurar remédios para Bilbo e foram direto para a cozinha com o que haviam adquirido e também o que o povo lhes havia dado. Um cheiro meio doce, meio ácido alcançou o nariz dela e surpreendeu a elfa instantaneamente. Ela lavou as mãos depressa para ajuda-los a alocar as coisas que tinham trazido, apenas para encontrar uma cesta de vime cheia de frutas variadas nas mãos de Kíli. Ellen não tinha ideia de que esse era um dos presentes que o povo da Cidade do Lago lhes havia dado e que os anões não sabiam como declinar sem ofender.

“Você trouxe fruta para mim?” O sorriso no rosto dela e os olhos arregalados não tinham preço. “Você sabe o quanto eu senti falta de frutas frescas desde a casa de Elrond? Mesmo nos salões do rei elfo eu quase não tinha fruta...”

Kíli estava desconcertado, porque aquilo não era feito seu, mas estava começando a se acostumar à ideia de que, quando se sentindo a salvo mas ainda mal nutrida, a vontade de Ellen por comidas que seu corpo de elfa precisava fazia com que ignorasse a razão e visse apenas o que queria ver. Ele levantou a cesta um pouquinho na direção dela, um sorriso torto no rosto, sem saber o que fazer. Ela pegou a cesta nas mãos e colocou em cima do bancão com um olhar quase de adoração nos olhos.

“Já te disse que te amo?”

Agora ele ficou mesmo embaraçado.

“Hmm, bom, sim, mas, na verdade, nunca na presença de alguém...”

Ellen pegou uma ameixa preta na mão, olhando diretamente para Kíli, ignorando os três anões que cozinhavam e Lily fazendo chá.

“Espero que não haja nenhuma proibição nas tradições anãs quanto a expressar sentimentos em público.”

Ela mordeu a ameixa bem devagar, fechando os olhos, deliciada; um pouco de suco escorreu do canto da boca e ela limpou com a ponta do dedo, então lambeu o suco olhando para Kíli tão intensamente que quase dava para ver a eletricidade correndo entre eles.

“Não exatamente, garota, mas isso é considerado um assunto privado e assim, inadequado de ser mencionado em público.”

Foi Glóin quem explicou, enquanto descascava umas batatas.

“Ah, desculpe, eu não sabia.” O comentário de Glóin a trouxe de volta ao próprios pés. “Obrigada por explicar, mestre Glóin, ainda tenho muito a aprender para me comportar adequadamente.”

Ela suspirou e terminou a ameixa e, mesmo desconcertada, a troca de olhares que não se quebrava entre ela e Kíli dizia mais do que qualquer palavra diria. Haviam sido semanas de solidão no reino élfico, e apesar de que se mantinham tão juntos quanto podiam desde que saíram dos barris no dia anterior, haviam tido pouca ou nenhuma privacidade.

“Sem problemas, elfa, eu sei o que é estar apaixonado, as vezes se perde a noção do que convém ou não.” Respondeu Glóin, dando uma risadinha. Sendo o único anão casado da Companhia fazia com que tivesse mais compreensão do que impelia o jovem casal, e também fazia com que se sentisse um pouco responsável por lhes aconselhar.

“Ei, Kíli, Tio está chamando.” Fíli irrompeu na cozinha e pegou o irmão pelo braço, quebrando o olhar mágico deles; o loiro olhou para o que Ellen tinha voltado a fazer e deu um sorriso largo. “Hmm, carneiro recheado? É meu prato favorito!”

Comida é seu prato favorito!” Kíli respondeu enquanto saíam da cozinha, mandando um último olhar desejoso para a mulher que havia trançado seu cabelo.

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A primeira semana foi gasta recuperando a saúde deles após terem sido trancados em celas e batidos em barris, e isso significava montanhas de comida, barbas e cabelos recém escovados, aparados e trançados, roupas feitas em suas cores favoritas e um monte de treino para recuperar a forma. Bilbo se recuperou bem da gripe, apesar de que suas falas nos banquetes que o povo da Cidade do Lago fazia em honra dos hóspedes eram limitadas a “Buito obrigado” pelos primeiros três dias. Como esperado, o curandeiro criou muita fama por ter curado o pequenino, e a Companhia manteve segredo sobre o que havia acontecido com a sanguessuga.

Então Thorin começou a ficar inquieto e começou a planejar o último trecho da jornada, de lá até a Montanha Solitária. O Mestre da Cidade do Lago, ainda capitalizando a oportunidade de manter os anões em débito com ele, pôs ao serviço deles o que fosse necessário em matéria de pôneis, barcos e suprimentos. O anão insistia em ter um preço fixo para cada coisa que era negociada, mas o Mestre não queria, argumentando que não era nada mais justo do que ajudar àqueles que os livrariam de Smaug, e que se poderia pensar depois sobre qualquer compensação que Thorin considerasse justa.

Ele estava na casa num final de tarde remoendo esses pensamentos consigo mesmo quando se distraiu com o trio feminino do seu grupo que irrompeu na sala de estar conversando alto, com as mãos cheias de pacotes de todos tamanhos. Cumprimentaram-no calorosamente, Lily depositando um rápido beijo em sua boca espantada e então fechando-se em seu prórpio quarto. Thorin queria poder ser menos preso à tradição para poder se importar menos com reputação, mas não podia, senão a teria sormindo em seu prórpio quarto, mas isso seria completamente inapropriado, mesmo que dormissem abraçados em seus sacos de dormir quando nos ermos. Ele não poderia fazer com que ela fosse vista como algo menos do que completamente respeitável se quisesse que ela estivesse ao seu lado no futuro e reconhecida como adequada para a realeza.

Thorin estava perdido nessa linha de pensamento, tentando achar um jeito de trapacear as tradições como se fosse um moleque como seus sobrinhos, quando Lily contou à sala de estar sorrindo vivamente num vestido de seda novinho em folha, de um azul da Prússia que fazia os olhos dela sobressaírem e favorecia a cor de avelã de seus cabelos; renda branca acrescentava requinte e a bordadura de contas brancas peroladas fazia com que cada movimento dela emitisse um brilho delicado. Ela girou em frente a ele, sorrindo.

“Então, gostou?”

Ele estava sorrindo. Lily estava se preocupando se ele gostava do que ela vestia?”

“Sim, mas...”

“...Mas?”

Mas eu preferia te ver sem vestido nenhum”, ele pensou, mas é claro que não disse uma palavra disso; ao invés, provocou. “Não acha que é um vestido muito bonito para escalar uma montanha?”

Ela se sentiu sem graça e baixou o olhar.

“É claro que é, Thorin, não é para usar nos ermos, eu só queria usar uma coisa bonita enquanto estamos na Cidade do Lago, e depois, quando Erebor for retomada e eu não tiver mais que perambular nos ermos.”

O anão se levantou, sorrindo para a jovem, segurando-a perto dele com uma mão na cintura enquanto traçava a trança da barba com a ponta dos dedos da outra mão.

“Isso não é bonito. Isso fica lindo em você. E é perfeitamente adequado para uma dama anã usar onde quer que ela queira. O ouro de Erebor é mais que suficiente para pagar por qualquer vestido que você goste.”

“Mas você não tem que pagar por nada!” Ela protestou.

“Não se preocupe, Lily, tudo que a Cidade do Lago está nos provendo será compensado no devido tempo.”

“Mas não vai ser necessário, Thorin, nós já pagamos pelos vestidos e todas as outras coisas!”

“Quem pagou pelo quê?”

Ele ainda não tinha entendido o que ela queria dizer com todas as outras coisas e lhe deu um olhar estranho. Fíli estava jogando dados com Kíli, Ori e Nori numa mesa próxima e voltou-se para Thorin, elucidando o mistério.

“Deve ter sido Ellen, Tio. Parece que o dinheiro que tinha com ela quando veio para a Terra-média transformou-se de modo que ela possa usa-lo, como as espadas e outras coisas.” Virou-se para Kíli, sorrindo. “Parece que você tem uma noiva rica, irmão.”

Kíli baixou o olhar, ligeiramente perturbado mas sem querer demonstrar.

“Não posso chama-la de minha noiva, ainda. Não foi anunciado.”

Thorin olhou para seu sobrinho infeliz, sentindo uma conexão forte. Ele também queria que algumas coisas pudessem ser diferentes, mas era sua obrigação garantir que as tradições e crenças de seu povo fossem respeitadas e seguidas.

“O noivado chegará no devido tempo, filho. Para nós dois. Eu, por mim, não vou anunciar minhas intenções enquanto o lar que tenho para oferecer à minha amada é aquele nas Montanhas Azuis. Você o faria?”

O jovem anão olhou para o tio, compreendendo. Se o noivado fosse anunciado antes de reclamarem Erebor, teriam que casar-se nas Ered Luin e viver lá por no mínimo um ano e um dia. Seu coração ansiava por Ellen e por tê-la a seu lado assim que possível, mas também ansiava por Erebor, um reino que nunca conhecera, mas que estava cravado em seu coração como seu verdadeiro lar desde que era um bebê. Voltar a viver nas Montanhas Azuis não era uma opção. Ele engoliu seu desejo.

“Você está certo, Tio. Não é só a Joia que não pode ter pressa.”

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Ellen queria um pouco de fruta fresca para durar enquanto subissem de barco até a Desolação de Smaug e persuadiu Kíli a ajuda-la a carregar. Ela ainda achava estranho andar armada enquanto estivesse numa cidade, visto que isso era completamente inapropriado em seu próprio velho mundo e também em Imladris, a única cidade que conhecera na Terra-média, mas compreendia que na Cidade do Lago eles tinham que mostrar às pessoas a que vieram, pelo menos fora da casa onde estavam morando por enquanto; assim, ela sacudiu a cabeça, prendeu a bainha de sua espada curta na cintura e pegou o cesto de vime em que frutas haviam sido dadas à Companhia logo que chegaram.

Kíli tentava empurra-la em cada beco que encontrava para que pudesse beija-la ou toca-la sem testemunhas, dado que seu tio e os irmãos dela estavam cumprindo perfeitamente o papel de cães de guarda em volta deles, mas parecia totalmente impossível com todo mundo na cidade querendo vê-los, chegar perto de qualquer um da Companhia que derrotaria o dragão e faria ouro correr o Rio da Montanha até a Cidade do Lago como as profecias diziam. Então ele teve que concordar que apenas comprariam frutas e passeariam sem rumo enquanto os humanos que os encaravam não os aborrecessem.

A elfa havia escolhido comprar frutas de uma certa vendedora que havia conhecido e que sempre tinha frutas de boa qualidade. Kíli não havia estado lá antes, porque a elfa costumava ir ‘frutar’, como os anões diziam, com as sobrinhas. Mas aquele dia ela o pegou para acompanha-la, já que parecia ser o último dia ‘normal’ que teriam por um longo tempo. Na verdade, ela se acostumara que o ‘normal’ na vida dela na Terra-média era bem diferente do ‘normal’ a que estava acostumada no seu mundo anterior. Chegaram na vendedora de frutas.

“Como tem passado, Lara? E o pequeno Ulfir?”

Ellen lhe fez um gesto com os dedos, sorrindo, e o bebê no colo da vendedora riu, já acostumado com ela, o que surpreendeu Kíli. Ulfir esticou os bracinhos fofos para ser pego pela senhora elfa, e sua mão o estendeu para a estranha alta.

“O que minha senhora deseja hoje? Temos maçãs, pêssegos, uva-do-monte, pera, ameixas, mirtilo, amora preta...”

A elfa ouviu o que a fornecedora tinha, mesmo que não fosse muito diferente do que havia no dia anterior, enquanto embalava o bebê. Então pediu o que queria, fazendo o bebê dar risadinhas em seus braços e fazendo Kíli olhar confuso e desconfiado.

“Eu não sabia que você sabia tão bem como lidar com bebês.”

A elfa fez cócegas na barriga do menininho só para faze-lo rir, sem nem mesmo um olhar para o anão.

“Kíli, Kíli, Kíli, esqueceu que ajudei meu irmão a criar minhas sobrinhas?”

Ulfir decidiu que era hora de uma soneca e enfiou um dedo na boca, apesar de toda a provocação da mulher alta. Deu mais uma risadinha, polegar ainda na boca, apoiando o rosto contra o peito dela, ao que Ellen instintivamente deu palmadinhas nas costas dele como se para faze-lo arrotar.

Meio envergonhado por quase ter esquecido o que sabia sobre aquela a quem amava, meio grato por ter alguém que sabia alguma coisa sobre um assunto no qual ele não tinha experiência nenhuma e que esperava que fosse necessário no futuro, fechou a boca e só olhou para ela, tentando entender que tipo de Joia Mahal havia posto em suas mãos, lembrando o que já sabia sobre ela, que havia tomado conhecimento na forja em Imladris.

“Como eu poderia esquecer o dia em que me contou isso?”

A memória daquele dia fez o anão sorrir enquanto relembrava.

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“Você ama mesmo o seu tio, posso ver.” Disse a elfa, sorrindo, enquanto prendia os espigões das pontas de flecha às hastes. Estavam batendo para numa boa enquanto faziam mais flechas, porque Ellen queria dar uma aljava completa para Arwen como presente, e Kíli tinha acabado de lhe contar uma história engraçada da infância.

“Claro que sim. Ele pode ser difícil de lidar, às vezes, mas ele é um tio realmente atencioso.” Kíli prendeu as penas em mais uma flecha e levantou-se para pegar uma caneca d’água. A forja estava quente aquela tarde, mas eles gostavam do lugar isolado. “Vejo que suas sobrinhas também te amam.”

Ela manteve os olhos na flecha que estava fazendo.

“Eu ajudei a cria-las. Eu tinha mais ou menos a idade que a Iris tem agora quando meus pais morreram num acidente de carro, e me mudei para a casa do meu irmão. Ele é doze anos mais velho que eu, do mesmo jeito que sou doze anos mais velha que a Lily, ele já era casado, a Lily tinha quatro anos quando eu me mudei para lá. A gente ainda não tinha superado direito a perda quando a Iris nasceu, e a mãe dela morreu no parto. Eu ajudei a cuidar das meninas.”

Houve um silêncio desconfortável onde Kíli não sabia o que dizer. Ele estava quase para tentar mudar de assunto para alguma coisa mais leve quando a elfa falou de novo, em voz muito baixa. A flecha inacabada ficou no banco onde ela estava sentada, os olhos no fogo que morria na forja, mas o olhar perdido em algum lugar no passado.

“Meu irmão estava escrevendo a tese de doutorado dele quando tudo aconteceu; ele não podia perder o prazo, senão ia ter que devolver a bolsa de estudos, e perderia o emprego no laboratório, e ele não podia dispor disso, era tudo o que ele tinha para nos manter; então ele trabalhava nisso e eu cuidava das meninas, apesar de que eu ainda estava no ensino médio; as meninas ficavam na creche metade do dia para eu poder assistir às aulas.” Ellen respirou fundo. “Toda noite, quando meu irmão voltava do laboratório, a gente se abraçava e chorava.” A voz dela diminuiu para um sussurro. “Eu tinha dezessete anos.”

Kíli não sabia o que dizer, em parte porque não tinha a menor ideia do que um laboratório ou um doutorado poderiam possivelmente ser, mas pôs a caneca de água numa bancada e chegou mais perto dela. Dezessete era uma idade precoce mesmo para uma humana passar por tudo aquilo. Ellen ergueu o rosto ao toque de um polegar áspero apagando uma lágrima de sua bochecha e olhou para ele com olhos azuis acinzentados e sofridos.

“Desculpa, eu não devia ter desabafado para cima de você, é só que faz muito tempo que eu não lembro essa parte da minha vida, e...”

Ela olhou para baixo de novo e engoliu um soluço. O anão passou a mão no cabelo dela gentilmente, acariciou seu ombro e fez com que ela se apoiasse em seu peito enquanto lágrimas silenciosas corriam de seus olhos, e Kíli falava suavemente com ela.

“Ei, está tudo bem, garota, está tudo bem...”

“Eu não devia te aborrecer...”

Ele fez com que ela olhasse para ele de novo, erguendo o rosto da elfa do tecido macio de sua camisa, tocando o queixo dela com dois dedos.

“Você não está, Ellen. Somos membros da Companhia, somos amigos, e amigos se importam um com o outro, e cuidam um do outro...”

O olhar sério nos olhos de esmeraldas escuras lhe deu força. A ideia de alguém como ele cuidando dela fez a elfa se sentir aquecida por dentro, e não era por causa do fogo da forja. Ellen estendeu uma mão hesitante para tocar a barba curta dele, sentindo o aroma almiscarado que emanava de seus músculos fortes tão perto dela, e sentiu sua respiração acelerar um pouco, assim como a dela, então perguntou, as sobrancelhas franzidas questionadoramente na testa.

“Você se importa comigo, meu amigo?”

“Eu me importo.” Ele acariciou o cabelo dela, e então traçou a linha de sua orelha pontuda. “Mais do que um amigo se importaria.”

Ela entrelaçou os longos dedos no cabelo dele, numa sugestão sutil.

“Você cuidaria de mim?”

“Eu cuidaria.” Ele se inclinou. “E vou cuidar.”

Era quase hora do jantar quando Fíli os viu voltando da forja com uma aljava cheia de flechas recém feitas, e perguntou para seu irmão em Inglishmêk, ao que Ellen estava alheia.

Por que demoraram tanto? Seu sorriso está tão largo que está quase mordendo as orelhas!

Kíli respondeu na mesma linguagem de sinais, sem mudar nada no sorriso.

Eu beijei a elfa!”

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Alguns dias depois um pequeno rebanho de pôneis e cavalos robustos deixou a Cidade do Lago carregado de provisões que durariam por muito tempo para a Companhia. Grande parte era comida desidratada, que seria reconstituída com as águas do Rio Corrente no devido tempo, de modo que era mais fácil carregar; as mulheres puseram metade da Companhia para descascar e picar nozes, e todos souberam que teriam lembas para garantir sua nutrição por vários dias; Lily descobriu que o herbolário tinha pimenta preta de Harad Distante, e Ellen lhe proveu o peso em ouro que custou; várias outras ervas medicinais também foram compradas, junto com diversas ataduras; estavam bem adentrados no outono, e sem saber quanto tempo levariam para realizar o que ousavam, também foram providenciadas roupas de frio e diversos itens de vestuário e cobertores.

A manhã em que partiriam nos barcos pesou sobre toda a Companhia. Haviam feito alguns amigos na Cidade do Lago, como efeito colateral de ter um banquete ou uma festa toda noite desde que haviam chegado, e também por terem feito suas sessões de treino na margem. Não havia espaço suficiente nos pequenos largos de madeira, feitos principalmente para o comércio; mesmo a pequena guarda da cidade costumava treinar em terra, e emprestou suas humildes instalações para a Companhia, ansiosos por ver o que eram capazes de fazer.

Sabendo o que poderiam ter que encarar em breve, Thorin decidiu mudar o foco do treino de um contra muitos para muitos contra um. As mulheres tinham algum treino em batalha campal quando lutavam boffering em seu velho mundo, mas mesmo então era uma luta contra oponentes do mesmo tamanho que elas. Não tinham a menor ideia de como poderiam realmente treinar como derrotar um dragão quando o exército de Erebor inteiro não tinha conseguido quando Smaug chegou. Claro que isso não podia ser discutido com Thorin na frente dos outros, mas Ellen e Bilbo realmente queriam falar sobre isso em algum momento. Era como se seu líder estivesse tentando ignorar a extrema calamidade que Smaug era, e eles sentiam que isso não faria bem para a missão.

A teimosia dele tornava impossível discutir assuntos de matar dragão com Thorin, e nos últimos dias nem mesmo Balin ou Lily conseguiam conversar com ele tocando o assunto do que seria feito quando finalmente abrissem a Porta dos Fundos, como se ele só pudesse focar um assunto de cada vez e tivesse que rejeitar qualquer menção a tópicos futuros. Talvez chegar mais perto da Montanha ajudasse a trazê-lo à razão.

O mesmo homem de cabelos escuros que os recebeu quando a Companhia chegou à Cidade do Lago foi um dos que os acompanhou rio acima, uma vez que não era só questão de remar e remar. O lago podia ser traiçoeiro, principalmente onde o Rio Corrente o alimentava, dois dias a remo da Cidade. Bard era um homem de humor obscuro, que não tinha rejubilado com a chegada dos anões como a maioria, considerando a ameaça real do dragão, mesmo que não se ouvisse falar de Smaug pelos últimos sessenta anos. Ele era da linhagem de Girion, último Senhor de Dale, cuja família escapou por pouco da destruição que veio com o dragão, tantos anos antes. Sua amizade para com eles era a de um irmão-em-armas, aquela de alguém que havia lidado com guerra antes, mas não muito mais do que isso. Ele não acreditava que Smaug estivesse morto, e, sendo o líder do primeiro barco, não tinha escrúpulos em discutir o assunto com Thorin enquanto os dois remavam. Era óbvio que não ia dar em nada.

Quando acamparam aquela noite na margem oeste, o humor de Thorin era aquele a que estavam bem acostumados, ou seja, sua nuvem negra pessoal flutuando sobre a cabeça. Deu ordens rapidamente e foi andar ao longo da margem sozinho, fumando seu cachimbo. Seus sobrinhos e seu gatuno perguntaram a Lily, que estivera com ele no primeiro barco junto com Balin, o que estava acontecendo.

“Ele não quer ouvir ninguém que o questione sobre como vai lidar com Smaug. Bard acha que a besta está viva, porque dragões vivem enquanto ninguém os matar, e não há notícia de que alguém o tenha feito. Ele disse a Thorin que o consideraria responsável por qualquer problema que o dragão possa vir a trazer para a Cidade do Lago se for atiçado.

“Entendo porque ele está aborrecido, mas isso não muda o fato de que existe um dragão e não temos nenhuma estratégia para lidar com ele.” Interveio Ellen. “Até onde sei, esses lagartões são quase invulneráveis, senão o exército de Thror teria lidado com ele quando veio. Existe um problema real e Thorin está ou ignorando a ausência de uma solução ou tem um plano que não quer compartilhar ainda.”

“Se Tio tivesse um plano ele compartilharia, tenho certeza. Já tentamos discutir isso com ele, não conseguimos uma só palavra.”
“Cascalho!” Xingou Lily. “Ele não pode esconder a cabeça num buraco do chã o como um avestruz, fingindo que não está acontecendo nada!”

“O que é um avestruz?” Perguntou Kíli, de olhos arregalados.

“Hmm, um pássaro grande e estúpido de Harad, por assim dizer.”

Fíli adicionou avestruz à sua longa lista mental de insultos, sorridente.

“Mas então, existe um ponto que não estamos ponderando.”

“Sim?”

“Não sabemos o que vamos encontrar quando chegarmos lá. Esperamos encontrar a Porta dos Fundos, mas e se não acharmos? Se acharmos, o que vamos fazer se não conseguirmos abri-la? Se abrirmos, o que vamos encontrar lá dentro? Não sabemos o que Smaug fez ao interior de Erebor, não temos como planejar!”

“O que quer dizer com não temos como planejar? Isso é o básico em planejamento estratégico, planejar sob condições de incerteza!” Ellen estava se sentindo ela mesma em seu próprio terreno e contou nos dedos. “Você coleta todos os dados disponíveis, filtra o que é relevante, delineia cenários possíveis, pondera as probabilidades, considera as alternativas, e traça uma matriz de abordagens ao problema! É tão simples!”

Olharam para ela de um jeito estranho.

“Hmm, Titia, você já fez alguma coisa dessas sem um computador à mão?”

“Lily, um computador é só uma ferramenta. Bonaparte, Churchill, Júlio Cesar, Alexandre Magno, Gengis Khan, Sun Tzu, você acha que eles tinham computadores?”

“É claro que não, mas eles não tinham um dragão para matar com só uma dúzia e meia de guerreiros.” (1)

“Que falta de fé, querida; eles não tinham os guerreiros que nós temos!”


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Notas finais do capítulo

1 – Trocadilho intraduzível; no original a expressão “a dozen and half warriors” da qual Bilbo interpreta o ‘half warriors’ como ‘meio guerreiros’ e mistura com ‘halfling’



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