Lealdade, Honra, e um Coração Disposto escrita por Dagny Fischer


Capítulo 24
Capítulo 24 – Na Cidade do Lago




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“Companhia!” O chamado de Thorin fez com que todos lhe prestassem atenção imediatamente. Todos já haviam cumprimentado a todos, certificaram-se de que seus entes queridos estavam bem apesar de molhados e com frio, e agora era hora de cuidar de seus afazeres. “Estamos perto da Cidade do Lago agora e a noite está caindo. Todo mundo está em condição de andar um pouco para chegar na cidade dos Homens? Se não, os que estão irão adiante e trarão ajuda de volta. Nenhum de nós vai ficar nos ermos essa noite.”

Lily pensou que era uma mudança e tanto. Pelo pouco que o conhecia, em situações semelhantes ele simplesmente comunicaria que iriam até a cidade e essa seria toda sua fala. Coisas estranhas deviam ter acontecido a ele durante sua estadia nos calabouços do rei elfo. Apesar de doloridos e sensíveis, todos acreditavam que conseguiriam ir até a cidade, Ter seu rei solícito sobre suas condições apenas fez os tornou ansiosos em demostrar que eram merecedores da preocupação dele. E assim dirigiram-se para a ponte da cidade, cumprimentando os coletores de barris que estavam indo para a curva do rio do onde eles estavam vindo com um aceno e um abanar de mão, como se estivessem simplesmente vindo de um piquenique, deixando os homens sem nenhuma pista sobre o que estava acontecendo.

A noite estava se fechando sobre eles quando chegaram à ponte; um par de tochas saiu da guarita e um homem de cabelos escuros perguntou a que vinha, por cima da paliçada.

“Sou Thorin Escudo-de-Carvalho, filho de Thráin, filho de Thror, Rei Sob a Montanha, e voltei para reclamar Erebor. Quero ver o Mestre da Cidade do Lago.”

Com um olhar desconfiado para o bando de ratos semi-afogados que carregavam armamento pesado, apensar de que o que podia ser visto estava embainhado, o homem falou em voz baixa com o outro carregador de tocha e aquele aparentemente correu ambora. A Companhia esperou pacientemente, enquanto Ellen comentava com as sobrinhas que isso lhe lembrava de quando Sir Shackleton voltou para a cidade de onde ele e sua tripulação haviam partido no Endurance, um navio de três mastros, quase de um ano e meio antes, para tentar cruzar o polo sul.

“O que aconteceu com eles?” Perguntou Ori, o sempre bom ouvinte de histórias.

“É uma história longa, para ser contada em outra ocasião, mas em resumo a jornada deles era para ser quase como cruzar a Helcaraxë a pé depois de chegar perto o suficiente de barco, mas o barco ficou preso no gelo antes do que deveria, e os vinte e oito homens tiveram que voltar pelo caminho que vieram no frio extremo e com poucos suprimentos. Ninguém esperava vê-los de volta seis estações depois, todos eles vivos. O último trecho foi feito por seu líder mais dois de sua tripulação, e o mestre da cidade entrou em choque quando ele chegou à sua porta e disse ‘Eu sou Shackleton’, como nosso líder acaba de dizer ao vigilante do portão quem ele é.”

“Que história espantosa, Senhora Ellen. Adoraria ouvi-la em mais detalhe quando possível.”
“E eu vou adorar te contar, pelo menos o tanto que eu me lembro.

“É incrível imaginar que isso foi realizado por humanos.”

Dori deu o seu melhor para remendar a mancada do irmão.

“Shh, Ori, estamos para entrar numa cidade de humanos, por favor finja que é bem educado!”

Iris esta perto e não tomou as coisas tão levemente; estava quase tão zangada como se a tivessem chamado de filhote.

“Não esqueça, seu peste, que há três pessoas humanas de nascença nessa Companhia, e...”

Mas então o segundo vigia voltou e a ameaça dela teve que ser postergada.

“O Mestre diz que o povo de Durin é benvindo na Cidade do Lago, se estiver vindo em paz.”

Os homens olharam para eles cautelosamente, apenas então percebendo que não havia só anões no bando. Thorin percebeu o olhar desconfiado e respondeu de acordo.

“Nosso povo e os que nos acompanham não tem intenção de guerra para quem não vá levantar obstáculos a nossa busca pelo que é nosso por direito.”

“Então, me sigam; ele está no salão da cidade.”

E eles o seguiram e à sua tocha, mais uma meia dúzia de guardas, toda a Companhia caminhando orgulhosamente apesar de vestida com roupas esfarrapadas e úmidas e algumas manchas roxas da corrida de barril. Era óbvio que o vigia havia falado à algumas pessoas sobre o que estava acontecendo, uma vez que havia velhas lendas e canções que diziam que Thror voltaria e que o ouro fluiria da Montanha Solitária para a Cidade do Lago mais uma vez. Como se isso tivesse acontecido alguma vez antes, note-se. Todos aqueles pescadores e mercadores não estavam nada preocupados que não era realmente Thror, mas seu neto, para eles tudo era motivo para esperança em dias melhores.

Enquanto caminhando para o salão da cidade, Ellen não pôde deixar de encarar as construções de madeira e perguntou a Balin, que costumava ter respostas melhores do que o resto da turma.

“Irmão, por que eles construíram tudo em madeira no meio do lago?”

“Até onde sei, é para estar a salvo do fogo de Smaug.”

“O quê? Eles são loucos?”

“O que quer dizer?”

“Como usar matéria-prima inflamável para construir numa área aberta pode prevenir que seja queimada por uma coisa que voa e cospe fogo? Ou eles imaginam que Smaug viria todo gentil até o portão da ponte e perguntaria educadamente se ele poderia entrar, por favor?”

Ela estava falando baixinho, para não ser ouvida pelo povo da Cidade do Lago que estava curioso sobre eles e veio ver a passagem da estranha procissão, mas Kíli estava perto dela e deu o melhor de si para esconder uma risada abafada.

“Talvez pensem que podem usar a água do lago para molhar as casas. Mas concordo com você, se a Fortaleza de Erebor não pôde manter Smaug de fora, como pode ser imaginado que uma cidade de madeira possa resistir um ataque?”

Os três balançaram a cabeça em uníssono e mantiveram o passo, sorrindo amistosamente para os habitantes locais, fingindo que não ouviam os sussurros em volta. “Aquilo é uma guerreira?” “Olhe, um anão de barba curta!” “Eles viajam com as mulheres?” “Eu achava que anãs nem existiam!” “E aqueles dois, são crianças?” “Olhe todas aquelas tatuagens!” “Por que é que tem uma elfa com eles?”

Thorin não gostava de toda aquela fofoca em torno da Companhia, mas se as pessoas iam falar de qualquer jeito, então que tivessem alguma coisa para falar, pensou, enquanto olhava ligeiramente para trás para captar o olhar de Lily. Ela era naturalmente tímida, pelo menos desde que caíra na Terra-média, mas a ordem silenciosa dele não era para ser negada. A anã apressou o passo um pouco, de modo que não pareceria que estava correndo até ele, e quando ela chegou perto ele alcançou a mão dela e a manteve na sua, sem nem uma palavra.

Quando entraram no salão da cidade houve um alvoroço de espanto e surpresa. O Mestre era um homem esperto e antecipou que poderia capitalizar com a situação toda quando o vigia do portão lhe disse quem estava vindo, então recebeu Thorin calorosamente como se fosse um velho companheiro, e providenciou que toda a Companhia fosse bem tratada e alimentada. Sua habilidade em gerenciar as coisas rapidmente ficou evidente quando um depois do outro os hóspedes inesperados foram chamados discretamente por uma aia ou um criado, de acordo com o gênero do indivíduo, e levados para um dos muitos aposentos do grande salão, onde recebiam roupas para vestir no lugar das úmidas que estavam usando. Nem tudo servia perfeitamente, mas pelo menos estava seco. Lily e Iris usaram vestidos pela primeira vez desde Imladris, e Ellen esperava que não considerassem que o que estava vestindo tivesse a saia curta demais, mas sua altura de elfa era mais difícil de lidar do que a pouca altura de suas sobrinhas, ou assim pensava; manteve as botas de trilha, de qualquer forma, para cobrir os tornozelos e metade do caminho até os joelhos, de forma que o comprimento do vestido não importaria. Mais tarde as garotas lhe questionariam se achava que era fácil espremer seios de verdade em vestidos feitos para crianças ou, no máximo, para jovens adolescentes. Bombur deu jeito de se enfiar numa camisa grande, mas nenhuma calça lhe serviu e ele ficou com as úmidas mesmo.

As irmãs se sentaram juntas e tentaram emendar os fragmentos de informação num mosaico decente, mas além do tédio de ficar nos calabouços as coisas eram bizarras demais. Iris quase não entendia o que tinham visto antes dos elfos os aprisionarem.

“Que raios foi aquele trio de bruxos adolescentes em Mirkwood? Pensei que tínhamos caído na Terra-média, não em Hogwarts!”

“Sim, caímos, mês tenho certeza de que aquele brasão era da Grifinória, e isso é coisa de Harry Potter!”

“Talvez fossem só pessoas como nós num LARP e que caíram aqui na Terra-média também?”

“Hmm, boa teoria. Isso explicaria até as varinhas mágicas deles funcionando, do mesmo jeito que as nossas boffers se transformaram em armas de verdade.”

“Mas não seria muita coincidência ter outro grupo de jogadores de LARP caindo aqui?”

“Mas qual é a alternativa? Também seria coincidência demais se dois mundos que conhecemos como livros de ficção existissem de verdade.”

“Bom, se pensarmos em que coincidência foi sermos encontradas pelo Radagast e então pela Companhia...”

“Aye, você está certa.” (1)

Iris deu uma risadinha.

“Você já está falando como uma anã!”

Lily cotovelou a hobbit.

“Qual o problema? Na verdade, eu sou uma anã, se ainda não percebeu!”

Iris mordeu uma torta de maçã e arregalou os olhos.

“Lily, e se se eles são reais e nós não?”

“O que quer dizer?”

“As histórias! Todas as histórias! Terra-média, Hogwarts, Narnia, Star Wars, todas essas histórias, e se elas forem reais e nossa Terra for um livro?”

A anã balançou a cabeça e tirou a caneca de vinho de Iris do alcance dela.

“Fíli, seu peste, o que você misturou no vinho da Iris?”

ooo000ooo

Alguns dos elfos do reino de Thranduil que estavam lá reconheceram Ellen, e começaram a questiona-la.

“Não é essa aquela que era hóspede nos salões de nosso rei alegando que havia sido prisioneira dos anões? Por que está aqui entre nossos inimigos?”

Ela não pôde deixar de sorrir, enquanto se achegava mais perto de Kíli para deixar evidente que os elfos tinham sido enganados.

“Veja só, parece que esses terríveis anões me sequestraram de novo!”

Os anões caíram na gargalhada, enquanto os elfos ficavam vermelhos de raiva.

“Isso é traição! Nosso rei confiava nela!”

Ellen riu de coração, com um sorriso malandro no rosto, pensando consigo mesma. “É, ele confiava tanto em mim que eu era trancada no meu quarto toda noite e tinha um vigia permanente comigo durante o dia todo.” Mas dizer isso seria um tanto agressivo, e decidiu apenas continuar a provocação.

“Veja só, seu rei pode ter algo a aprender ainda; meu rei, pelo menos, sempre diz que ‘não se pode nunca confiar num elfo’. Deveriam aprender com ele.”

O Mestre da cidade não sabia como lidar com isso, mas Thorin resolveu as coisas para ele.

“Senhorita Ellen, por favor; estamos aqui como hóspedes do Mestre da Cidade do Lago, cidade de Homens, que nos reconhecem em nosso direito; você não tem que responder a acusações infundadas de outros hóspedes.”

Ela sorriu de volta para seu rei e amigo, assentindo em concordância como uma boa menina, sabendo que ele estava tão entretido quanto ela, mas mais determinado a ser diplomático naquele momento. Ellen tinha tido sua dose de diplomacia em Mirkwood e precisava de um pouco de travessura para recuperar sua sanidade mental. Os elfos de Thranduil levantaram e saíram muito aborrecidos, o que não teve efeito nenhum a não ser fazer a Companhia toda rir estrondosamente.

Depois do dia inteiro de viagem de barril, a Companhia precisava de um longo jantar para se recuperar, mais um monte de cerveja também, e isso foi tempo suficiente para os criados do Mestre providenciarem uma casa onde foram confortavelmente hospedados. Bilbo foi o primeiro a ir para lá, tremendo de frio mesmo em suas roupas secas. Logo a maioria dos ouros o seguiu, e apenas alguns dos mais jovens e dos mais teimosos ficaram, ou seja, os Durins e as mulheres. O próprio Thorin bebeu pouco, sabendo que tinha que estar alerta para lidar com o Mestre, e fez o melhor possível para postergar para o dia seguinte qualquer negociação importante; mas, conhecendo seus sobrinhos, não faria mal manter um olho neles enquanto estivessem bêbados. Só por via das dúvidas.

Enquanto estavam andando para a casa onde a Companhia estava, duas famílias juntas como ninguém imaginaria meio ano antes, Ellen perguntou a Thorin algo que estava em sua mente já há algum tempo mas parecia que nunca aparecia oportunidade de mencionar, e agora, tendo a Montanha Solitária tão perto, ela se lembrou.

“Thorin, quando você era contra eu e Kíli ficarmos juntos, um dos seus argumentos era que eu voltaria para o meu mundo depois que chegássemos em Erebor.”

“Sim?”

“Mas por que você não se importou com isso enquanto achava que era Iris que se juntaria a Fíli?”
Ele riu baixo.

“Ela é mais nova, e de modo geral pessoas mais jovens são mais dispostas a mudar de opinião do que adultos como você.”

“Então…?”

“Não foi ela que havia se posto em risco desafiando meu melhor guerreiro para garantir sua ida a Erebor. De alguém que tinha aquela determinação para encontrar o Portal, não se esperaria que abrisse mão.”

“Entendo.” Ele olhou de relance para Kíli, caminhando a seu lado, de mãos dadas, sorrindo para ela um sorriso meio ébrio, e assentiu em concordância. “Mas às vezes é preciso abrir mão de coisas que um dia foram importantes em prol de outras, que são melhores.”

ooo000ooo

No dia seguinte Bilbo era pura febre, dado que aparentemente o dia inteiro na água fria havia cobrado amis dele do que ele tinha para dar. Óin estava pregado no sono, ao que parecia com uma tremenda ressaca, então Thorin mandou buscar um curandeiro e pediu a Lily que o observasse trabalhando de modo que pudesse aprender alguma coisa, já que era tão boa com erva. O curandeiro foi prontamente providenciado, mas o homem insistia em aplicar sanguessugas para baixar a febre. Considerando que seu mundo anterior tinha tido sua própria Idade das Trevas muito tempo antes, Iris e Lily estavam para defenestrar o pobre camarada por suas crenças medicinais quando Ellen interveio, com uma rápida piscadela.

“Meninas, por favor, deixem o curandeiro trabalhar. Eu sei que não gostam disso, mas façam como Iris sempre faz para sua querida Tia, vamos? Quanto mais cedo ele começar, tanto mais cedo Bilbo ficará melhor.”

O próprio Bilbo estava fraco demais para protestar, mas seus olhos arregalados ante a perspectiva de ter uma coisa sugando seu sangue mostrava o que ele pensava disso. Iris concordou, percebendo que Ellen tinha algo em mente, e o curandeiro saiu para buscar a sanguessuga medicinal, prometendo que voltaria em um minuto. Lily atiçou o fogo na lareira, adivinhando para onde isso iria levar. O hobbit se voltou para a elfa.

“Se eu sobreviver a isso, te mato!”

“Não, você não vai, caro colega. Vamos fazer como Iris sempre faz comigo, e vai ficar tudo bem.” Ela se voltou para a garota. “Iris, querida, ache seus irmãos e providencie alguma distração para o curandeiro logo que ouvir Bilbo gritar.”

“O quer dizer?”

Bem nesse instante o curandeiro estava de volta, com uma coisa escura parecida com uma lesma no fundo de um balde. Iris saiu do quarto e os deixou cuidando do hobbit. Ela sabia que muito tempo atrás se acreditava que sangria era o melhor remédio para aplacar febre porque quando a pessoa perdia sangue o rosto ficava pálido e a temperatura realmente caia, mas por nenhum outro motivo do que por efeito colateral da hipovolemia.

O curandeiro escolheu o lado esquerdo da barriga de Bilbo para aplicar seu remédio, e Ellen e Lily, cheias de boa vontade, ajudaram-no a imobilizar o pobre hobbit. Como esperado, o paciente gritou assim que o verme tocou sua pele, e no mesmo instante um baque alto e um grito foram ouvidos da sala de estar.

“Que sorte que está aqui, mestre curandeiro, por favor vá ver o que aconteceu lá na sala, tenho certeza de que alguém precisa de suas habilidades bem nesse instante!”

Lily empurrou o homem para fora do quarto, fechando a porta atrás dele.

Ellen já tinha pego um carvão da lareira, tocando apenas as partes completamente pretas, e Lily ergueu a camisa de Bilbo para expôr a sanguessuga. Bilbo estava para entrar em pânico vendo a elfa vir até ele com uma brasa viva na mão nua, mas a anã o calou prontamente.

“Se você gritar, eu chamo o curandeiro!”

O pobre hobbit engoliu em seco à isso, preferindo ter aquelas duas não-curandeiras com uma brasa perto dele do que aquele maldito curandeiro e sua sanguessuga ainda mais maldita. E por falar em sanguessugas, a coisa se enrolou sobre si mesma e soltou a mordida assim que Ellen tocou sua cabeça com o carvão em brasa, deixando um pequeno ponto sangrento onde havia estado. Lily pegou a coisa repugnante e jogou pela janela aberta. Ellen pôs um lenço sobre o ponto que sangrava, então baixou a camisa de Bilbo e subiu o cobertor. Foi o tempo certo para o curandeiro voltar.

“O que aconteceu lá foram, senhor?”

“Ah, nada sério, alguns dos anões estavam treinando como arremessar a pequenina e ela foi derrubada numa mesa, mas nada se quebrou.” Percebeu que o paciente estava coberto. “A sanguessuga se firmou bem?”

“Sim, sim, apenas o cobrimos com o cobertor para que fique mais confortável. Quanto tempo precisa ficar aí?”

O curandeiro pensou um pouco.

“Geralmente, eu deixaria por um dia inteiro, mas, considerando o tamanho dele, pode ser retirada ao pôr do sol. Estarei aqui para fazer isso.”

“Não, não é necessário se incomodar por causa de uma coisinha assim, apenas diga como devemos puxar a coisa?”

“Na verdade, não pode ser puxada.” Ele disse em voz baixa como se estivesse contando um segredo mágico. “Precisa ser queimada. Pegue um graveto de pinheiro, acenda e chegue perto com ele. Pode chamuscar um pouco o paciente, mas ainda é o melhor jeito de remover uma sanguessuga, podem confiar. Não se esqueçam, tem que ser um graveto de pinheiro, nenhuma outra madeira vai funcionar!”
Ellen lhe deu seu melhor olhar arregalado de ‘estou abismada’ e o conduziu até a porta da frente, agradecendo por seus conhecimentos de cura estupefacientes. Assim que ficou for a de vista e de audição, ela fechou a porta, apoiou-se nela e riu até lágrimas saírem dos olhos, assim como faziam Lily e Iris; Thorin, seus sobrinhos e alguns outros anões olhavam para elas sem entender patavinas.

“Então, posso saber o que se passa?” Perguntou o rabugento líder da Companhia.

“Nada... mesmo...”

Nenhuma delas tinha conseguido parar de rir completamente, e ainda tentavam recuperar o fôlego.

“Lily, aprendeu alguma coisa com o curandeiro?” Interrogou Thorin.

“Com certeza!”

Ela gargalhou, e se passaram mais cinco minutos de riso sem sentido. Quando se acalmaram de novo, a voz fraca de Bilbo foi ouvida vinda de seu quarto, pedindo água.

“Está se sentindo melhor, meu amigo?”

Thorin perguntou a seu gatuno favorito.

“Melhor! Muito melhor, agora que aquele maldito curandeiro está longe daqui. Sanguessugas! Ele queria me sangrar com sanguessugas!” Bebeu a água, tentando aplacar sua sede febril. “Ellen, o que foi aquela conversa sobre fazer as coisas como Iris sempre faz? Eu não entendi bulhufas!”

A mulher riu com força.

“É bem simples, Bilbo. Quando eu falo para Iris fazer alguma coisa de um jeito, ela finge que concorda e quando eu viro as costas ela faz do jeito dela. É isso que fizemos com o curandeiro! Agora ele está feliz e contente que seu tratamento foi seguido e não vai mais te perturbar.”

“Mas por que é que tínhamos que concordar com o tratamento dele para começo de conversa? Era o meu sangue indo para dentro daquele verme!”

Ellen deu jeito de controlar o riso, e disse com seriedade.

“Porque precisamos da ajuda dessa cidade; se rejeitássemos abertamente seu curandeiro mais capacitado no primeiro dia que estamos aqui, poderiam se ressentir e ficar menos dispostos a nos ajudar. Lamento pelo sangue derramado, mas foi por uma boa causa.”

Thorin balançou a cabeça.

“Tenho que concordar que vocês três têm um jeito muito estranho de lidar com situações complicadas, mas funciona. Mesmo que agora toda a Cidade do Lago vá fofocar por um ano e um dia sobre o treinamento estranho de meus sobrinhos.”

“Não se preocupe, Tio, dissemos ao curandeiro que era para eu pular em lugares mais altos quando chegarmos à Montanha Solitária e tivermos que escalar; eu apostaria uma lata de atum, se tivesse uma, que ele acreditou.”

Thorin ainda achava estranho ser chamado de ‘tio’ pela hobbit pestinha ruiva, mas como era Irmãzinha de seus sobrinhos, ela era, tecnicamente, uma espécie de tio para ela, também. Voltou-se para Lily.

“Agora, o que pode dizer que aprendeu com o curandeiro, minha senhora?”

Ela riu de novo.

“Posso dizer que uma mulher curiosa do meu antigo mundo com um pouco de conhecimento sobre ervas pode ser mais efetiva que um curandeiro dessa cidade de Homens.” Então ponderou. “É claro que não tenho conhecimento em matérias que ele deve ser habilidoso, como dar pontos, posicionar ossos quebrados, parto, mas acho que posso lidar com ferimentos pequenos e algumas doenças fazendo mais bem do que mal. Por falar nisso, preciso arrumar algumas ervas para ajudar Bilbo.”

O hobbit acenou com a mão para ela, enquanto alcançava um lenço limpo com a outra.

“Buito obrigado!”

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Lily mal tinha posto o pé para fora da casa e foi cercada por pessoas curiosas que apupavam qualquer membro da Companhia que se atrevesse a mostrar o nariz. Ela acenou com a mão, sorriu acanhadamente e voltou para dentro de casa. Nada em sua vida a havia preparado para ser o centro das atenções daquele jeito, e lá em Imladris as pessoas eram muito gentis com ela, nenhum elfo nunca ficou encarando como essas pessoas, nem mencionando nada sobre ela ser uma anã-guerreira-errante. Pessoas humanas pareciam tão grosseiras em comparação que Lily estremeceu de pensar que ela poderia ser como eles em outras circunstâncias.

“Não sei se dou conta de sair daqui sozinha. Essa turba está lá fora o tempo todo?”

Estava. Quando ela estava no quarto de Bilbo não conseguia ouvir, mas as pessoas estavam lá, cantando velhas canções sobre o retorno do Rei Sob a Montanha e toda riqueza e fortuna que correria pelo Rio Corrente desde a Montanha até a Cidade do Lago. Thorin não gostava muito do que estava implícito naquele tipo de canção, mas tinha que lidar com isso porque ele realmente precisava da ajuda da Cidade do Lago para atingir seu objetivo. Precisariam de provisões, roupas, transporte, várias coisas que ainda iam ter que ser negociadas com o Mestre e ele achava que lhe custariam mais do que seria justo. Seu forte instinto de anão procurou um jeito de proteger sua joia.

“Se preferir ficar, apenas diga que ervas você precisa e serão providenciadas, Quer ver um herbolário ou prefere procurar no campo pelo que precisa?”

Ela pensou por um momento.

“Não sei. Há cosias que podem ser achadas em qualquer quitanda, sói preciso ver o que está disponível; não sei que tipo de plantas podem ser achadas no campo, e quanto tempo levaria para eu acha-las; talvez um herbolário possa ajudar bastante, mas não sei se as ervas que eu conheço têm o mesmo nome aqui, então eu teria que vê-las para ter certeza.”

“Posso pedir que um herbolário venha aqui; você pode discutir os usos das plantas que precisa e pegar as que escolher.”

“Não, se não vamos rejeitar o tratamento prescrito pelo curandeiro abertamente, então não podemos chamar um herbolário aqui. Eu preciso sair.” Lily olhou nos olhos de Thorin com uma nova chama e resolução brilhando neles. “E não posso me esconder aqui como se precisasse ter vergonha, sou um orgulhoso membro da Companhia de Thorin Escudo-de-Carvalho e se acredito que tenho coragem de encarar um dragão então preciso ter a coragem de encarar um bando de pessoas curiosas.”

“Então vamos às compras.”

ooo000ooo

Não levou mais que duas horas para Lily coletar tudo que queria e um pouco mais. Quando ela, Thorin, Kíli e Dwalin voltaram para casa, tinham não só as ervas e comidas que seriam preparadas de certa maneira para favorecer a recuperação de Bilbo mas também presentes que as pessoas lhes deram enquanto atravessavam os caminhos de madeira da cidade. Alguns deles eram embaraçosos, mas não podiam rejeitar nenhum, para não ofender quem via neles a esperança da chegada de uma nova era de riqueza e abundância.

O primeiro presente a ser feito mau uso foi uma garrafa de uma aguardente muito forte, da qual Lily misturou um copo com água fresca e deu para que Iris umedecesse um pano e limpasse o rosto e os braços de Bilbo. Não era exatamente álcool puro, mas funcionaria. Ele estava adormecido, mas suando profusamente devido à febre; Iris tinha tirado o cobertor dele para que se refrescasse, mas então ele começou a ter calafrios e ela não sabia o que fazer. Pouco depois Lily entrou com uma caneca de chá para o hibbit e o acordaram para que bebesse.

“Como está se sentindo?”

“Como se um olifante tivesse me atropelado.”

Ele tomou um golinho para experimentar e achou que o sabor era bom, ao contrário do que temia. Chás de curandeiros não costumavam ter um sabor tão bom. Lily havia esfriado o chá de sabugueiro com suco de limão e adicionado mel.

“Consegue respirar fundo?”

Ele tentou.

“Sim.”

“Alguma dor quando faz isso?”

“Hmm, não. Não mais do que meu corpo todo dói, de qualquer forma.”

“Isso é bom.” Ela pegou a caneca vazia de volta. “Bombur está cozinhando uma canja para você, vai fazer com que se sinta melhor. Espero que goste de alho. Durma o máximo que puder, o seu corpo precisa de repouso para se recuperar. Iris, garanta que ele beba muita água e qualquer chá que eu traga para ele depois.”

E assim a nova aprendiz de curandeiro oficial da Companhia deixou o quarto e seu paciente sob os cuidados de Iris.


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Notas finais do capítulo

1 – A expressão ‘aye’ ficou impossível de traduzir, porque é mais como uma gíria para dizer ‘sim’ ou simplesmente concordar com algo, que não temos em Português. Se alguém tiver alguma sugestão, por favor mande!



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