Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olá, caro leitor! Mais um capítulo! Peço desculpas pela demora, mas a verdade é que sou absolutamente incapaz de seguir um rotina. Eu queria de início postar um capítulo a cada dois dias, daí eu quis postar um a cada três dias, depois decidi postar dois capítulos por fim de semana, agora quando eu conseguir postar já vai ser uma vitória! Sou muito caótica, e estou percebendo isso agora que tenho uma história para terminar. De qualquer forma sou infinitamente grata a qualquer um que leia este texto, eu meditei muito para escrevê-lo. Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/584139/chapter/5

Mãos à frente do rosto. Pernas cruzadas. Dedos inquietos. E um olhar assassino.

Foi assim que John Watson encontrou Sherlock Holmes em seu retorno à rua Baker, logo após ter deixado Lestrade e Dimmock no apartamento de Margareth Plummer. Ele jazia sentado, perdido em seus pensamentos, mas visivelmente irritado.

John não gostou disso. Sherlock não fazia coisas boas quando estava irritado.

Ele cumprimentara a Sra. Hudson, que limpava as janelas enquanto cantarolava alguma música latina, subira as escadas e entrara no apartamento do segundo andar. Seu antigo apartamento. Ao ver Sherlock, perguntava-se o que havia lhe estragado o humor.

—Ah, John, entre! — John olha imediatamente para a cozinha. Lá ele encontrou o motivo do mau humor do amigo.

—Olá, Mycroft.

O irmão mais velho de Sherlock Holmes sorriu. John não correspondeu. Detestava o sorriso daquele homem, pois parecia um misto de desprezo, superioridade e sarcasmo. Lembrava uma mãe olhando o filho que acabou de descobrir que ela estava certa todo o tempo. John não gostava quando alguém o olhava dessa forma. Mycroft achava graça da estupidez de cada um ao seu redor. Mycroft ria-se do mundo em seu sorriso.

—Como eu dizia... — começou Mycroft, voltando-se para Sherlock, que sequer se movera todo o tempo. — Se algo o deixa vulnerável, o correto e esperado de um ser pensador é que ele se livre o mais rápido possível deste algo. — ele olhou o irmão de modo repreensivo. — Devia me ouvir, pelo menos desta vez.

—Estou ocupado.

Mycroft fechou o cenho. Para John a resposta de Sherlock não queria dizer nada, mas o Holmes primogênito saiu da cozinha, caminhando devagar de forma ameaçadora.

—Você vai se perder de novo.

—Estou ocupado.

—Vai retornar ao estado decadente que o traduzia tão bem, um pobre coitado e incompreendido, talvez até volte a seus vícios, e não serei eu quem vai contar isso a mamãe, desta vez você vai contar.

—Será que alguém pode traduzir essa conversa? — interrompe John.

—Você é controlador. É egoísta. — Mycroft pareceu não ouvir a pergunta de John. Prosseguiu dando um sermão no irmão mais novo. — É possessivo como uma criança de 4 anos, e como uma criança de 4 anos adora fazer de outros seus brinquedinhos pessoais.

—Eu faço dos outros meus brinquedinhos? — diz Sherlock, encarando o irmão. — Não fui eu quem transformou o Parlamento num playground pessoal.

—É o meu trabalho. — Mycroft disse, categórico. — Eles me obedecem por que sou eu quem os mantém lá. Eu controlo as peças por que o tabuleiro é meu. Eu mantenho um equilíbrio necessário para que você e todas as pessoas neste país tenham um mínimo de segurança. — Sherlock solta uma risadinha maldosa. — Você por outro lado faz isso por pura diversão.

—É o meu trabalho.

—É a sua distração. Está entediado, e como não tem mais nenhum divertimento morando com você neste apartamento você está querendo outro, — Mycroft já falava entredentes. — eu tenho responsabilidades, tenho deveres, e, portanto não tenho tempo para dar atenção aos seus distúrbios comportamentais. Você não passa de um pirralho birrento.

—E você não passa de um almofadinha presunçoso.

—Você não é tão forte.

—E você não é minha mãe.

—Não sei se isso importa, mas eu ainda estou aqui! — exclamou John, acenando. Os dois Holmes o olham, como se só agora tivessem percebido sua presença. — Só para ficar anotado eu acabo de voltar do apartamento de Margareth Plummer e... Prefiro não saber do quê vocês estão falando.

—Ah, sim, o caso da blogueira morta... O que descobriu lá? — sorriu novamente Mycroft, olhando John e depois voltando-se para Sherlock. — Ilumine meu querido irmão. Com certeza ele adorará saber que você se sentiu um completo estúpido não vendo o que ele veria se estivesse lá.

—Ora seu... — John segurou um xingo caprichado. — Ele não precisa ser iluminado.

—Apenas amarrado. — completou Mycroft. — E acorrentado no fundo de um sanatório bem confortável.

—Acho que você devia acompanhá-lo. — diz John. Sherlock sorriu largamente, se levantando de sua poltrona e indo até a parede atrás de John, enquanto Mycroft franzia o nariz em desprezo.

—Encontrou o diário? — diz Sherlock, retirando um papel do bolso e pregando-o sobre o papel de parede. Só então John percebeu que a parede atrás de si estava repleta de anotações e fotos, pregadas num mural imenso e, para ele, sem muito sentido. Nas fotos, mulheres, tanto em suas versões vivas e sorridentes como em suas versões mortas e inertes. Uma péssima visão para qualquer um que entrasse no apartamento.

—Sim, os policias o encontraram numa gaveta embutida dentro do closet, e Dimmock está com ele agora. Sei que você gosta de estudar as provas antes deles, mas não havia como eu trazê-lo.

—Dimmock nunca encontrará a combinação certa, não é inteligente o suficiente, não vai querer estragar uma prova e trará o diário aqui, você fez um bom trabalho.

John observa o mural.

—E você redecorou a sala.

—Preciso de ajudas visuais para pensar mais rápido.

—Mas tinha que ter fotos de mulheres mortas?

—São sete num total, Margareth Plummer e as seis vítimas anteriores do assassino sem rosto.

—Que nome original... — murmura Mycroft.

—Não me lembro de pedir sua opinião. — disse Sherlock, levantando a voz.

—Não precisa, você nunca foi muito criativo para passatempos quando está aguardando informações.

Sherlock se vira para Mycroft.

—Você não quis jogar Cluedo.

—Eu prefiro fazer cirurgias.

—Você nunca retira o órgão certo.

—Estamos ainda falando de brinquedos, não é? — diz John.

—Veja quem fala, — Mycroft disse. — o homem que teima que o assassinato foi cometido pela vítima.

—É a única solução possível.

—Voltaram a falar do Cluedo?

—Mycroft adora brinquedos de cirurgia. — explica Sherlock.

John cruzou os braços, incrédulo.

—Está falando daqueles que acende luz e apita quando você tira o órgão errado?

—Aquelas luzinhas me assombram... — murmura Mycroft.

—A mãe de vocês não lhes deu brinquedos quando criança?

Os dois irmãos se calaram, pensativos. Mycroft deu de ombros.

—É melhor do que ouvir violinos...

Sherlock soltou um suspiro impaciente.

—Mycroft, você não tem nenhuma crise internacional que te tire permanentemente do meu apartamento?

Mycroft Holmes pegou seu longo guarda-chuva, caminhando até Sherlock e fitando-o fixamente.

—Aí está o seu problema, irmãozinho... — ele o encara, e seu sorriso retorna. — Você só deseja estar com o que te destrói. Bom dia.

O irmão mais velho se retira, e Sherlock volta a observar seu mural, como se nada tivesse acontecido.

—O Rembrandt era original? — pergunta de repente.

—Como vou saber?

Sherlock se afastou da parede, como se quisesse ver as fotos e anotações num todo. Levanta as mãos, como que medindo seu trabalho.

—Isto é o que temos. Cada informação angariada até agora está aqui nesta parede. E não é o suficiente.

—Por que não?

—Montar perfis é fácil, pode se fazer isso com um botão de camisa ou um sapato velho, preciso de algo que me leve diretamente ao assassino. Lembra-se do nosso primeiro caso?

—Sim, a mulher de rosa. O que ela escreveu antes de morrer nos levou ao taxista.

—E quando fomos chamados àquele banco no centro de Londres?

—O banqueiro cego, havia a tatuagem no calcanhar dos cadáveres que nos levou à Black Lotus.

—E quanto ao primeiro encontro com Moriarty?

—Ele deixava pistas, o tênis, o celular, a apresentadora de TV... Tudo nos levou a uma piscina, a você apontando uma arma para a cabeça de Moriarty e a mim com um colete-bomba. — John levantou os ombros, desconfortável com a lembrança. — Eu sei, sempre há aquela pista na qual você tropeça e que revela o que você precisa saber.

—Eu não tropeço em provas, John, elas não são pedras, são borboletas arredias. Você tem de pegá-las no ar.

—Tudo bem... — John olhou discretamente pela janela, viu um carro parar e Dimmock sair dele. — Então...

—O problema é que não sei onde procurar. Não sei o suficiente sobre as vítimas...

—Sério? — John soltou uma risada zombeteira. — Está há 1 dia e meio investigando e não sabe todos os segredos imundos de cada um dos envolvidos?

—Estou um pouco... Distraído.

—Mas o que está distraindo você?

Sherlock encara John, e sua expressão beirava a confusão. John desviou o olhar, o modo como Sherlock o fitara era demasiado incômodo para manter o contato. Ao fazer isso, prestou atenção ao notebook que se encontrava sobre a mesa. Nele, uma página vermelha chamativa, letras belamente desenhadas e fotos de mulheres e homens em poses sensuais com pouca roupa. Sherlock percebeu a direção do olhar de John, e fechou o notebook com um tapa.

John estava entre o grito de pânico e a gargalhada.

—Sherlock, você está olhando sites pornôs?!

—Com licença. — Dimmock jazia parado à porta, e dera três batidinhas na moldura enquanto falava. Os dois amigos voltaram-se para ele, e o detetive abriu um sorriso malicioso. — Estou interrompendo algo?

—Você quer um soco, não quer? — rosna John.

—Dê aqui. — Sherlock caminha até Dimmock, estendendo a mão. O detetive revirou os olhos, retirando do casaco um pequeno caderno de couro preto, fechado por combinação, envolto numa sacolinha de plástico. Deu-o a Sherlock, que pegou, levou-o até a mesa e sentou-se. — Já retiraram as digitais?

—Sim, pode fuçar aí à vontade.

—Alguma coisa?

—Só havia digitais da vítima... — Dimmock falava quando Sherlock levantou-se, indo até a cozinha e voltando com luvas de borracha, vestindo-as. Dimmock juntou as sobrancelhas. — Mas...

—Vocês não procuraram nas páginas... — explica Sherlock, sentando-se novamente. Abriu o recipiente, retirou o diário cuidadosamente e deitou-o sobre a mesa. Juntou as mãos à frente do rosto, cerrando os olhos. — Agora saiam, preciso me concentrar.

—Venha. — John e Dimmock vão para a cozinha, e Dimmock puxa uma cadeira.

—Não vai me oferecer nada?

—O apartamento não é mais meu, e sinceramente eu não pretendo abrir a geladeira.

—Por que não?

—Raramente o que tem lá é comida.

Dimmock juntou as mãos, girando os polegares um sobre o outro.

—E o casamento?

—Vai bem.

—Hmm... E esse tempo, né?

—Chuvoso.

—Acha que vai abrir sol?

—Acho que você não é muito bom em puxar assunto.

Os dois olham para a sala, onde Sherlock jazia virando folha após folha no diário. Dimmock fez seu cenho incrédulo.

—11 peritos. Eles usaram até raio-x para abrir aquela coisa, não conseguiram, e foi só alguns segundos para seu amigo abri-lo e virar as páginas como se fosse um livro de biblioteca...

—Isso para mim não é novidade.

—O que ele foi fazer na Chiltern? Meu homem lá disse que ele entrou no prédio e ficou no mínimo umas duas horas sem dar as caras do lado de fora.

—Ainda não perguntei.

Os minutos se passaram.

—O que descobriu? — Dimmock levantou a voz, levantando também o corpo e indo até onde Sherlock estava. Esticou o pescoço, olhando por sobre os ombros dele para poder enxergar o que ele lia. Neste momento Sherlock fechou o diário ruidosamente.

—Nada.

—Está há tanto tempo descobrindo nada?

—Nada que seja relevante para sua investigação.

—E por que você precisava saber?

—Por que é relevante para a minha investigação.

—Estamos na mesma investigação, amigo, e temos o mesmo objetivo.

—Não temos o mesmo objetivo, e não me chame de amigo.

Dimmock estudou a expressão de Sherlock, que estava de poucos amigos, daí ergueu uma das mãos.

—Me conta o que sabe.

—Não.

O detetive da Scotland coçou a cabeça.

—Estamos no mesmo barco, ok? Quero o assassino tanto quanto você, e sinceramente não tenho problemas em compartilhar informações, desde que você também compartilhe.

—Você não tem informação nenhuma.

—Sherlock, o diário não vai ficar com você.

—Ele será inútil para você, ainda mais se eu trancá-lo novamente.

Sherlock sorria enquanto encarava o detetive. Dimmock pensou, respirando fundo.

—Ok, eu te dou carta branca total, pode invadir até o Castelo de Buckingham desde que me avise antes, mas tem que me contar o que descobrir... Ou eu te bloqueio, e se insistir eu te prendo até o caso estar resolvido.

Sherlock pensou rapidamente, daí encarou Dimmock.

—Você não pode emitir prisão perpétua sem um crime cometido!

—Eu posso te deixar fora de ação por alguns dias, e tenho certeza de que você não quer que eu dê uma vistoria neste apartamento... — Dimmock se afasta, levantando os braços. — Tudo bem, eu peguei algumas dicas com Lestrade para conseguir lidar com você, não queria ameaçar, mas você é um imenso pé no saco. E então, temos um acordo?

Outro surge na porta. Lestrade. Chegara sem fôlego e com o cenho preocupado. Olhou ao seu redor, percebendo que interrompera algo, e fez sinal para que continuassem, assim ele poderia recuperar seu fôlego.

Sherlock pega o diário, balançando-o.

—Isso fica comigo.

—Feito.

—O que quer saber? — ele disse, colocando o diário no bolso do paletó.

—Quem é Margareth Plummer?

—Uma quase prostituta.

—Hã?!

—Ela era prostituta? — diz John, espantado.

—Eu disse “quase”.

—Eu estou curioso para saber o por quê! — ri Dimmock.

John se aproxima do amigo.

—Como você sabe que ela era prostituta?

—Quase.

—Isso não importa! Por que acha isso?

—Pela cama.

—Pela cama?

—De frente para a porta, indica vida sexual ativa, ela não quer perder tempo, passa direto pela porta com o companheiro e já cai no colchão. A cama está paralela à janela, janelas são símbolo de observação e vigilância, indica que ela sente certa vergonha pelo que faz. Isso indicaria ou traição ou vários parceiros, ela não é casada, portanto me inclino na direção de parceiros múltiplos. — Sherlock pega novamente o diário, abrindo-o e apontando para uma lista de letras em maiúscula seguidas por números de telefone. — Isso também explicaria os nomes e telefones na agenda, ela não coloca os nomes completos, apenas as iniciais do nome e sobrenome, isso é esperado, afinal o diário pode cair em mãos erradas. Estes provavelmente são todos os parceiros que ela possui, e não duvido que sejam todos velhos e bem casados.

—Sherlock, poderia pular esta parte? — pede John.

—Eu poderia deduzir tudo isso, e nem precisaria citar o no blog...

—Blog? — diz Dimmock.

—Leu o blog dela?

—Ainda não. — ele gaguejou.

—Chama-se “Sempre Excitada”. — Dimmock permaneceu em silêncio. Todos permaneceram. Na verdade Lestrade permaneceu assim por que ainda respirava pesadamente. John sentiu vontade de rir. — Gostaria que eu desse detalhes sobre o conteúdo?

—Melhor não. — murmura Dimmock.

—É para mulheres aventureiras e que não se submetem aos conceitos conservadores sobre sexo, em que homens são ativos e mulheres são submissas, estou recitando as palavras dela. No blog ela descreve suas peripécias com um detalhismo quase invejável. — John olhou novamente o notebook. Sherlock realmente lera aquela coisa? — Continuemos concentrados na janela, é automática, ela não precisa levantar da cama para fechar as persianas, isso serve tanto para quando ela está exausta pela manhã como para não interromper nada pela madrugada. E também podemos olhar a colcha que cobre a cama.

—A colcha...

—De elástico, não precisa ser esticada ou arrumada, ela gosta de coisas práticas.

—Espera aí, — diz Dimmock, em choque. — como você sabe de tudo isso? Você não estava lá!

—Dimmock, você sempre teve a inteligência digna de um tijolo, mas hoje você está se superando.

—Como você sabe dessas coisas?

—Estou certo ou não?

Sherlock levantara a voz, que trovejara pela sala. Dimmock olhou para John, depois para Lestrade.

—A questão da cama pode não ser nada, ela poderia se encontrar com todos estes homens num motel.

—Não, preste atenção nas provas, ou você não as estudou? Enviei John para dar uma olhada no apartamento especialmente por que tinha coisas mais importantes para fazer. Além de minha passada na Chiltern, dei uma olhada na vida monetária da vítima. Ela jamais saca dinheiro vivo, uma pessoa com este tipo de vida e que goste tanto de privacidade não usaria um cartão de crédito para pagar algo como um motel, ela sempre prima pelo conforto e pelo luxo, e que lugar mais confortável e luxuoso que sua própria casa? Os vizinhos são ricos e discretos, eles mesmos também dão suas escapadas, não comentariam nada. A casa dela é o ponto de encontro, é seu ninho de amor.

—Como você teve acesso ao saldo bancário dela? — Lestrade fala pela primeira vez.

—Então ela é uma prostituta?

—Quase, não recebe pelo que faz, mas ganha presentes suficientes para decorar belamente a sua casa. Deve ter começado por pura diversão, mas a coisa cresceu, ela percebeu que poderia muito bem ganhar com isso, e chegou ao ponto em que foi morta.

Dimmock encarou Lestrade, daí cruzou os braços, colocando os pensamentos no lugar. Com certeza fora muita informação para sua cabeça...

—O assassino a escolheu por causa disso?

—Tenho de pesquisar mais as outras vítimas, só então poderei afirmar com certeza. — Sherlock olhou para Lestrade, daí para Dimmock. — Você pode ir embora.

—Mas... — Dimmock não pôde protestar. Sherlock já lhe dera as costas e fora olhar seu desagradável mural. O pobre detetive mordeu o interior da boca. Naquele momento ele sentiu uma imensa vontade de esquecer sua posição de policial, voltar a ser criança e dar um empurrão naquele homem mal educado. Em vez disso, decidiu por atravessar a sala, dar um tapinha amigável no ombro de Lestrade e descer as escadas, saindo de cena.

John observava tudo em silêncio. Sentia-se praticamente invisível naquele lugar. Seu celular tocou. Mary. Mensagem de texto.

Você ainda tem esposa. Não importa onde esteja, venha para casa.

—Pode ir, John. — diz Sherlock, sem mudar o tom de voz. — Vejo-o amanhã.

—Certo... Tchau.

John se retira, e Sherlock posta-se em frente a Lestrade.

—O que houve?

**

Era noite. A luz da lua jazia encoberta por densas nuvens, e gotas solitárias caíam sobre o gramado sem vida ou cor. Havia mais lama que grama, e mais vento que chuva, o que tornava tudo mais gelado do que deveria ser num dia de sol.

Violet caminhava por aquele lugar, sem se lembrar com certeza como fora parar lá ou por que estava lá. Descalça, tremia de frio, abraçando os próprios braços e tirando constantemente o cabelo que o vento insistia em jogar-lhe no rosto. Via uma pradaria extensa, até onde sua vista alcançava, e nada além de grama e lama. O céu era opressor, e o vento era forte. Não importava como ela chegara lá. Ela só queria ir embora.

Ela continuou andando, olhando ao redor como um animal medroso. Não havia variações no terreno, nem morros nem valas, apenas um reto interminável que parecia se unir às nuvens quilômetros à frente. O único som era o vento, e Violet, apesar de querer chamar por algum amigo, não conseguia se convencer a emitir algum som. Tudo a assustava, tudo a fazia se sentir pequena e indefesa. Neste momento, ela pisou em algo.

Uma boneca. Velha e sem um olho.

Ela pegou o brinquedo, limpando com a mão a lama sobre o rosto da boneca. Chegou a sorrir. Ela se lembrava daquela boneca. Perdera-a quando tinha 7 anos. Mas por que ela estava ali na grama molhada?

Neste momento, a boneca começou a sangrar. Violet largou-a com um grito, vendo as próprias mãos manchadas de vermelho vivo, e cambaleando para longe daquele brinquedo. A boneca não se moveu, mas gradativamente toda a lama começou a se transformar em sangue, contrastando-se com o escuro da grama. Violet sentiu sua garganta se fechar, como se uma corda fosse enrolada ao redor de seu pescoço, e ela sentiu o vento cada vez mais forte, quase congelando-a. Bem ao longe ela divisou uma silhueta escura que, apesar não caminhar, parecia estar cada vez mais próxima.

“É ele!” ecoou em sua cabeça. Ela viu a silhueta atacar outra, matando-a e arrastando-a pela grama. Violet quis chamar ajuda, chamar alguém que pudesse salvá-la, mas o aperto em seu pescoço era cada vez mais sufocante. Ela não conseguiu gritar. Não conseguia se mover. Seu corpo sacudia, sua boca secou-se, sua cabeça deixou de pesar e parecia que saíra voando para longe. A silhueta estava quase sobre ela, mas ainda assim era apenas uma sombra preta, absolutamente irreconhecível. A silhueta esticou a mão negra, e Violet sabia que aquele era seu fim. Ela se sentiu tombar na grama. Sua visão falhou...

—Socorro! — Violet conseguiu gritar, levantando-se da cama coberta de suor. Seu sangue pulsava em seu ouvido, e sua visão parecia curvar-se em ângulos estranhos. Uma tonteira forte a fez cair novamente com a cabeça sobre o travesseiro, respirando com dificuldade. Ainda podia sentir o nó em sua garganta... Quando finalmente ela conseguiu pensar com clareza, ela conseguiu divisar a televisão pregada à parede, o criado mudo ao lado da cama, a mesinha com espelho onde estavam maquiagens e um cofrinho metalizado dos Beatles. Seu quarto.

Ela fechou os olhos, esfregando a testa com as duas mãos. Não passava uma noite sem que ela tivesse aquele sonho, sem que ela acordasse gritando, sem que ela testemunhasse mais uma vez uma pessoa doentia matando uma pessoa inocente. Ela não vira o ato em si, claro, mas a descrição que Dimmock lhe dera do que o assassino fizera apenas serviu para acrescentar um ingrediente a mais em seu pesadelo. Uma adição e tanto. A corda em volta do pescoço.

Violet ergueu-se na cama, passando as pernas para fora e sentando-se, respirando profundamente algumas vezes. Olhou o relógio digital ao lado da cama. 4:15 da madrugada. Tinha de colocar a mente no lugar. Tinha trabalho para o dia seguinte. Ela levantou-se da cama, fechando a porta de seu quarto e trancando-a, pousando a chave sobre o criado mudo. Pensou melhor e colocou a chave dentro da gavetinha do criado. Foi até a janela, olhando a rua. O silêncio era absoluto. Fechou também a janela, girando o trinco e dando dois passos atrás, ainda olhando através do vidro para o céu londrino. Esticou os braços e fechou as cortinas. Caminhou lentamente até a mesinha, fazendo questão de não se encarar no espelho, pegou o cofre dos Beatles e ficou a observá-lo. Quase sorriu. Colocou-o de volta à mesinha, pegando o celular e voltando à cama. Deitou-se e ligou o aparelho. Entrou na agenda e observou os números que ali se encontravam. Dois telefones das companheiras de trabalho, o telefone do chefe, o número do asilo onde o pai se encontrava. Quentin Fowler. Violet sempre quisera excluí-lo, mas se o fizesse sua agenda não teria nem mesmo barra de rolagem de tão limitada. Sherlock Holmes...

Ela observou o número do detetive. Um desejo incontrolável surgiu de ligar para ele. Violet fechou os olhos, juntando as sobrancelhas e suspirando profundamente. Rapidamente ela desligou o celular. Que estupidez... Ela colocou o celular debaixo do travesseiro, cobrindo-se com a colcha de retalhos que estava na cama e fechando os olhos.

Logo adormeceu...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Irmãos mais velhos, estilos de vida discutíveis, pesadelos burtonianos... Desejo de todo coração que você, querido leitor, goste tanto deste capítulo quanto eu. Abraços... Lirah