Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 3
Capítulo 3




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Gregory Lestrade era um homem paciente. Era paciente com seus colegas, com seus amigos, com sua mulher. Tão paciente era com sua mulher que a esperava até agora, mesmo ela tendo ido embora afirmando que não ia voltar. Apesar dos amigos insistirem para que ele continuasse com sua vida, ele insistia em esperá-la. Sua paciência era de fato invejável...

Mas naquele momento, sentado detrás de sua mesa em sua sala na sede da Scotland Yard, a Polícia Metropolitana de Londres, ele estava perdendo esta qualidade tão preciosa.

—Donovan, eu não vou retirá-lo do caso.

—Ele só vai nos atrapalhar num caso importantíssimo que pode nos levar a um dos piores seriais killers dos últimos tempos.

—A vítima o contratou.

Sally Donovan estava furiosa. Num momento tinha sua carreira de vento em popa. Encontrava-se no melhor caso de sua carreira, algo que poderia impulsioná-la mais rápido que um foguete atado às costas. Mas não. Agora teria de suportar mais uma vez, depois de meses, o detetive mais brilhante e insuportável da história. Ela plantou as duas mãos na cabeça, incrédula.

—Você vai deixá-lo estragar tudo!

—Sherlock nunca estragou nada, sempre nos deu uma ajuda inestimável e nos permitiu elucidar casos que de outra forma iriam direto para o arquivo morto. — Lestrade se inclina da direção da detetive. — Ele é sim... Meio difícil de lidar e um tanto... Brusco.

—Palavras delicadas, chefe. — ela ri.

Violet Hunter subiu as escadas, segurando a alça de sua bolsa como se esta a estivesse mantendo de pé. Mantinha a cabeça baixa, e tinha o olhar assustado. Na verdade, este estava se tornando seu olhar costumeiro quando arriscava sair de casa, ato que raramente punha em prática.

De fato, era a primeira vez que saía desde que fora à rua Baker.

Era absolutamente apavorante sair de casa. Do lado de fora, apesar de todas as construções serem as mesmas que ela via todos os dias, as pessoas nunca eram as mesmas. Não importava o quanto Violet se esforçasse em reconhecer traços, agarrar-se a algo amigo, não havia absolutamente nada entre aquelas pessoas que ela conseguisse identificar. Era como ser solta numa cidade qualquer, à qual ela nunca tinha ido. Era como se Londres tivesse trocado de habitantes com alguma outra cidade. Violet caminhava tensa, pois para ela todas as pessoas eram o mesmo. Todas as faces eram iguais. E todas eram estranhas. Simples rostos na multidão.

Ela esbarrou num policial, fazendo-o derrubar o tablet no qual ele digitava. Por sorte o aparelho era resistente.

—Eu sinto muito! — ela disse, preocupada.

O policial abriu um brilhante sorriso, aquiescendo com a cabeça e indo embora. Ela voltou a caminhar, vendo-se no departamento de detetives, e começando a procurar a sala do detetive Greg Lestrade. Apesar de todas as salas terem paredes de vidro, sendo perfeitamente possível ver as pessoas dentro das salas, para Violet isso não fazia a menor diferença. Procurava a porta que tivesse o nome do policial escrito.

—Não precisamos dele.

—Como pode dizer isso? — agora era Lestrade o incrédulo. — Todos estes policiais, mesmo inteligentes e esforçados, não tem a metade do faro e a inteligência de Sherlock Holmes!

—Eu sei disso. — Donovan sorriu. — Mas eles também não têm a metade da arrogância dele.

Lestrade se esparrama em sua cadeira, displicente.

—Arrogância pode ser desconsiderada!

—Não, não a arrogância de Sherlock Holmes, e ele faz questão de que não o desconsideremos. — Donovan vai até a mesa, apoiando as duas mãos na mesa. — Chefe, temos nas mãos uma excelente oportunidade.

—Oportunidade? — o detetive soltou uma risadinha. — Isso é bem distorcido, até para meus padrões.

—Podemos entrar para a história!

—Por?

—Capturar e levar à justiça um serial killer... Mas não qualquer um... Um psicopata.

—Psicopata? — Violet jazia parada na porta, olhando ora Donovan, ora Lestrade, com seus olhos assustados.

Donovan se endireitou, olhando o chefe. Lestrade se levantou, sorrindo sem jeito, dirigindo-se até Violet.

—Falávamos de outro caso.

—Sherlock não pega outro caso há tempos, ele me disse isso. — ela o encara. — Pode ser sincero, detetive. Trata-se de um serial killer?

—Sente-se. — Violet senta-se na cadeira que Donovan lhe indica, e Lestrade retorna a sua cadeira. — O assassino que te atacou... O assassino que a senhorita viu tentar desovar um corpo... Ele é um serial killer já procurado por outros seis assassinatos.

—Seis? — ela se espanta. — Mas... Como sabe que é ele?

—Pelas similaridades entre os crimes. — diz Donovan.

—Não quero assustá-la com detalhes. — ele disse. — Na verdade prefiro que as testemunhas permaneçam calmas para poderem se lembrar das informações que preciso. Vou lhe mostrar alguns rostos. — Lestrade retira uma pasta, abrindo-a. — Não vou lhe mostrar nenhuma foto chocante, apenas veja se reconhece alguém. — Donovan limpou a garganta escandalosamente. Lestrade a encara, e ela gesticula um grande “não”. Ele guarda as fotos discretamente, sentindo-se um idiota. — Olhamos fotos depois...

—Chamou-me, chefe? — um homem bem vestido, terno e gravata, surgiu na entrada. Violet torceu para que não fosse aquele na qual ela esbarrou.

—Sim, entre. Srta. Hunter, este é o detetive Dimmock, ele cuidará pessoalmente de seu caso.

—Muito prazer, Srta. Hunter. — diz ele, apertando a mão dela e sorrindo. Ela sorri de volta.

—O prazer é meu.

—Fique tranquila, tenho muita prática com esses assassinos incômodos.

Greg observava Dimmock de forma descrente. Naquele momento ele lembrava aqueles super-heróis de histórias em quadrinhos. Lestrade coçou a cabeça. Dimmock sabia mesmo como parecer um policial de primeira viagem...

—Soubemos que você contratou os serviços de Sherlock Holmes. — intromete-se Donovan, sentando-se na cadeira ao lado de Violet e virando-se para ela. — Isso não é necessário. Temos tudo sob controle.

—Por favor, — Violet junta as mãos, olhando os três detetives. — não pensem que não confio em sua capacidade de solucionar o caso e encontrar o criminoso... Serial killer, como disseram... Eu confio plenamente que podem fazer isso. O fato é que vocês têm outros casos para solucionar... Outras pessoas para ajudar. O Sr. Holmes tem apenas meu caso. Sinto-me mais segura sabendo que há alguém cuidando particularmente do... Meu problema.

—Eu entendo. — afirma Lestrade, depois de fuzilar Donovan com os olhos. — Faria a mesma coisa em sua situação. É realmente algo único. Precisa se sentir segura.

—Com o Sherlock? — ri Donovan baixinho, enquanto tomava café num copinho de plástico. Dimmock também ri. Violet os encara, confusa.

—Parece-me que o Sr. Holmes não é muito querido por aqui. — ela volta-se para Lestrade. — Há algum motivo em especial? Ou é só inveja?

Donovan engasga com seu café. Lestrade abre um sorriso zombeteiro, pensando no que dizer.

—Bem... Não invejamos Sherlock de forma alguma, por que pensa isso?

—Pesquisei sobre ele. Eu não tinha muito que fazer então...

—Então deve ter visto tudo o que ele já fez. Até morreu. — Lestrade junta as mãos sobre a mesa. Dimmock cruza os braços, o cenho irritado. — Não é o intelecto que incomoda a muitos aqui, é só o temperamento dele. Não atrapalhará em nada o correr das investigações. Não deve se preocupar com isso.

—Não me preocupo. — Violet completa, sorrindo. — Todos vocês parecem detetives muito profissionais.

Lestrade correspondeu ao sorriso, incapaz de não se sentir completamente hipnotizado por aquela moça. Até se esqueceu, por alguns segundos, de sua esposa. Dimmock também sorria de modo sonhador, observando Violet em silêncio. Donovan revirou os olhos num suspiro, pegando um caderno que jazia sobre a mesa, tirando uma caneta do terninho e xingando mentalmente todos os homens do planeta.

—Precisamos perguntar e confirmar algumas coisas. — disse num tom acima, tirando os dois homens de seus devaneios. — Precisamos saber de seus contatos, quem você conhece aqui em Londres.

—Tudo bem. — Violet assente.

—Pode começar pelos que trabalham no Café Jabez’ s.

—Bem, somos três garçonetes, eu, Helen Stoner e Alicia Larrabee. O barman é Jet Williams, e temos um faz-tudo, Kellan Ottis. Ele também cuida da limpeza junto com Glenda Morrison. São dois cozinheiros, Harry Temple e Judith Fairchild. O dono, meu chefe, é Jabez Wilson, ele costuma ficar no café durante o dia e ajuda na cozinha.

—O café possui muitos clientes?

—Ele costuma ficar muito agitado nas quintas e sextas, que é quando funciona como pub e uma banda costuma tocar.

—Banda?

—Sim. Nunca é a mesma. Eu não conheço nenhum dos integrantes, o Shaw é quem os contrata, na maioria são bandas sem muito sucesso que já têm costume de tocar em barzinhos e lugares assim.

—O ocorrido foi numa quinta, poderia ter sido alguém que estava no café.

—Poderia, mas eu não saberia dizer.

—Mas foram pessoas que você viu antes da queda.

—Eu não consigo...

—Acho que temos o suficiente dessa parte. — Dimmock retira o caderno das mãos de Donovan e pega sua própria caneta. — Agora, o importante: está em algum relacionamento?

—Não, no momento não.

—No momento? — ele a encara, um meio sorriso estampado no rosto. — Não tenha vergonha, já vimos de tudo aqui.

—Não é isso, é que terminei um noivado há alguns meses.

—Quem era o noivo?

—Quentin Fowler. Ele não mora mais aqui.

—Mora onde?

—Irlanda. Foi trabalhar em Dublin.

—O relacionamento durou quanto tempo?

—Dois anos.

—Quem terminou o noivado?

—Eu.

—Por causa de alguém? — Violet ficou sem fala. Dimmock tinha os olhos colados no seu caderno, mas ao notar o silêncio levantou a cabeça. — É uma pergunta válida, senhorita.

—Não, não foi por causa de ninguém.

—Certo... — Dimmock murmurou. — Vamos dar uma olhada nele...

—Por quê? — Violet se agita. — Ele não fez nada, não faria nada. Trabalha tanto que mal tem tempo para respirar.

—Já entendi por que terminou o noivado... — murmura Donovan.

—Não dá para saber se não perguntarmos, não é mesmo? — o detetive sorriu.

—É o protocolo, — explica Donovan. — temos de interrogar parentes, amigos, relacionamentos amorosos e especialmente os ex-namorados, para ficarmos inteiramente à par da relação que eles têm com a vítima e do paradeiro de cada um, e assim poderemos excluí-los da investigação, se possível.

—Namoradinhos são sempre tão vingativos... — murmura Dimmock. — E seus pais?

—Minha mãe faleceu há muito tempo. Meu pai mora numa casa de repouso em Arundel, na verdade eu trabalho aqui em grande parte para pagar as mensalidades.

—Sei... Irmãos?

—Não.

—Algum outro parente?

—Não.

Dimmock encarou-a, as sobrancelhas unidas. Daí voltou a escrever.

—A senhorita é bem solitária, não?

Violet abriu um triste sorriso.

—A solidão me protege.

**

John pedira uma pequena folga em seu consultório para poder acompanhar Sherlock em sua ida ao Hospital Queen Anne naquela tarde. Ao encontrá-lo, achou-o bem mais corado e um tanto mais animado ao conversar.

—Espero que atender a meu pedido de acompanhar-me não resulte em sua demissão.

—Tenho muita liberdade em meu consultório. Sou quase meu próprio chefe. Apenas transferi as consultas de hoje à tarde para amanhã de manhã e... Voilá! Estou livre para ir aonde quero.

—Parece um ótimo emprego... — comenta Sherlock de modo sarcástico, começando a caminhar em direção à entrada do hospital. John seguiu-o, levemente ofendido.

—Nem todos podem inventar empregos que dão certo! — exclamou, frustrado. Ao alcançar Sherlock, já haviam entrado no corredor principal. Médicos, enfermeiros e familiares dos doentes passavam a todo tempo, caminhando sobre um piso branco impecável ou sentando-se em bancos acolchoados de cor azul bebê. As luzes eram nem fortes nem fracas, mas na medida certa para que não prejudicasse os médicos e não incomodasse os adoentados. Sherlock e John foram até a recepção. Detrás do balcão, uma enfermeira jovem e visivelmente inexperiente lutava contra os vários botões de seu terminal. Levantou os olhos para os dois homens à sua frente, abrindo um sorriso forçado.

—Posso ajudá-los, cavalheiros?

—Dra. Lisa Handler, por favor. — disse Sherlock. — Ela já está à minha espera.

—Só um instante. — ela tira o telefone do gancho, apertando um dos botões do terminal. Logo sua voz ecoou por todos o hospital, vibrando pelas paredes. — Dra. Handler, Dra. Handler, favor comparecer ao hall principal. Dra. Handler, favor comparecer ao hall principal. — ela coloca o telefone de volta no gancho. — Podem esperar sentados se desejarem.

—Obrigado. — eles atravessam o hall e sentam-se nas cadeiras azul bebê.

—Falou com a Srta. Hunter?

—Não.

—Mas...

—No momento ela provavelmente está recebendo toda a atenção que precisa da Scotland, é quando eles se esquecerem dela que eu entro em ação. Lestrade colocará alguém para cuidar do caso, alguém com mais liberdade do que ele para transitar sem impedimentos, algum detetive inexperiente que ficará sob seus cuidados. Irão chamá-la várias vezes, fazer centenas de perguntas e interrogar todos os conhecidos, mas então eles vão se cansar e voltar a trabalhar com a lerdeza costumeira. Abrirão espaço para que eu trabalhe. Daí ela será toda minha.

John estranhou a frase final. Teve a impressão de que Sherlock sentiu certo prazer em dizê-la. De qualquer forma, a Dra. Handler estava se aproximando, Sherlock se levantou e John não teve chance de perguntar a respeito.

—Sr. Holmes, é um prazer conhecê-lo.

—Dra. Handler. — Sherlock a cumprimenta. — Este é John Watson, ele será muito útil nesta investigação.

—Sr. Watson. — ela sorri, cumprimentando-o. Era uma senhora de uns 55 anos, cabelos acinzentados, mas alta e esbelta, e grandes olhos inteligentes. Com certeza era uma boa médica.

—Sou médico também, tenho meu próprio consultório.

—Ah... — ela suspira. — Eu devia ter feito isso quando tive chance. Por favor, me acompanhem, vou levá-los ao quarto em que Violet ficou internada.

Eles saíram pelos corredores impecáveis, a Dra. Handler e Sherlock na frente com John logo atrás.

—Esperava o senhor mais cedo.

—Tive alguns imprevistos.

—Bem, eu tenho meia hora para responder suas perguntas, depois disso terá de se virar sozinho.

—Foi a médica de Violet desde o início? — pergunta Sherlock.

—Sim, eu mesma prestei os primeiros socorros quando ela chegou.

—Como a descreveria neste momento?

—Ela foi trazida por dois civis e um policial, os civis haviam chamado a ambulância e tiveram de ficar para prestar depoimento. Ela estava muito machucada, por sorte os ferimentos eram superficiais, com exceção de um na parte de trás da cabeça, na verdade, este ferimento foi o responsável pela disfunção cerebral que a acomete.

—Prosopagnosia.

—Essa doença não é o que a maioria pensa, todos acham que o portador enxerga rostos desfigurados ou algo assim, mas o que eles veem são rostos normais, mas completamente diferentes do que realmente são. O problema não está em como eles enxergam, e sim no fato de que eles não se lembram do que viram. Conseguem descrever detalhes, mas são incapazes de unir estes detalhes e formar uma feição.

—Pelo que li no relatório policial o tempo de internação dela foi curto.

—Sim, como eu disse os ferimentos eram superficiais, e o da cabeça, apesar de feio, só precisou de alguns pontos.

—E mesmo assim afetou o cérebro a ponto...

—Entenda, Sr. Holmes, na neurologia existe um princípio: profundidade não importa. Já vi pessoas chegarem aqui com um tubo de metal atravessando a cabeça e elas não tiveram nenhuma sequela, enquanto vi outros morrerem por causa de uma simples batida na testa. Este é um dos grandes mistérios do cérebro, nunca sabemos o que vai afetá-lo e como vai afetá-lo. Infelizmente Violet foi um dos que tiveram ferimentos leves no lugar errado da cabeça. O quarto é por aqui... — eles viram em outro corredor, este extremamente silencioso e deserto.

O olhar de Sherlock perscrutava cada pequeno detalhe por onde eles passavam, e seus olhos semicerrados diziam a John que ele se encontrava em profunda meditação. Devia estar no auge de suas deduções. Ao olhar pelas portas semiabertas no corredor por onde caminhavam, John pôde perceber que aqueles eram quartos onde doentes e seus entes queridos jaziam, com os mais variados problemas de saúde.

A Dra. Handler abriu a porta de um dos quartos, indicando com a cabeça que era aquele.

—Foi neste aqui. Deixamos da forma que estava quando ela saiu.

Sherlock foi até a cabeceira da cama, virando-se e observando todo o quarto.

—Quanto tempo ela ficou aqui?

—Sete dias, exatamente.

—Alguma complicação?

—Apenas as crises de pânico toda vez que via a si mesma ou alguém do hospital.

—Pânico? — pergunta John.

—Ela não reconhecia ninguém, então quando via alguém entrar no quarto... Bem, ela gritava.

—Mas el não reconheceu nem mesmo os parentes?

—Nenhum parente veio vê-la.

—Ela não tem quase nenhum. — Sherlock disse, enquanto se abaixava para olhar debaixo da cama. — O único parente vivo está num asilo, então acho que de qualquer forma não viria visitá-la. — John e a Dra. Handler se entreolham, confusos. — Ela recebeu alguma outra visita, de qualquer tipo?

—Apenas o policial que a trouxe. Ele quis saber como ela estava.

—Pode me dizer o nome dele?

—Ele teve de assinar seu nome no caderno de presença que fica na recepção. Poderão pedi-lo lá.

Ao se erguer, Sherlock divisou algo escrito no metal da cama, do lado do colchão. Ele se pôs de pé.

—Acho que já a incomodei o suficiente por hora, Dra. Handler. Agradeço sua paciência.

—Se precisarem chamem algum dos enfermeiros que ele me informará e virei quando possível. — ela se retira do quarto. — Foi um prazer, cavalheiros.

John esperou a doutora se afastar, e foi até Sherlock, que levantara o colchão para poder enxergar o que havia escrito na armação da cama.

—O que encontrou?

—Nada demais, apenas uma curiosidade. — Sherlock aponta o escrito e John o lê.

—“Para onde foram os rostos?”.

—Violet escreveu isso. — Sherlock cutucou um dos parafusos da cama, e vendo-o frouxo, tirou-o com facilidade. — Vê?

—Ela ficou aqui uma semana, teve muito tempo para rabiscar o que sentia... O que temia.

—Hmm... — Sherlock caminha pelo quarto, olhando o pequeno criado mudo onde só havia um telefone. — Ela sequer tocou nestas coisas. Não trocou nem mesmo o canal da TV.

—Ela podia estar cansada...

—Sabe o que me incomoda?

—O quê?

—Ninguém veio vê-la.

—E daí? Você mesmo disse que...

—Ninguém veio por que ninguém soube do ocorrido. Ninguém sabia, Lestrade me disse que quando foi interrogar alguns amigos dela hoje de manhã, todos se mostraram espantados, pois acharam que ela havia viajado, ido ver o pai ou algo assim.

—Ninguém sabia do assassinato?

—Não rendeu mídia, nenhum repórter se preocupou em cobrir o caso, não é a reportagem chamativa que eles procuram. — ele se enfia detrás do criado mudo.

—Mas ela ligaria para alguém, não?

—Ligaria para quem com o telefone desligado? — Sherlock balança o fio cortado.

—Ela não poderia simplesmente chamar um enfermeiro e pedir para consertar? — Sherlock sai do quarto, pegando num encaixe na parede uma caderneta com a lista de todos os enfermeiros que haviam entrado naquele quarto. Na lista, estava a assinatura da Dra. Handler e na linha de baixo estava escrito: J. R.

John ainda estava no quarto, havia ligado a TV, e colocara no programa de Oprah Winfrey.

—J. R.? — Sherlock falava consigo, repassando em sua mente todas as siglas que conhecia. Nenhuma coincidia. — O que isso quer dizer? — ele retornou ao quarto, e para seu espanto John chorava em silêncio enquanto assistia Oprah a dar uma casa nova a uma família de necessitados.

—Ela é tão bondosa... — ele diz, os olhos marejados. Sherlock revira os olhos, indo até o banheiro e olhando ao redor.

—Estou perdendo algo! — saiu do banheiro, esbarrando em Watson e saindo do quarto, parando no corredor. Parou a primeira enfermeira que passava. — Com licença, senhorita, há alguém que trabalha aqui com as inicias J. R.?

—Hmm... — ela pensa alguns segundos. — Não que eu saiba. Acho que não. Por que não pergunta na recepção?

Sherlock não respondeu. Saiu correndo pelo corredor, e não diminuiu o passo até chegar ao hall principal, indo até o balcão da recepção mais uma vez. A moça olhou-o com o mesmo olhar desanimado de antes.

—Pois não?

—Eu preciso de uma informação. — disse ele com a voz bem mais sedosa. — Poderia olhar para mim na lista dos profissionais que trabalham aqui se há alguém com as iniciais J. R.?

A moça olhou-a de modo confuso. Provavelmente estranhou os modos gentis do detetive.

—Bem...

Neste momento, John postou-se ao lado de Sherlock, ofegando por ter corrido.

—Sei que seu trabalho é muito cansativo, e que você merecia ser tratada com muito mais respeito do que está sendo tratada, mas eu realmente preciso de ajuda.

O olhar de Sherlock estava encantador. Ele se postara numa parte do balcão em que a luz no teto batia na pedra fria de mármore e refletia em seus olhos, que agora exibiam uma mistura de tonalidades que pendiam para o verde. A moça sorriu timidamente.

—Eu posso olhar rapidinho. — ela abre uma gaveta, tirando um grande livro e abrindo-o, virando as folhas até chegar à seção de enfermeiros.

—Enfermeiros? — pergunta John.

—Conheço por nome todos os médicos, — diz a moça, ainda sorrindo para Sherlock. — são sempre os mesmos em seus horários, mas o rodízio de enfermeiros é grande, há muitos estagiários, então se há alguém com estas iniciais deve ser um enfermeiro. — ela digita rapidamente no computador, balançando a cabeça negativamente. — Desculpe, não há ninguém com estas iniciais. Sinto muito.

—Eu poderia dar uma olhada nos visitantes do quarto 12?

—Claro! — ela pegou uma pasta e abrindo-a, passando novamente as folhas. — Nome do paciente?

—Violet Alice Hunter.

—Hmm... — ela virou a pasta para Sherlock. — Aqui. Só dois visitantes, e um deles foi a Dra. Handler.

—John... — diz Sherlock. John se aproxima, seguindo o dedo comprido do amigo até a linha onde as assinaturas se encontravam. Lá estava a assinatura que eles haviam encontrado na prancheta ao lado do quarto. A mesma caligrafia: J. R.

Eles saíram do hospital, pegando um táxi.

—Baker Street. — disse Sherlock ao motorista. John se ajeitou no banco, olhando Sherlock de modo curioso.

—Eu sei que você tem uma teoria sobre quem é esse J. R. e eu quero saber.

—O assassino.

—O assassino?

—Sim, o assassino sem rosto. — Sherlock olha pela janela. — Acho que vou começar a chamá-lo assim.

—Que gracinha, já está dando apelidos para o criminoso!

—Ele a visitou no hospital.

—Por que faria isso?

—E por que não faria?

—Vai me dizer que ele estava preocupado com o bem-estar dela.

—Ele estava temeroso de que ela pudesse acordar e identificá-lo. Ele não sabia da disfunção que ela desenvolveu.

—Mas se fosse assim ele a teria matado no hospital para não correr o risco.

—Por que ele não a matou? Por que não escrever o nome completo? — ele conversava mais consigo mesmo do que com John. — Aquilo com certeza não é uma assinatura, pois o assassino é destro e o escrito “J. R.” foi feito com a mão esquerda tanto na prancheta como na lista de visitantes. Ele quer brincar? Quer entrar num jogo de gato e rato? Como ele trocou a mão de escrita sei que ele com certeza não quer que eu descubra detalhes sobre sua personalidade.

—E como você faria isso?

—Grafologia, ciência que estuda a personalidade, o caráter e possíveis distúrbios mentais através dos maneirismos da escrita. Com certeza ele é alguém muito inteligente, como a maioria dos psicopatas são de fato, afinal ele fez questão de se proteger contra esta forma de conhecê-lo, obviamente ele quer se manter anônimo.

—E algum psicopata quer ser conhecido?

—Alguns sim... E por que se fingir de policial?

—Fingir de policial?

—Eu sabia das duas testemunhas que levaram Violet ao hospital, falei com elas minutos antes de nos encontrarmos, peguei seus nomes e endereço na Scotland. Um homem e uma mulher, Elwood e Faye Simons, moram perto da Chiltern, voltavam de uma balada qualquer e viram a marca de sangue no chão. Foi o marido que teve a ideia de olhar na caçamba, daí ele encontrou Violet.

—Daí eles chamaram a polícia...

—Havia um policial passando na rua, e eles o chamaram. — Sherlock tinha o cenho divertido. — Um policial... Passando na rua!

—Policiais não passam na rua?

—Não àquela hora, e não sozinhos! E muito menos à pé, são tão preguiçosos que nem entram nas lanchonetes, preferem o drive-thru!

—Então o assassino desovou o corpo, atacou Violet, trocou de roupa e ajudou nos primeiros socorros?

—Já deve ser um costume, ele se disfarça de policial, finge encontrar a vítima e retira de si as suspeitas... Ele também ganha o bônus de acompanhar as investigações! Eu já visitei tantas cenas de crime... — Sherlock dá um soco na porta do táxi. — Posso ter cruzado com ele e sequer notei!

John cruza os braços, olhando pela janela.

—Pode me chamar de estúpido, mas ainda não consegui montar o quadro completo...

—Você é um estúpido. — John encara Sherlock, que agora tinha uma feição tranquila.

—Obrigado pela ofensa. Agora pode pular para a parte útil e me explicar?

O telefone de Sherlock toca.

—Sherlock Holmes... Sim, estou à caminho.

—Quem era?

—Lestrade, quer que demos uma olhada no apartamento de Margareth Plummer.

—Tudo bem, até chegarmos lá você pode me dizer o que sabe.

—Sigamos os passos do assassino: ele mata suas vítimas, desova seus corpos e disfarça-se de policial para tanto acompanhar o que está sendo feito como permanecer fora de suspeitas. Ele faz isso, de novo, já tem prática e está prestes a ir para algum lugar se trocar...

—Ele tem prática?

—É um serial killer, já tem seis defuntos nas costas. Pois bem, tudo corria bem, mas agora ele tinha um problema: uma testemunha. Ela foge, ele a persegue, ela o fere, ele se descontrola e, na raiva, atira-a do prédio. Ela não morre, ele pensa em matá-la, mas percebe que seria uma oportunidade única se a mantivesse viva, assim a leva ao hospital, com dois civis, ele é cuidadoso, não podia ser a única testemunha. No momento ele deve estar rondando a investigação, como sempre faz, preocupado com a possibilidade de ser reconhecido. Será apenas uma questão de tempo para ele descobrir que na verdade ele não pode ser reconhecido.

—Eu não entendo, se havia a possibilidade de Violet reconhecê-lo, ele não deveria tê-la ajudado, deveria tê-la matado na caçamba!

—Ele não teve tempo para isso, o casal estava na rua, por sorte ele já estava vestido de policial... É isso... — Sherlock olha em volta, e repentinamente manda o táxi parar.

—O que há de errado com você? — diz Watson, que quase batera a testa no vidro entre ele e o motorista.

—Preciso voltar ao prédio onde tudo ocorreu.

—Mas você tem que ir para...

—Você vai no meu lugar.

—Não senhor! — John protesta. — Vou ser tão inútil quanto uma janela de tela num submarino!

—Comparação interessante... — Sherlock sai do veículo, virando-se em seguida para John e entregando-lhe um bilhete que acabara de escrever. — Aqui está o endereço. Você me acompanha há anos, conhece meus métodos, observe o lugar, tire conclusões e passe-me tudo quando nos encontrarmos.

—Tudo? Eu não vou perceber nada!

—Você é mais inteligente do que pensa, John.

—Acredite, não sou!

Sherlock abre um sorriso.

—Somos nós dois novamente. O jogo começou!


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Notas finais do capítulo

"The game is on!"
Ah, como eu queria utilizar esta frase! Ela é de longe a frase que melhor explica este Sherlock, um sociopata altamente funcional. Sei que a história está meio arrastada, com muita conversa, mas é uma conversa necessária para que vocês entendam a história, e quem sabe gostem dela tanto quanto eu. Prometo que a coisa vai agitar em breve. Na verdade isso também acontece na série de Moffat, tudo fica melhor no fim. Um beijo a todos que em sua bondade estão lendo isso.