Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 2
Capítulo 2




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Prosopagnosia: grego prosopon: rosto; agnosia: sem conhecimento. Também conhecida como “cegueira das faces”, a prosopagnosia é a incapacidade de reconhecer feições. O portador da doença pode tê-la tanto de forma hereditária, quanto adquiri-la através de derrame ou ferimento que fira alguma destas 3 estruturas: sulco temporal superior (STS), área occipital facial (AOF) e área fusiforme facial (AFF), regiões do cérebro especializadas em processar faces.

—John? — Mary surge detrás de John Watson, que jazia sentado em seu escritório havia horas, afundado em seus livros de medicina. — Tudo bem?

—Sim, querida. — ele disse, virando-se para ela, e sentindo os olhos arderem. Só agora notara que não piscava há um bom tempo. Mary sorriu, puxando uma cadeira e sentando-se ao lado dele. Era noite, assim nenhum dos dois tinha com o que se preocupar.

—O que está pesquisando?

—Uma nova cliente de Sherlock... Ela... Ela entrou num verdadeiro inferno.

—Por que diz isso? — Mary se assusta. John abre novamente o livro, virando-o para ela e apontando uma linha em especial.

—Já ouviu falar nesta doença?

—Hmm... Não.

—Pessoas com esta doença não reconhecem faces. Elas olham para você e, se você se virar e daí olhar para elas de novo, elas não tem ideia de como é seu rosto. Não reconhecem nem a si mesmas.

—Isso é um problema de vista ou algo assim?

—Não, é no cérebro... Eles não conseguem se lembrar. É como se todos tivessem o mesmo rosto. Não importa quem seja, pode ser a pessoa que eles mais amam no mundo, não importa. Eles não sabem quem é.

—Isso é horrível... — murmura Mary. — Nem imagino como isso é. E a moça está com problemas?

—Problema dos grandes... — suspira John. — Testemunhou um assassinato. Mas não consegue reconhecer o assassino. Pode ser até o vizinho... Como saber? No final é uma testemunha inútil.

—Não fale assim, John.

—O fato é que em quase todas as nossas relações sociais nós nos guiamos pelo rosto, pelas feições. Você olha primeiro para a minha cara, depois vê o que estou vestindo. Sem isso, qualquer um ficaria... Perdido. E se o assassino a atacar? E se ele souber quem ela é? Ele não tem essa doença, e a quem ela recorreria numa multidão?

Mary abre um sorriso terno, massageando carinhosamente os ombros do marido.

—Está preocupado com ela, não é, meu amor?

—Parece ser uma moça muito boa. Seria muito triste se algo acontecesse.

—Não vai acontecer... — ela murmura, abraçando-o. — Se Sherlock aceitou o caso, nada vai acontecer. Ele sempre resolve os casos, certo? Ela vai ficar bem.

—Sherlock... — John coloca o livro sobre sua mesa. — Ele definitivamente virou a cabeça.

—Por quê? — Mary solta uma risada gostosa. — A cabeça dele já não está virada desde o nascimento?

—Depois que o rosto de Moriarty surgiu nas televisões ele praticamente se trancou na Baker, e fica remoendo tudo o que sabe sobre aquele monstro. Devia ver o estado da casa... Ele ia acabar engolfado por tanta tralha espalhada. E não estava pegando nenhum caso!

—Isso não me parece o estilo do Sherlock.

—E não é! Engraçado... — John encara a esposa de modo confuso. — O cabelo dele...

—O que é que tem?

—Estava penteado para trás.

—Como é?

—Não zombe, o cabelo dele estava realmente penteado para trás.

—Ele pode ter acabado de sair do banho...

—Não, ele nunca usou o cabelo assim.

—John, você está questionando a escolha de estilo do cabelo do Sherlock... — ela parecia incrédula. — Isso é estranho...

—É... — ele suspira. — Acho que estou muito cansado... Trabalhei o dia todo, vendo... Homens pelados e cheios de doenças, acho que preciso de um bom descanso ao lado da melhor mulher do mundo... — ele se curva, pousando as duas mãos sobre a barriga dela. — e com o futuro bebê mais lindo do mundo.

Os dois se levantam, abraçados, e caminham até o quarto. John coloca seu pijama, deitando-se e abraçando Mary, fechando os olhos.

O telefone toca.

—5 euros que é o Sherlock. — geme Mary.

—Droga... — John se levanta, pegando o celular e agradecendo por não ter aceitado a aposta. — Sherlock?

Preciso de sua ajuda. Rua Chiltern, perto das Mansões Portman.

—Sherlock, não! — tarde demais. Sherlock já havia desligado. John se levanta, tirando o pijama e colocando sua roupa normal e seu casaco.

—Quero meus 5 euros. — diz Mary, sem se mexer na cama.

—Eu não apostei! E de qualquer forma você vive pegando meu dinheiro...

—Não sabia que Sherlock começara a ligar usando o próprio celular.

—Mais uma prova para minha tese de que ele não está normal.

—Você vai?

—Não posso deixar Sherlock zanzando por aí a esta hora da noite.

—Claro, ele não sabe se cuidar e corre grande perigo.

—Você me entendeu.

Mary se senta na cama, sorrindo maliciosamente.

—Você estava louco para acompanhar mais um caso, não é?

John a encara, retribuindo o sorriso.

—Você andou tendo aulas de dedução?

Ela se deita novamente, enrolando-se na colcha.

—Não se esqueça de trancar a porta e se passar perto de alguma loja 24 horas me traga batatinhas.

—Desejo?

—Sim.

John termina de se vestir, pegando carteira e celular, olhando em volta e certificando-se de que não esquecera nada.

—Muito bem, eu estou saindo. Não me espere acordada.

—Mpkgdn... — Mary murmurou de debaixo das cobertas.

John saiu, sentindo imediatamente o ar gelado da madrugada, e tendo aquela deliciosa sensação de nostalgia. Enquanto caminhava, lembrava-se dos tempos em que resolvia caso após caso ao lado de Sherlock, sempre varando a noite a procurar pistas e testemunhas, familiarizando-se com a Londres pós-2 da madrugada. Ele caminhou até encontrar um táxi, que o levou pelo resto do caminho, até a rua Chiltern. Saindo para a rua, John teve uma sensação ruim. Aquele lugar, somando a hora, o frio e as grandes construções das Mansões Portman, era deveras sombrio. Aquelas mansões eram antigas, com estilo quase vitoriano e pintura vermelha envelhecida, além de ter todas as molduras das portas e janelas em branco, fazendo os prédios terem uma aparência fantasmagórica sob o luar. Não havia viva alma até onde a vista alcançava. Se não fosse a faixa amarela e preta cercando a área ao redor e um policial de guarda caído em sono profundo, seria realmente um lugar deserto. O lugar perfeito para se cometer um crime. Ele estava pensando nisso quando Sherlock apareceu atrás dele.

—Acordei você?

—Não. — John sorri. — Eu estava lendo um pouco quando me ligou.

—Sobre prosopagnosia, eu presumo.

John solta uma risadinha, e certificou-se de que Sherlock estava mesmo usando o cabelo penteado para trás.

—Tudo bem, não há nada na minha roupa que possa apontar isso.

—Não há, mas eu também li a respeito, então presumi que você também leu. Não importa. — Sherlock sai andando, tendo Watson a acompanhá-lo. — Lestrade indicou o lugar onde o corpo foi encontrado, fica a alguns metros da caçamba onde Violet foi jogada.

—Violet? — John pára de andar.

—O quê?

—Já está a chamando pelo primeiro nome?

—Srta. Hunter... — ele diz, voltando a andar. — O corpo foi encontrado naquele beco, pertencia a uma advogada, Margareth Plummer, foi dada como desaparecida dois dias antes de ser achada morta. 30 anos, bem sucedida, solteira, não via os pais há um bom tempo e gostava de ter encontros com homens acima dos 50 anos que fossem comprometidos.

—Me poupe dos detalhes, por favor.

—Media 1,70 m, pesava 80 quilos, acima do peso. De acordo com Molly ela foi morta por asfixia, uma corda curta segurada pelo próprio assassino.

—Como sabe disso?

Sherlock posta-se em frente a John, esticando o braço esquerdo e apoiando-o no ombro dele.

—Havia uma marca arroxeada de dedos no ombro da vítima, a mão masculina, grande, e indicava esforço extremo. Isso significa que ele a segurou pelo ombro... — Sherlock faz a mímica de uma corda no pescoço de John e finge que a está puxando. — com uma das mãos, e com a outra puxou a corda enrolada em seu pescoço, — Sherlock solta John, baixando os braços. — até matá-la.

—Mas a Srta. Hunter disse que viu sangue.

Sherlock volta a andar.

—Ele cortou a garganta dela após a morte.

—Um assassino meio porco, não?

—É um psicopata. Ele se diverte. Precisa de contato físico, por isso a enforca desta forma, é uma forma muito pessoal, como quebrar um pescoço, e como todo bom psicopata ele gosta de ver sangue. Ele não foi porco, foi exibicionista, queria que todos vissem o que ele fez, queria um show. Não esperava pela presença de Violet, isso o assustou, por isso a perseguiu e atirou-a do alto do prédio.

Eles passam por debaixo da faixa amarela e preta, e param em frente à caçamba onde Violet caíra. Ficava ao lado de um dos prédios, colado à calçada. John observa o oficial sentado num banco, encostado ao muro.

—O policial não vai...

—Não fale tão alto, — diz Sherlock, olhando seu celular. — vai interromper o encontro dele com Jennifer Lopes.

—A caçamba está meio longe da parede, como ela...

—Não seja estúpido, John, — ele guarda o celular no bolso do casaco. — quando você cai de uma grande altura com certo impulso você se afasta do ângulo original à medida que cai... Todo mundo sabe que ninguém cai rente a parede.

—É, claro... — John coloca as mãos no bolso, observando a caçambas. — Mas então... Por que ele não cortou o pescoço dela também?

—Isso é algo que pretendo descobrir...

—Ele pegou a bolsa... — John respira fundo. — É um trombadinha.

—Ou ele tinha um objetivo. — Sherlock vai até a caçamba e salta dentro dela.

—Ou foi mesmo algum trombadinha... Sherlock, não pode pular aí, a polícia...

—Lestrade já pegou tudo o que queria, a perícia ocorreu há dois dias. — ele gesticula na direção da calçada. — Até limparam a rua. Havia um imenso rastro de sangue onde você está pisando.

John olha para o chão, levantando um dos pés, sentindo-se desconfortável.

—Obrigado pela informação.

Sherlock cavava como um cão adestrado a imensidão de entulho em que se encontrava. Logo John não podia mais vê-lo de onde estava. Caminhou até a caçamba, esticando a cabeça para dentro dela, ouvindo uma praga solta por Sherlock.

—Não há nada...

—Devia haver algo?

—Talvez algo que caiu da bolsa dela... Ou algo que ele deixou cair... Quando você é jogado, ou mesmo apenas cai, suas mãos se esticam para frente com o intento de se agarrar em algo. Ela pode ter tentando se agarrar ao casaco dele... E arrancado alguma coisa. — Sherlock salta para fora, batendo a poeira do casaco. Olha para cima, prestando atenção nas laterais do prédio. — Vamos subir.

Sherlock vai até a porta onde mais faixas amarelas e pretas jaziam grudadas, e gira a maçaneta, entrando. John o segue.

—Trouxe lanterna? — Sherlock pergunta.

—Não.

—Ótimo, eu trouxe duas. — ele lhe entrega uma pequena lanterna de bolso.

—Você sabe quem é Jennifer Lopes?

—Não.

—Então como...

—Eu o ouvi comentar sobre ela com seu colega hoje à tarde.

—Você veio aqui. — disse John, olhando o corredor imenso que se estendia à frente deles.

—Sim, e deixei avisado que viria novamente à noite.

—Por quê?

—Gosto de vistoriar cenas de crime no mesmo horário em que ocorreram. Assim posso perceber o que em outro horário eu deixaria passar.

—Como o quê?

—Como... — Sherlock começa a caminhar. — O provável caminho que Violet... Srta. Hunter percorreu em sua fuga. — Ele para no meio do corredor, com John logo atrás dele. — Olhe em volta, John. O que você vê?

—Quase nada.

—Exatamente. Que caminho você percorreria se estivesse fugindo de um óbvio assassino, sem armas e completamente indefeso?

—O mais escuro, com certeza.

—E por quê?

—Para me esconder. Eu iria querer ser o Homem-Invisível.

—Sim, mas você é homem. Homens costumam agir pela lógica mesmo em situações estressantes, mas as mulheres, elas agem sempre por instinto, e o instinto que comandava Violet naquela ocasião era o de sobrevivência. Ela precisava de algo que a protegesse, algo que a fizesse se sentir segura, ela estava em pânico, então nesta escuridão, o que ela procurou?

John olha ao redor, notando que uma das portas mais à frente do corredor emitia uma luz fraca.

—Luz.

—Exato. — eles vão até aquela porta, abrindo-a e descobrindo a fonte da claridade, uma luz fraca de emergência. — Saída de emergência. Por isso ela chegou tão rápido ao terraço, essa escada vai direto até lá, e é toda iluminada por essas lâmpadas. — eles começam a subir a escada. — Estas construções antigas não tinham escadas de emergência do lado de fora, possuíam uma escada interna que estava conectada a todos os andares. Numa emergência todos sabiam por onde descer e sair do prédio. Há uma escada assim no Barts.

—Mas há também uma escada de emergência externa.

—Foi adicionada depois.

John subia as escadas, e começara a se incomodar com o barulho alto de seus passos.

—Escada barulhenta... — comentou.

—Segundo motivo pelo qual o assassino pôde segui-la. Ele presumiu que ela pegou o caminho mais iluminado e quando ouviu seus passinhos apressados soube que escolhera corretamente. — Sherlock para num dos degraus, onde havia um encaixe para extintor de incêndio vazio. Abaixa-se, estudando-o. — Ela se machucou aqui.

—Como sabe? — John se abaixa também.

—Há uma penugem azul... — Sherlock coloca suas luvas, também tirando sua pequena lupa, abrindo-a e estudando com calma o que encontrara. — Se eu perguntar provavelmente Violet tem um casaco desta cor. E há sangue...

—Então ela passou correndo e o casaco se agarrou nessa coisa?

—Quando você corre em pânico tende a perder o equilíbrio. — Sherlock fecha sua lupa, pensativo. — Imagine, ela subia as escadas o mais rápido que podia, acometida pela tonteira em virtude do medo, ela esbarrava nas paredes para continuar de pé, num dos esbarrões, ela se cortou neste encaixe, arrancando também alguns fios de seu casaco de caxemira.

—Isso é caxemira?

—Sim. Ela estava de blusa quando foi ao nosso apartamento, sequer pensei em olhar-lhe os ferimentos, ela deve estar cheia de hematomas, e eu nem chequei ainda a cena da luta.

—Meu Deus... — John murmura, sem tirar os olhos do encaixe vazio. Sherlock retira do casaco um pequeno frasco e uma pinça, pinçando os fios de caxemira e colocando-os no frasco. — Como Lestrade não viu isso?

—Como eu disse, — Sherlock se põe de pé. — você deve estudar uma cena de crime no horário em que ele ocorreu. Tem uma escadaria principal que leva ao terraço, Lestrade provavelmente a usou para subir e descer com seus policiais ineptos, jamais pensaria em checa uma escada apertada e quase não utilizada como essa.

Eles continuam subindo, até que chegam ao terraço. Quando Sherlock abriu a porta, que rangeu com o movimento, John pôde ter uma vista privilegiada daquela região de Londres, e até pôde vislumbrar o brilho modesto do Tâmisa. Quando finalmente parou de apreciar a vista, viu Sherlock a quase farejar o chão por todo o lugar com sua lupa.

—Como sabe que ele estava de casaco? — John pergunta.

—A noite do ocorrido fez 5˚ graus, duvido que havia alguém na rua sem um agasalho.

—Claro... — ele murmura, pensando no porquê de ele nunca pensar nestes pequenos detalhes, os quais Sherlock sempre levava em conta. Talvez por isso o detetive era Sherlock e não ele.

—Venha cá, John.

John caminhou até a beirada, olhando lá embaixo e podendo ver a caçamba e o policial roncando.

—Ela caiu daqui?

—Foi jogada. Não foi uma luta, Violet não teve a menor chance.

—Ele poderia tê-la matado aqui mesmo.

—Poderia, mas qual seria a graça disso?

—Claro, é muito mais divertido atirar moças do alto de prédios.

—Ela não teria sobrevivido se não tivesse sido assim.

John se calou. Isso era verdade.

Sherlock olhou novamente o chão, ajoelhando-se e passando os dedos sobre o cimento. John se encurva na mesma direção para olhar melhor.

—Achou algo?

—Os antílopes da Scotland destruíram quase tudo... Eles não deviam ser permitidos de andar em bandos por aí, são uma ameaça à sobrevivência da humanidade.

—Tudo bem, mas você disse “quase” tudo.

—Veja esta marca. Um risco, mas não é contínuo. Ela foi arrastada por aqui, seus pés arranhavam o cimento, o risco não é fino e profundo, como o de um salto, ela disse que é garçonete, garçonetes usam sapatos confortáveis, pois andam muito.

—Isso é a sola do sapato dela?

—Sim, ele a arrastou pelo chão, provavelmente segurando-a pelo pescoço.

—Por que pelo pescoço?

—Pense, John, se fosse pela cintura ele a levantaria do chão. Pela altura e peso da vítima que ele puxava pela rua, era um homem de no mínimo 1,80 de altura e não era fraco. Violet tem 1,60 m, e não pesa mais que 50 quilos, ele a levantaria do chão com facilidade.

—E não a levantou por que ela não parou de se debater.

—Ela foi uma verdadeira guerreira. — Sherlock disse, e John sentiu respeito em sua voz. — Ela o machucou neste ponto. — ele índica uma área no chão onde não há arranhões. — Ele ia levantá-la, como você achou que ele deveria ter feito, mas aí ela deve tê-lo acertado em algum lugar dolorido, uma cotovelada sortuda, daí ele a largou, ela caiu no chão, tentou se arrastar para longe, mas ele a pegou pelo pescoço aqui e a arrastou até a beirada. O resto você conhece.

—Mas ela não gritou?

—E se gritou? Acha que alguém ouviria?

—Quanto tempo ela ficou no hospital?

—Lestrade me informou que foi uma semana.

—Pouco tempo.

—Não visitei o hospital ainda, precisava ver o corpo da assassinada e o local do crime primeiro.

Eles desceram as escadas, e Sherlock acendeu sua lanterna, sendo imitado por John. Eles saem caminhando pelo corredor escuro.

—Você foi ao Barts?

—Sim, Molly me deixou ver o corpo.

—Deu alguma cantada bem charmosa desta vez?

—Não. — Sherlock o encara, sem entender a piada.

—Deixe para lá. — John balança a cabeça, encarando a escuridão. — Não gosto de andar no escuro, estamos procurando o quê exatamente?

—Algo útil. O assassino jogou Violet do prédio, e então... Ele foi para onde?

—Ele foi até a caçamba pegar a bolsa?

—Não, isso foi ideia de última hora, um pensamento cruel para a diversão não acabar.

—Como?

—Eu preferi não dizer à Violet...

—Srta. Hunter.

—Isso, preferi não dizer que tudo indica que o assassino pegou a bolsa para... Poder atormentá-la primeiro.

—Eu... — John coça a cabeça. — Eu não fui feito para esse tipo de coisa. Eu não entendo tamanha crueldade.

—O mundo é cruel, John.

—Então ele não vai matá-la, vai ficar brincando?

—É um psicopata, precisa se distrair, e o que é melhor do que uma moça traumatizada? E se ele descobrir, se já não descobriu, o problema que ela adquiriu com a queda isso ficará ainda melhor.

—Não fale assim, você me assusta. Podemos ir embora?

—Ainda não. — Sherlock sai caminhando, apontando a lanterna para todos os cantos no chão e observando com atenção. — Ele vai voltar aqui.

—Hã?

—Ele vai voltar. Não agora, há muito movimento, mas quando a poeira baixar.

—Você não tem como saber...

—Vou avisar Lestrade. Isso não acabou.

—Você não sabe disso.

—Um psicopata. — Sherlock quase falava consigo mesmo. — Um ser dominado pelo tédio. Uma criatura louca por um bom desafio. Agora ele tem um. E não vai resistir.

Sherlock sai andando na direção da saída, e John o segue, sem querer ficar sozinho naquele lugar.

—Mas que desafio? — exclamou, apertando o passo.

—Eu.

**

Centro Médico Queen Anne. Uma semana antes.

Violet Hunter abriu os olhos, sem ter ideia de onde estava. Viu uma luz branca e forte, mirada diretamente para seu rosto, forçando-a a desviar o olhar. Ao fazer isso, viu uma bolsa de soro, e da bolsa saía um tubo finíssimo que se estendia até as costas de sua mão. Ela tentou mover o membro, mas a dor que a agulha por debaixo da pele causou a fez desistir de seu intento. Ela se endireitou na cama, erguendo o tronco, sentindo todo seu corpo doer com o movimento, e viu-se num típico quarto de hospital, com um sofá e uma poltrona num dos lados e uma televisão num suporte parafusado ao teto. Na TV, um programa de perguntas e respostas. Na parede à sua frente, uma grande janela de vidro que dava para um corredor onde médicos e enfermeiras passavam constantemente.

Violet não compreendeu. O que aconteceu?

A porta ao lado da janela de vidro se abriu. Uma médica de meia idade, de olhar gentil, se aproximou segurando uma prancheta.

—Bom dia, querida.

—Bom dia. — ela gaguejou, sentindo a garganta seca.

—Eu sou a Dra. Lisa Handler. Como se sente?

—Meio... Dolorida.

—Isso é normal. Você se machucou muito.

—Minha cabeça...

—Foi uma batida e tanto. — a médica tentava ser o mais delicada possível. — Por sorte não precisou de cirurgia, apenas alguns pontos. Logo poderá voltar para casa.

—Que bom... — Violet olhou novamente o quarto, daí voltou a olhar a Dra. Handler. — O que houve?

—Não me contaram, meu bem. Um policial em breve virá para lhe explicar tudo.

—Certo.

—Precisa de algo?

—Eu preciso usar o banheiro.

—Claro. Eu te ajudo a levantar. — a médica segurou o braço de Violet, dando-lhe apoio para se levantar e colocar-se de pé. — Não se preocupe com a tonteira. — ela sorriu. — Você dormiu um bocado. O banheiro é nesta porta, não precisa sair de seu quarto.

—Obrigado.

—Chame se precisar de ajuda para se deitar ou se sentir tonteira enquanto estiver de pé.

—Muito obrigado.

Violet caminhou até o banheiro, trazendo consigo o suporte com o soro, entrou e fechou a porta. Não havia tranca, provavelmente para que nenhum paciente se trancasse, passasse mal e os médicos não pudessem ajudá-lo. Ela usou o sanitário, imaginando o que a havia trazido até uma cama de hospital, indo até o lavatório e olhando-se no espelho. Seu coração disparou.

—Socorro!!! — Ela cambaleou para trás, em pânico. Havia uma mulher, uma mulher desconhecida com ela no banheiro! — Alguém me ajude!

Agora ela lembrava. Lembrava do que havia acontecido. O corpo. A mancha de sangue no asfalto. O assassino. A sensação de cair sem controle.

Ela acabou chocando-se contra a parede, gritando e chorando, ainda vendo aquela mulher estranha que também gritava. A agulha saiu de seu braço, e agora ele sangrava, o sangue escorrendo por seu braço.

A porta do banheiro se abriu, uma médica e dois enfermeiros entraram. Violet tentou se afastar dos três, ainda gritando.

—Não!!!

—Violet, fique calma! — dizia a médica, enquanto os enfermeiros tentavam segurar Violet e impedir que ela se debate-se mais. — Sou eu, a Dra. Handler!

—Não, eu não sei quem você é! — ela berrou, tentando se livrar dos enfermeiros, as lágrimas encharcando seu rosto. — Nunca te vi! Alguém me ajude!

—Por favor, fique calma! — a médica tirou uma seringa do jaleco, e os enfermeiros forçaram Violet a esticar o braço.

—Não! Me deixem em paz!

—Calma, criança! — a médica inseriu a agulha, e o líquido passou para a circulação de Violet, que começou a amolecer. Logo apenas um enfermeiro precisou segurá-la. — Levem-na até a cama. Com cuidado.

Violet sentiu-se ser carregada, enquanto tudo escurecia e ela não entendia absolutamente nada. O que estava acontecendo com ela?


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