Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 29
Capítulo 29




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—Eu não acho que esse seja o problema... Quero dizer, ele não era um psicopata, ele só... Parecia um.

Molly Hooper batia os dedos sobre a mesa. Pensava cuidadosamente. Estava numa discussão profunda sobre seus relacionamentos, e sobre o tipo de homem que a atraía. Era um assunto muito importante. Discutia isso com o homem à sua frente. Ele parecia muito atencioso, e em nenhum momento a interrompeu. Pena que ele tinha um buraco na têmpora. E não tinha pulso. Nem olhos nas órbitas. E estava cianótico. E morto.

Molly olhou para o teto. Juntou as sobrancelhas.

—Eu não estou dizendo que procuro uma cópia do Sherlock... — ela gesticulava com a faca incisiva e manchada de fluidos orgânicos que tinha na mão. — Eu acho que sempre espero algo aproximado, é inconsciente, ele é um tipo que me agrada e eu procuro alguém do tipo dele... — ela encara o defunto, e abre os braços, frustrada. — O que eu posso fazer? Ele nunca me notou! E quando ele pareceu me notar, eu estava noiva! Acho que não fomos feitos para ser... Alguma coisa. — daí suspira, pegando outro instrumento, linha, e começando a sutura. — Ainda tenho esperança de encontrar alguém... Alguém que não seja louco... Nem psicótico. Gosto de homens que tenham olhos azuis. E que ele seja atencioso e que não seja secretamente um sniper. — ela checa a costura, ficando contente com o resultado. — Como é bom ter alguém para me ouvir... Pena que você não está processando o que eu digo.

—Com licença. — diz uma mulher alta, muito bonita, parada na entrada do necrotério, ainda segurando a maçaneta da porta.

—Pois não? — a mulher caminha até Molly, estendendo a mão. Molly dá um passo atrás. — Mãos sujas. — ela diz, erguendo as mãos enluvadas e úmidas de fluidos e sangue. — Em que posso ajudá-la?

—Meu nome é Anette Lieberman. Disseram-me para vir aqui.

—Lieberman? — Molly olha rapidamente para o defunto sobre a mesa. — Ah, você veio reconhecer o corpo.

—Sim. Espero não estar incomodando, não pude vir mais cedo.

—De forma alguma, eu já terminei. Eu estava... Treinando uma dissertação... Eu sinto muito por sua perda.

A mulher sorri secamente, daí olha detrás de Molly.

—É ele?

—Sim. — Molly dá um passo atrás. — Fique à vontade.

A mulher, Anette, caminha até a mesa, observando o corpo. Vestia-se muito bem, algo que Molly achou estranho, levando-se em conta que a vítima era um mendigo. Mas daí ela pensou que talvez o homem fosse um membro desgarrado da família. A mulher observa o cadáver alguns instantes, daí balança a cabeça.

—É ele.

—Ok. — diz Molly, pegando uma prancheta e fazendo algumas anotações.

—Ele morreu por causa desse furo na cabeça?

Molly levanta a cabeça, pensando no que dizer.

—Bem... Sim.

A mulher assente. Daí se vira para Molly.

—Eu já posso levá-lo?

—Não, sinto muito. Ele tem que ficar aqui, faz parte de uma investigação policial. Avisamos quando puder buscá-lo.

—O que sabem sobre quem o matou?

—Eu não tenho essas informações. Não sou policial. Se quiser perguntar qualquer coisa, fale com o Det. Dimmock.

—Det. Dimmock? - a mulher pareceu achar graça. — Achei que quem estava investigando era aquele detetive da TV, como é o nome dele? Sherrinford?

—É Sherlock. - Molly disse, apertando a sutura entre as mãos. — Sherlock Holmes.

A mulher lançou sobre Molly um olhar esperto.

—Sherlock Holmes. Isso mesmo. Não era ele o responsável?

—Não, ele é só o consultor. Ele assiste aos policiais.

—E você é amiga dele.

—É... Posso dizer que sim. — Molly sorri, acanhada. — Eu tenho que voltar ao trabalho.

—Certamente. Desculpe incomodar.

A mulher dirige-se para a porta e Molly volta-se para a mesa, deixando o instrumento sobre ela e retirando as luvas, jogando-as no cesto ao lado. Neste momento ela sentiu uma seringa sendo inserida em seu pescoço.

***

—Sabe qual é o problema, John? O problema é que você é um idiota!

John falava consigo mesmo. Desde sempre tinha o costume de repreender a si mesmo, e se chamar de idiota. Fazia isso sempre que se metia em alguma encrenca. Como ir para a guerra. Como levar um tiro. Como fazer qualquer coisa que Sherlock lhe pedisse. E após ter chegado em frente à Empresa Ward, encontrado a porta destrancada e entrado, ele sabia que se meteria em uma encrenca das grandes.

Todas as luzes estavam desligadas. A única fonte de luz vinha do exterior. Ele caminhava pela recepção, um espaço que lhe pareceu bem menos convidativo na calada da noite. Todos os móveis pareciam sombras dançantes, e o balcão da recepção dava a John a impressão de alguma coisa saltaria de lá de trás a qualquer momento. Seus passos eram inaudíveis, John fazia questão de que fossem assim, pois não tirava da cabeça o fato de que a viatura estava vazia, o rádio estava quebrado, e que havia um furo no banco. Algo havia acontecido ali.

Ele caminhou mais, olhando tudo ao seu redor, até se aproximar da escada metálica que levava ao segundo andar. Uma luz nesga vinha do andar de cima. John parou ao pé da escada, tentando perceber algum movimento lá em cima. Não conseguiu se convencer a chamar algum nome. Começou a subir as escadas, pé ante pé, e à medida que subia, ouvia cada vez mais nítida uma canção tocando. Não atinando qual era, e sabendo que isso não importava, continuou subindo. Chegando ao segundo andar, viu um espaço amplo, arejado, no qual já estivera antes, acompanhado de seu melhor amigo. Mas como era dia, e ele, como já dito, estava acompanhado, o lugar parecia mais agradável antes. Agora não. Agora parecia querer atacá-lo.

A luz vinha de uma porta aberta. John foi até ela. Agora podia ouvir claramente a música que tocava. Rock. Creedence Clearwater Revival. Bad Moon Rising. John quis rir. Aquela música parecia ser profética.

"Eu vejo a lua ruim nascendo

Eu vejo problemas no caminho"

Ele se aproximou da porta, encostando-se na parede, esticando o pescoço e olhando do lado de dentro. Viu uma pequena cozinha, daquelas que normalmente existem em empresas. John entrou nela, tendo um pressentimento ruim. O chão estava sujo de restos de comida, e cacos de vidro espalhavam-se sobre ele. Um quadro que devia estar pendurado na parede estava no chão, partido e manchado de vermelho. John sacou sua arma. A música continuava a tocar.

"Não ande por aí esta noite

Bem, está prestes a tirar a sua vida

Tem uma lua ruim nascendo"

John enfiou a mão no bolso, pegando seu celular. Enquanto discava o número, olhava em volta. Quando apertou o botão Ligar e terminou meia volta deparou-se com a figura de Nathan Ward. Desgrenhado. Rasgado. Arranhado. E coberto de sangue.

"Espero que você tenha juntado as coisas

Espero que você esteja preparado para morrer

Parece que estamos preparados para um tempo ruim

Agora é olho por olho"

—O que você fez? — arfou John.

Ward olhou para a bagunça, parecendo muito tranquilo. Tinha as mãos na cintura, e pareceu pensar.

—Bem... Acho que... Eu posso ter exagerado um pouco.

John não teve a reação normal. O normal seria ficar estático, congelado, sem saber o que fazer. John sabia o que fazer. Mas Ward também sabia. No instante em que John apontou-lhe a arma, Ward lançou-se sobre ele, acertando sua mão com um golpe que o fez derrubar o celular, e os dois agarraram a arma, lutando por sua posse. John chocou-se contra a parede, tendo Ward a pressioná-lo, e num relance viu que sua ligação fora atendida.

—É o Ward! — gritou a plenos pulmões. — Ward! Ward!

Neste momento Ward acertou o estômago de John, que soltou a arma, esta caindo para longe dele. John aparou segundo golpe, segurando a mão de Ward e batendo-a contra o rosto do próprio dono. Acertou uma cotovelada potente no abdômen do homem, que ofegou, e um soco certeiro em seu rosto, fazendo-o cambalear para trás. Ward acertou um golpe na garganta de John, fazendo-o perder o fôlego, daí agarrou-o por trás, tentando sufocá-lo. John lançou-se para frente, abrindo as pernas e passando os braços entre elas, segurando o tornozelo de Ward com as duas mãos.

—Belos sapatos! — exclamou, puxando o tornozelo para cima com todas as forças. Ward desequilibrou-se para trás, John saltou e os dois caíram no chão, John caindo com todo o seu peso sobre Ward. Ele se levantou, arrastando-se até a arma, quando Ward saltou sobre ele, dessa vez com uma faca na mão. John desviou-se a tempo, mas a faca acabou por cravar-se seu ombro. Ele segurou a cabeça de Ward, puxando-a e fazendo-o sair de cima dele, os dois se levantando cambaleantes. John tirou a faca de seu ombro, abrindo um sorriso.

—Acha que isso vai me derrubar?

—Deveria. — diz Ward. — Derrubou o seu colega.

John engoliu um embôlo que subiu por sua garganta. Girou a faca na mão, mantendo o gume para baixo.

—Bem... Ele nunca serviu Exército.

Os dois se jogaram um contra o outro, como dois gatos, rolando pelo chão em meio aos cacos de vidro e comida. Ward passou as mãos pelo pescoço de John, procurando sufocá-lo, e John aproveitou a abertura e cortou o braço de Ward, que gritou de dor, e afundou a faca em seu ombro. John empurrou-o para o lado, esticando a mão para pegar a arma, quando ouviu um tiro. E uma queimação em seu corpo.

John soltou a faca. Despencou para trás, sendo engolfado pela escuridão.

***

Molly respirava com dificuldade. Ainda sentia uma ardência incômoda em seu pescoço, onde a mulher havia enfiado a seringa e tentado apertar seu conteúdo para dentro do corpo dela. Molly segurara a mão da mulher, conseguindo imobilizar seus dedos, pisara em seu pé e acertara seu cotovelo, forçando a mulher a dobrar o braço e a soltar a agulha. Molly caíra no chão, tirando a seringa do pescoço e disparando para a porta oposta, do outro lado do necrotério, e para seu horror, achou-a trancada. Agora ela estava encolhida detrás de uma das muitas mesas ali, espiando o que a mulher faria em seguida.

A mulher se recompôs, tirando uma mecha de cabelo do rosto. Olhou em volta, seu rosto completamente metamorfoseado, passara de dama gentil para assassina fria, e agora ela tinha um revólver nas mãos. Começou a caminhar lentamente, estudando todo o lugar.

Molly controlava a respiração, ou tentava fazer isso, e tirou o celular do jaleco. Começou a apertar as teclas, quando a voz da mulher a fez congelar.

—Eu posso te ouvir. — cantarolou a mulher. — Melhor você fazer mais silêncio... Ou não.

Molly engatinhou para detrás de outra mesa, escondendo-se debaixo dela. Queria se aproximar da mesa em que jazia o corpo de Thadeus Lieberman, onde se encontrava a faca de bisturi. Abaixou a cabeça até o chão e viu os belos sapatos da mulher passando bem ao seu lado, os saltos claqueando suavemente sobre o piso frio. Molly tirou seus próprios sapatos, conseguindo chegar na mesa seguinte, e encolhendo-se como podia. Ainda ouvindo os saltos, mas percebendo que se afastavam, tomou coragem para prosseguir com seu objetivo, cada vez mais perto da mesa desejada.

Daí seu celular tocou.

Molly disparou na direção da porta, mas antes que a alcançasse a mulher acertou-lhe um tiro nas costas. Ela caiu, a poucos metros da saída, gemendo de dor e vendo sangue no chão debaixo de si. Virou-se para cima, vendo que a bala perfurara as costas e atravessara até seu abdome, formando uma mancha arroxeada sob a pele. Olhou para cima, apenas para ver o rosto da mulher surgir diante dela. Esta pensou algum tempo, daí caminhou até a porta, olhando rapidamente o corredor, trancando-a em seguida. Pegou Molly pelo jaleco, arrastando-a pelo colarinho, sem se importar com os gemidos de dor da doutora. Chegando aonde queria, soltou-a.

—O que vai fazer? — Molly gemeu, vendo a mulher pegar um bisturi de cima da mesa. Não podia nem sonhar em reagir, estava sentindo náuseas fortes e tinha braços e pernas dormentes.

—Vou tirar a bala. — ela disse, encarando Molly, insensível. — Depois vou cortar sua garganta. Por que é assim que as pessoas morrem.

A mulher se ajoelhou sobre Molly, levantando a blusa dela e estudando a mancha roxa-avermelhada.

—O ferimento está aberto nas minhas costas.

—Eu sei. Mas por que me dar ao trabalho de te virar? — a mulher segurou o rosto dela. — Eu vou cortar sua carótida primeiro, esperar que morra e só então vou extrair a bala. Devia me agradecer. Não vai sofrer... Não muito.

A mulher estendeu a mão, firmando a cabeça de Molly contra o chão e apertando o bisturi contra a pele sensível de seu pescoço.

Molly soltou um grito. Sentira a pele se partir.

A porta se abriu num estrondo, batendo contra a parede com força. A mulher se levantou, mas não pôde reagir, pois antes que pudesse fazer isso uma faca cruzou o ar e veio a atravessar sua garganta. Ela caiu no chão, dando pequenos espasmos, empapando sua roupa, e o chão, de sangue.

Molly ergueu a mão, levando-a ao pescoço e sentindo-o molhado. Gritou de desespero.

—Não consigo apertar! Não consigo apertar! — Ela ouviu passos correrem em sua direção, e um homem se ajoelhou ao seu lado, colocando a cabeça dela em seu colo e apertando a veia cortada. Ela sentiu algo em sua garganta, e mal conseguia respirar. — Estou... Estou engasgando!

—Pare de falar. — foi a ordem. Logo um tecido denso foi colocado sobre o ferimento, e mão de Molly foi colocada sobre ele. O homem segurou a mão dela no lugar certo, passou o braço por sua cintura e ergueu-a do chão, colocando-a sobre uma das mesas que estavam vazias. Foi só então que Molly pôde ver o rosto de seu salvador: era um homem pálido, cabelo preto, e quando este a olhou ela pôde ver que seus olhos eram de cores diferentes. Ele se afastou dela, indo até onde jazia o corpo da mulher, e revistou-o. — Aperte esse pano, mulher. — disse, olhando o interior de uma carteira. — Use a força restante do braço. — ele se levantou, voltando aonde Molly estava. Abriu um sorriso repreensivo. — Parabéns, você me deu outro corte.

—Molly, está aí? — era a voz de Lestrade, que surgiu na porta, insuspeito, tendo seu celular na mão.

O homem ainda olhava para Molly, mas imediatamente tirou um revólver do casaco e apontou-o para o inspetor.

Lestrade cambaleou para trás. Fosse pela mulher morta com uma faca enterrada no pescoço, fosse por ver Molly suja de sangue sobre uma mesa de autópsia. Mas especialmente, por que Benjamin Knight estava parado ao lado dela. Livre. E armado.

Benjamin abriu um sorriso infantil.

—Olá, inspetor! — os olhos dele brilhavam. — Salvei sua amiga. Agora... — ele destrava a arma, e Lestrade tem um sobressalto. — Onde está Sherlock Holmes?

***

—Sherlock! — Violet gritava, batendo as duas mãos no vidro do carro. — Sherlock, me deixa sair!

Violet Hunter estava uma visão peculiar. Seu rosto angélico estava salpicado de sangue, seu cabelo vermelho estava extremamente curto e desgrenhado, e uma de suas mãos estava enfaixada. Ela batia no vidro, não para quebrá-lo, sabia que não conseguiria, mas para fazer barulho e talvez convencer Sherlock a destrancar o carro. Ele não fez isso. Continuou caminhando, deixando-a presa dentro do veículo, e dirigiu-se ao prédio da Empresa Ward. Apertava o celular entre as mãos, e ao avistar a viatura vazia e a porta entreaberta do estabelecimento, tinha uma clara ideia do que o esperava lá dentro. Entrou, já tendo seu revólver nas mãos, e subiu as escadas, estudando todo o recinto. Foi até a cozinha, erguendo a arma na altura dos olhos, e tirando conclusões com base na bagunça ao seu redor.

—John... — murmurou.

Passos correndo. Sherlock foi até o balcão da cozinha, escondendo-se detrás dele. De lá, tinha uma boa visão da escuridão extensa para fora da cozinha. Um vulto também se escondia detrás do que parecia ser uma mesa. Sherlock mirou cuidadosamente, fechando um dos olhos. Acertaria bem em cheio.

Algo atingiu sua cabeça. Ele caiu no chão, tonto, mas conseguiu desviar de novo golpe, dado com um rolo de massa, e desferido por ninguém menos que Thomas Fries. Ele tentou dar novo golpe, mas Sherlock disparou para o outro lado do balcão, sem enxergar para onde fora a arma, e ainda tentando recuperar o equilíbrio.

—Ah, te achei. — murmurou. — Obrigado por aparecer de bom grado.

Fries sorriu, daí saltou por cima do balcão, mas ao fazer isso levou uma panelada na cabeça, vinda de uma panela inox que Sherlock pegara no chão e escondera detrás do balcão. Ele cambaleou, apoiando-se no balcão. Sherlock levantou a panela novamente, batendo-a várias vezes contra o rosto e cabeça de Thomas Fries, fazendo este ir ao chão. Foi a vez de Sherlock apoiar-se no balcão, ainda tendo a cabeça a rodar. Secou o suor da testa, apenas para ver que Fries achara sua arma.

Três tiros. Um na mão, outro no peito, outro certeiro na testa.

Fries caiu para trás, morto instantaneamente.

John abaixou a arma, deitado na escada que levava a um pequeno porão, lugar onde caíra quando foi atingido. Soltou um suspiro de dor e cansaço, apoiando a cabeça num dos degraus. Sherlock foi até ele, segurando-o pelo braço bom e ajudando-o a se levantar.

Sherlock estudou o ferimento de John.

—Precisa ir a um hospital.

—Cale a boca e me diga onde está o outro.

—Outro?

—Dimmock... Ele matou o Dimmock. — John disse, a voz entrecortada. — Ele está lá embaixo. Junto com um policial.

—Você levou um tiro, pode ter se enganado.

John bufou de raiva.

—Ele está em pedaços, mas o rosto está intacto, acredite, é ele!

Sherlock baixou a cabeça, daí ajudou John a ficar de pé.

—Temos de sair daqui.

—Onde está o Ward? — John pergunta, rasgando um pedaço de sua camisa e entregando-a a Sherlock.

—Eu ia matá-lo, — Sherlock dá um nó apertado logo acima do ferimento de bala no braço de John. — mas fui atingido com um rolo de macarrão.

—E para onde ele foi?

—Não muito longe.

—Vamos atrás dele.

Eu vou atrás dele.

John aponta-lhe a arma, ameaçador.

—Eu vou ver outro cadáver hoje, pode ser do Ward ou pode ser o seu, você escolhe.

—Consegue atirar?

John dá uma risada exausta, gesticulando com a arma.

—Melhor que o Fries com certeza, ele estava na minha frente e acertou meu braço, parece um Stormtrooper.

—Ele poderia ter te matado.

—Mas não matou, eu matei ele. — John passa pelo cadáver de Fries, e cospe sobre ele, daí começa a descer as escadas que levam para a recepção. Os dois passam pela recepção e chegam à Trafalgar Square. John caminhava quase normalmente, a adrenalina, e provavelmente a raiva, davam forças a seu corpo, como um combustível para aquela máquina ferida. Ele parou a alguns metros do carro, parecendo confuso.

—Sherlock... Quem quebrou o vidro do seu carro?

John mal falara isso, e já viu Sherlock abaixado em frente ao vidro quebrado, andando ao redor do carro, abrindo e fechando a porta, enfiando-se dentro do carro e saindo. Neste momento ele lembrava um cão farejador frustrado, quase se podia ouvi-lo choramingar, como se não estivesse encontrando o que tanto desejava.

—Não consigo... — gemia. — Não consigo ver.

—O que você não consegue ver?

—Para onde foram.

—Como é?

—Está tudo em branco, não consigo...

—Você está brincando? Eu estou sangrando, Sherlock, não comece com seus bloqueios!

Sherlock levou as mãos à cabeça, bagunçando ainda mais seu cabelo.

—Para onde ela foi?

—Olhe para mim. — Sherlock obedece. John estava pálido, coberto de suor, tendo uma tala amarrada em um de seus braços e um revólver na mão oposta. — Que diabos está acontecendo?

—Ela estava dentro do carro, eu a tranquei dentro dele.

—Você trancou ela?... — John sacode a cabeça. — Não importa, o que está acontecendo com você?

—Ela está fazendo aquilo de novo.

—O quê?

—Está me distraindo!

—Sherlock, você é tão burro!

Sherlock parou de andar. Estava em choque. Encarava John com cenho horrorizado, como se tivesse ouvido a pior coisa a ser dita na História. John balançou a cabeça positivamente.

—Sim, você é burro! No que diz respeito ao que está acontecendo aqui, eu posso dizer com 100% de certeza que você é uma bela de uma anta!

—Mas...

—Violet Hunter não está te distraindo. Ela nunca fez isso. É a sua insistência em negar que ela pode te distrair, que ela significa alguma coisa, que está te distraindo. Você está gastando cérebro, está gastando energia nessa idiotice, e isso desde o começo, e não diga que eu não te avisei!

—Eu não tenho tempo para isso, John!

—Melhor arranjar tempo, por que até onde eu observei, Violet está apostando corrida com Nathan Ward, e não tem prêmio para o segundo lugar! Concentre-se, admita no seu coração... Ah, desculpe, você não tem isso... Admita, em algum lugar, que você gosta dela, e supere isso! Supere isso e ache ela... Ache ela, Sherlock!

Sherlock virou-se para o carro. Respirou fundo. Ergueu as mãos à altura da face.

—Ele bateu no vidro... Apenas para se certificar de que Violet estava lá... Foi ela quem o quebrou...

—Como ela fez isso?

—A cabeceira do banco... É removível... Foi fabricada assim na maioria dos carros, incluindo este, projetada para quebrar o vidro em caso de acidente... Ela quebrou o oposto onde Ward estava, ele correu até ela, tentou segurá-la... — ele caminha até os cacos ainda presos na porta. — Ela puxou o braço dele para dentro, cortando-o no vidro que sobrou.

—E então...

Sherlock começou a andar para trás, olhando para o chão.

—Ela tentou correr para onde estávamos, mas ele a agarrou... Bateu nela aqui... Ela conseguiu se livrar e correu na direção oposta... Gritava, mas nenhum de nós poderia ouvir, eu estava semiconsciente e você enfiado no porão...

—Podemos pular essa parte, para onde vamos?

Sherlock ergue a cabeça. Nathan Ward arrastar Violet para dentro da viatura abandonada, a partira. Ele olhou na direção oposta. Viu diante de seus olhos uma linha incandescente, que seguia através da praça e continuava pela Charing Cross.

—Entre no carro.

O carro parte cantando pneus, adentrando pela Charing Cross em alta velocidade.

—Sherlock, seremos parados pela Polícia.

—Polícia? — Sherlock ri nervosamente. — Isso seria ótimo! Eu gostaria que centenas de viaturas me perseguissem, milhares delas, mas eles não estão aqui, nunca estão aqui! Portanto eu posso correr!

Ele pisou no acelerador, ignorando cada um dos semáforos vermelhos.

—Meu Deus essa rua não acaba!

—Poderia calar a boca?

—Aonde vamos?

—Aonde mais iríamos? Onde tudo começou! — Sherlock gira o volante, entrando na Tottenham Court Road. — Isso é tão clichê...

John abre o tambor de sua arma, contando as balas.

—Devíamos ter ficado com a viatura, lá devia haver munição.

—Ele não vai usar armas, vai terminar o que começou... Eu vou te matar... — Sherlock sorria de modo maníaco. — Seus dias estão contados...

John o encara, preocupado.

—Sherlock, quando eu falei sobre matar... Eu estava nervoso... Eu vi o Dimmock morto, eu... Não quero fazer isso, não quero que faça isso, vamos ligar para a Polícia.

—Você tem um celular aí? Por que eu não tenho.

—Vamos parar num orelhão.

—Não. — foi a única resposta.

—Eu matei o Fries para te salvar, não o faria em outra situação.

—Eu agradeço.

—Sherlock, já chega de mortes por hoje!

Sherlock solta uma risada gostosa.

—Você não viu nada...

—Pare de rir. — ordena John. — Ou então me dê o volante.

—Se você soubesse dirigir... — Sherlock gira o volante novamente, dando uma curva fechada e pegando a Howland Street. O carro prossegue veloz, passando pela New Cavendish Street como um foguete, pegando a Marylebone High Road rapidamente. A linha incandescente se estendia luminosa à sua frente, mostrando-lhe o caminho mais rápido até seu destino. Ao chegar na Paddington Street, Sherlock diminuiu a velocidade. Seguiu por alguns metros e estacionou o carro na entrada da rua seguinte, quase no cruzamento.

Chiltern Street. Mansões Portman. O começo do pesadelo.

Os dois saem do carro. Sherlock caminha até a esquina, sua respiração formando nuvens de vapor na noite gelada, e avista a viatura parada mais à frente. Trincou os dentes, procurando manter-se calmo.

Quase podia enxergar a cena. Ward desce do carro, puxando Violet pelo pulso machucado. Ela tem uma concussão na região da testa, o que explicaria ela ter permanecido dentro do carro e permitido Ward dirigir. Ele a arrasta para dentro do prédio.

Sherlock começa a andar, indo até a frente do prédio e empurrando a porta, que range. Vê Violet acordando, debatendo-se contra Ward, e daí crava os dedos no corte em seu ombro, puxando o ferimento e abrindo-o à plena força. Ward solta um grito de raiva, perdendo a força num dos braços, soltando Violet, que se arrasta na direção da porta. Ele a pega de novo, apertando-a pelo pescoço, e volta a carregá-la na direção da escada de emergência.

John surge ao seu lado, vendo o corredor vazio.

—Eles lutaram aqui.

—Não escuto sons de luta.

—Ele ouviu nosso carro de longe.

—O que fazemos agora?

—Nós salvamos Violet... E matamos Ward.

—Sherlock... — John observa Sherlock ir até a parede, pegando uma pá que lá estava. Ele estuda algo no chão, daí se levanta.

—Suba pela escada de emergência. Eu vou pelo corredor.

—Mas...

—Me obedeça. — diz Sherlock com uma voz gutural, dando as costas para John e adentrando na escuridão do corredor.

John respira fundo, apertando o cabo de seu revólver entre seus dedos, e vai até a escada, começando a subir. Sentia o sangue bater em seu ouvido, e a adrenalina atear fogo em suas veias. A luz esverdeada tornava tudo mais fantasmagórico, e fez o extintor de incêndio parecer uma pessoa, quase causando em John um ataque cardíaco. Ele parou alguns instantes, recuperando-se do susto, e voltou a subir. Pensava no que faria. Se encontrasse Ward segurando Violet, um tiro mais cuidadoso daria conta dele. Distrairia o homem com alguma conversa idiota, podendo assim mirar com cautela, e daria cabo do assassino de uma vez por todas. E impediria Sherlock de matar de novo.

John sentiu um calafrio. Não queria que Sherlock fizesse isso.

Ele era um soldado. Ele matara pessoas. Isso não o fez gostar de matar, pelo contrário, o fez repugnar tal ato. E após a conversa com Mycroft Holmes, John temia que Sherlock talvez não sentisse o mesmo. Talvez pegasse gosto pela coisa, e por nada, nesse mundo, John gostaria de descobrir que o próximo assassino que Lestrade teria de capturar seria Sherlock Holmes. Não suportaria ter de persegui-lo, e, num terrível momento, ter de impedi-lo utilizando-se da mesma arma que tinha nas mãos.

Não, não podia permitir isso.

Pensava nisso quando chegou ao terraço. E encontrou-o vazio. John soltou um grunhido de desespero. Caiu sentado no chão, completamente exausto, vendo as luzes da cidade e não sabendo o que fazer em seguida.

***

Sherlock mandara John pela escada por três motivos. Primeiro, Ward não subira por ali. Segundo, o esforço, somado à perda de sangue, impediria John de voltar correndo, pelo contrário, ele desabaria lá em cima no terraço. Terceiro, Ward morreria naquela noite. Ninguém demoveria Sherlock dessa decisão.

Ele seguiu pela escuridão, observando cada sala por onde passava. Naquele momento em especial, ele parecia um assassino.

Caminhava inaudivelmente. Tinha uma pá nas mãos. O rosto era inexpressivo. Todo o seu corpo emanava ameaça.

Ele parou em frente a uma sala. Esta tinha carteiras e cadeiras de madeira, algumas viradas com os pés para cima, outras caídas. Ele entrou nela, e finalmente pôde ouvir um pequeno choro.

Violet estava encolhida no canto oposto da sala. Cobria o rosto com as mãos, e tremia tanto que parecia atacada por uma crise epiléptica. Sherlock a olhou alguns instantes, examinando seu estado.

—Achei que a encontraria já morta. — disse em voz alta e clara.

Violet ergueu a cabeça, seu nariz estava sangrando. Soltou um suspiro de alívio.

—Sherlock...

—Fique onde está, docinho. — Ward ordenou, sentado numa das cadeiras, um fuzil nas mãos, provavelmente pego na viatura. Violet tapou a boca com as mãos, voltando a chorar. Ele volta-se para Sherlock. — Eu pensei em fazer isso mesmo, mas achei que gostaria de vê-la viva.

—Cometeu um erro.

—E quem liga? — ele sorri. — Eu mato pessoas, todo mundo já sabe disso, vou matar ela e você, se eu morrer ou for preso depois disso não tem importância.

—Por quê? — Sherlock deu um passo à frente. — Por que aquelas mulheres? Você não tem repulsa do tipo de pessoas que elas eram, você gosta, é do mesmo tipo... Isso não vem de você.

—Eu mato. — Ward coloca o fuzil sobre a mesa. — Não tenho preferências.

—Mas alguém tem.

Ward revirou os olhos.

—Vamos terminar logo com isso. Despeça-se da moça. A propósito, largue a pá.

Sherlock solta a pá imediatamente. Caminha pela sala, reparando Violet fixamente. Ward se levanta, apontando o fuzil para sua cabeça.

—Por favor, me perdoe. — Sherlock diz. — Não queria te fazer ver isso.

Violet assente, e fecha os olhos.

—Romântico. — comenta Ward, prestes a atirar.

—Idiota. — diz Sherlock.

Ele vira-se como um raio, segura o fuzil pelo cano, levantando-o para o teto, e com a outra mão imobiliza a mão de Ward, impedindo-o de atirar. Após isso, bate a arma com força contra o rosto dele, puxando-a de volta enquanto Ward cambaleia para trás. Ele vira a arma ao contrário, batendo seu cabo contra o queixo do homem e quebrando-o. Ele joga a arma para o lado, agarrando Ward pelo colarinho e jogando-o sobre uma das mesas, que virou e caiu junto com o homem. Sherlock vai até Ward, que tentava se levantar, pega-o pelo colarinho e arrasta-o até a parede. Segura sua cabeça e começa a batê-la contra a parede, vez após vez, descontando toda a raiva que reprimira todo aquele tempo.

—Pare, por favor! — Violet gritou. Ele para prontamente, e vira-se para ela. Solta o corpo de Ward, que cai pesadamente, e vai até Violet, ajoelhando-se em frente a ela.

—Me desculpe. — murmurou, segurando as mãos dela entre as suas. Analisava os ferimentos e arroxeados que percorriam a pele dela, plantando um beijo sobre seus dedos. Ele ergue os olhos, fixando-os nos dela. — Mas vou matá-lo.

O olhar de Violet tornou-se de puro horror. Ela livrou uma das mãos, segurando o colarinho dele, sacudindo a cabeça num “não” quase audível. Ele segurou o rosto dela com as duas mãos, plantando um beijo ardente sobre seus lábios, daí se desvencilhou das mãos dela e se levantou. Pegou uma cadeira, arrancando num esforço de braços uma de suas pernas, que formou uma ponta assustadora num dos lados. Ele foi até Ward, que recuperara a consciência, e cravou sem cerimônias a madeira em sua perna. Ward rugiu de dor, e Violet tapou os ouvidos com as mãos. Ele abaixou o rosto na altura do dele, abrindo um sorriso demoníaco.

—Onde estávamos?

Ele pegou-o pelo braço, e num movimento suave, quebrou-o.

—Por favor! — exclamava Ward, cujo rosto estava monstruoso. — Me mate! Me mate logo!

Sherlock pegou-o pela cabeça, arrastando-o de volta para a parede. Voltou a batê-la, formando uma mancha de sangue sobre a pintura desbotada.

—Pare com isso! — gritou Violet, apertando os olhos com força.

Três tiros ecoaram. Seguidos. Sherlock se afastou do corpo, que tinha agora a cabeça literalmente estourada, e voltou-se para a porta.

Benjamin Knight tinha lágrimas nos olhos. Ninguém sabia o porquê. Mas ele chorava naquele momento. Atirara, e agora encarava Sherlock com cenho deprimido. Abaixou a arma, não disse nada, apenas deu as costas para aquela cena e desapareceu na escuridão.


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