Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 6
Nascido em Quatro de Julho


Notas iniciais do capítulo

Quatro de Julho é um feriado nacional dos Estados Unidos que comemora-se a independência, como luta pela liberdade. Não por coincidência, Steve Rogers nasceu nessa data.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/583656/chapter/6

As pessoas costumavam odiar cemitérios. Clint Barton não.

O silêncio mórbido e a paz que o lugar transmite lhe traz lembranças de sua infância. Quando escapava – não tão – furtivamente do orfanato e se deitava ao lado da lápide de sua mãe. Lá ele podia conversar com ela, e fazer de conta que tudo era normal outra vez. Fingia que estava deitado sobre um travesseiro velho da cama de seus pais, e quase podia sentir o perfume dela. Depois de um tempo, o guarda deixou de o enxotá-lo e teve apenas pena.

Entretanto, não era naquele cemitério que estava agora. Era em New York. Sua segunda visita àquele lugar em dois meses. De alguma forma, a situação fazia com que as lembranças agridoces do passado se tornassem puramente amargas.

Ao contrário da última vez que esteve ali, não tinha Bobbi ao seu lado. E isso sempre tornava as coisas mais difíceis. Ao lamentar pela ausência de sua esposa, percebeu um canadense bastante familiar, com a sua postura animalesca.

— Logan?

— Odeio cemitérios. — Logan não era o tipo de sujeito que se prendia a coisas como saudações, e aquilo sempre fazia Clint sorrir.

— Pra onde você tá indo? — O Carcaju é um espírito selvagem. Nunca podia se esperar que ele ficasse por muito tempo em um único lugar, e o seu destino era sempre incerto.

— Procurar um bar — respondeu com sinceridade. — Tou precisando de uma cerva. Cê vem junto? — Sua cabeça doía só de pensar em beber, ainda não tinha se recuperado da última vez. Todavia, sempre voltava com uma história inacreditável depois de ir ao bar com Logan.

— Preciso prestar minhas condolências. — Como resposta, o baixinho deu de ombros.

— Cê que sabe. — Talvez os olhos do gavião viam mais do que realmente existia ao perceber que havia um peso nos ombros de Logan onde antes não havia.

Permaneceu parado, observando a imagem carrancuda do amigo desaparecer.

Não precisou caminhar muito para chegar ao seu destino. Não havia mais ninguém ali. Pelo menos, ninguém que conhecia. Ninguém exceto o Capitão América. Sentiu-se, de alguma forma, privilegiado por estar ali. A ausência de outros significava que ele foi um dos únicos a receber aquela notícia.

— Bobbi? — Steve perguntou sem cerimônia, e Barton balançou o ombro em resposta.

— Disse que está com enjoo. — Bárbara sempre teve o estômago fraco. O outro homem se limitou a menear a cabeça sem muita animação.

O perturbador silêncio se fez entre os dois, e Clint viu, por trás da presença musculosa de Steve, duas lápides gêmeas. Eram de uma pedra bonita que não sabia o nome, e os nomes não significavam muito pra ele, mas isso era simplesmente porque ele não havia nascido na década de vinte. Rogers sim. E aquelas eram duas das pessoas mais importantes da vida do Capitão.

James Buchanan Barnes (ou simplesmente Bucky), e Gail Richards. Antes da Segunda Guerra, Bucky era o seu melhor amigo, e Gail sua noiva. Os três tinham um futuro entrelaçados. Mas o infortúnio “fim” do Capitão América em 1945 deixou um amigo solitário, uma moça sem o seu noivo, e uma nação sem herói.

Clinton geralmente achava que era um milagre que eles viveram por tanto tempo. Mas, naquele momento, tudo o que tinha era respeito pelo luto de Steven. Ficaram em silêncio por mais um tempo, até que uma outra presença feminina lhe fez falta.

— Onde está Janet? — Se arrependeu de perguntar assim que os olhos de Rogers vieram até os seus. O Capitão América era o seu herói, mesmo antes de o conhecer. E ele nunca pensou que aquele homem fosse capaz de chorar. Viu os olhos do amigo se tornarem vermelhos, mas não havia lágrimas.

— Semana passada, ela me disse que estava se encontrando com Hank e que eles voltariam. — Um sorriso amargo apareceu em seus lábios. Hank não era só um gênio excêntrico e mau marido. Ele era um herói que, em algum ponto, se tornou um péssimo ser humano.

Ainda tinha vívida em sua memória a imagem de Janet no hospital depois da agressão. Não houve um vingador que não quisesse destruir Henry Pym. Mas enquanto todos estavam focados no ódio pelo terrível ato, Rogers se preocupou com o estado de Janet. E, bem, estavam juntos há mais de dois anos. Era mais tempo do que o início do namoro de Clinton e Bárbara.

— Eu sinto muito. — Barton não foi o orador da classe. E ninguém nunca ia lhe pedir conselhos. Havia um motivo para isso. E aquela frase pequena e tão previsível era uma amostra.

Capitão não falou nada por um tempo. Um bom tempo. A morte de Bucky havia feito o supersoldado se lamentar por um extenso período. Mas a morte de Gail, naquele momento tão inoportuno, lhe adicionou até mesmo algumas rugas. Não parecia o mesmo. Calado, encarando o horizonte. Vestido de moletom. Clint achava, até aquele momento, que ele só tinha uma infinidade de fardas no armário.

— Estou cansado, Clint — confessou, num sussurro, como se não quisesse que mais ninguém ouvisse.

— Estou com o motorista da S.H.I.E.L.D. Posso te deixar na sua casa — ele não pareceu gostar da ideia, mas o Gavião não se deteve. — Ou, você sabe, o quarto de hóspede lá de casa foi projetado como “quarto-pra-quando-o-capitão-dormir-aqui”.

Foi a primeira vez no dia que a tristeza foi espantada do semblante de Steve e um sorriso se abriu. Fora menos de um segundo, mas fez Clint sorrir também.

— Cansado de enterrar amigos. De ser o soldado — começou a citar. — De estar num tempo o qual não pertenço. Estou cansado de segurar o escudo, Clint.

Aquilo o assustou como nada antes poderia ter feito. Ninguém poderia negar que o Gavião havia perdido pessoas ao longo de sua vida. E cada um que se vai, é um pedacinho de si que escapa de sua alma. Contudo, Barton não queria ver um mundo sem o Capitão América. Mal conseguia imaginar algo assim. Imaginava que era idealização de um mito quando retratavam Rogers como um símbolo de tudo o que havia de bom. Mas não era.

— Capitão... Nós, todos nós, fomos inspirados por você. — Foi a primeira vez em muito tempo que Clint se referiu à Steven Rogers como Capitão. Sua voz saiu tremida, mas repleta de respeito.

— Eu admiro a coragem de todos, mas isso só causou tristeza. Bruce tentou se transformar em um supersoldado, e agora vive com um demônio. Literalmente. — Hulk não era bem um demônio, mas Banner certamente achava que sim.

— Você está sendo um completo babaca. — Aquilo o pegou de surpresa, fazendo com que o corpo do soldado se retesasse. Só havia uma pessoa no mundo que falava assim com ele. Clint Barton. — E os mutantes? Eles nasceram com um dom, e poderiam muito bem se fazer de coitados ou simplesmente serem como o Magneto.

— Erik não é... — Capitão tentou argumentar, mas foi impedido.

— E todas as vezes que o mundo foi salvo? E você vai ter coragem pra dizer que o Homem Aranha fez um erro ao tentar seguir os seus passos? O cara tem que tirar fotos de si mesmo pra pagar os remédios da tia, mas mesmo assim tem disposição de parar os bandidos. — Havia algo nas palavras de Clint que remetia a raiva, mas era apenas a sua natureza rebelde que havia despertado. Já estava no auge dos seus trinta e poucos, mas falava como se ainda fosse aquele jovem com o traje roxo e um arco nas costas. — Você vai me dizer que tudo o que fiz, tudo o que eu sou, foi um erro?

Um silêncio mortal se fez. O Capitão não tinha o poder de deuses, como os asgardianos. Mas percebeu que tinha muito poder.

— Clint, eu... é um fardo muito grande. — O Gavião sabia disso. Ele também carregava o seu próprio.

— Você nasceu pra ser o Capitão América. Seu... merda. — A última palavra fez Rogers rir, mas Barton estava sério. — Se você cair, quem vai se manter em pé?

O Gavião não gostava quando o lembravam de sua juventude, a entrada nos Vingadores e os atritos com o Capitão. Questionava as ordens e as habilidades de liderança do maior líder que já conheceu. Mas Rogers tinha um gosto doce com essa memória. Barton não era o cara mais articulado que conhecia, e a sua oratória deixava a desejar. Mas só uma pessoa havia o deixado assim. Há muito tempo

O rosto de Sarah Rogers ainda ardia quando se esforçou para levantar. Se ela tivesse se calado ou simplesmente mentisse ao invés de jogar a dura verdade na cara de seu marido, ele não a bateria. Ela estava ciente que iria doer, mas nunca teve medo.

— Mãe? — Steve ainda era pequeno o suficiente para se esconder debaixo da mesa, e de lá se revelou. — Por que você não ficou quieta? O papai te machucou.

Era apenas um garotinho com lágrimas nos olhos e muito pequeno para a sua idade. Mas quando ele a abraçou, ela sentiu calor. Um tipo diferente do que estava em seu rosto. O calor que fazia a vida ter sentido.

— Ouça bem, Steven. Todos vão te machucar, mas você sempre deve permanecer em pé.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pelos Olhos do Gavião" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.