Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 5
O Canto da Harpia


Notas iniciais do capítulo

O codinome original da personagem Harpia é Mockingbird, que se trata de uma ave que imita o canto de outros pássaros.



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Bárbara era só disfarces.

Por muito tempo, ou talvez a sua vida toda, tinha se esforçado para ser o modelo naquilo em que fazia. A filha ideal, a irmã exemplar, a aluna prodígio, a empregada do mês.

Para muitos, ou mesmo pra todos, ela era só isso. Só boa no que faz.

Era claro que sempre teve amigos, mas a maioria era só companhia, nenhum lhe conhecia. Havia lido, certa vez, que mais importante do que visitar o passado, era visitar a sua alma. Explorava os cantos mais escuros de seu interior o tempo todo, mas nunca deixava alguém entrar. E quando fazia uma rara exceção de se mostrar verdadeiramente, era sempre muito pouco.

Sua mãe, por muito tempo achou que ela era antissocial. Seus amigos, por outro lado, se mantinham satisfeitos com a explicação de que ela era reservada.

Estavam todos errados.

Estava se guardando.

Não sabia exatamente pra quem, e imaginou, por boa parte de sua vida, que era para si mesma. Mas isso mudou quando conheceu o Gavião.

O Gavião Arqueiro não tinha medo de ser ele mesmo, nunca. Embora isso significasse ser desajeitado, falar coisas nas horas erradas, sua falta de tato para situações óbvias e todos os pequenos defeitos que faziam dele único.

Apesar de ter olhos de gavião, ele nunca a notava. Mas ela não o culpava. Quem notaria uma simplória Harpia quando a Viúva Negra estava na mesma sala?

Pensava em todas essas coisas enquanto mexia com o garfo na comida em seu prato, sentada solitária no refeitório. Gostava de almoçar naquele horário incomum, onde só os que restavam no refeitório eram os funcionários da cozinha. Comia bem pouco e podia ler algum livro, ou só ficar sozinha com seus próprios pensamentos. Era, quase sempre, o ponto alto de seu dia. Pelo menos quando não o via.

Não leu nada naquela tarde, mas Nick a chamou pelo comunicador. Jogou o resto da comida fora em um instante, e caminhou em passos largos e ligeiros até onde foi solicitada.

E lá estava ele. Clint nunca ficava bravo, ela tinha reparado isso, mas agora estava bastante próximo a isso. Fury a notou, olhando-a com sutileza por cima do ombro de Barton com o seu único olho e balançou a cabeça.

— Eu entendo tudo isso, Clint. Você tem todo o direito de fazer o que quiser. — Nick Fury nunca era tão paciente com alguém quanto com Clinton, por mais que isso fosse quase sutil demais para ser percebido. — Mas Trick Shot é uma ameaça.

— Ele é meu irmão.

O silêncio percorreu todo o salão, e Bobbi abaixou o olhar. Queria dizer algo, confortar o homem que já estava cheio de conflitos, mas sabia que aquilo não lhe cabia.

— Agente Morse vai lhe acompanhar — Nick decretou, finalmente, e Barton não pareceu satisfeito.

— Eu não preciso de babá — resmungou, indo embora. Romanoff não estava na sala daquela vez, mas mesmo assim ele sequer a olhou.

Doeu. Mais do que gostaria de admitir.

— Senhor, Barton é o melhor agente de campo. Se ele diz que não precisa de ajuda... — Passar algum tempo com Clint era tudo o que gostaria. Mas não daquele jeito.

Nick a interrompeu, com o único olho penetrante fixo nas feições da Harpia.

— Tome conta dele.

Um trenó aéreo parecia uma ideia ridícula, mas Barton convenceu Stark a desenvolver. Harpia segurou na cintura do Gavião quando alçaram voo naquele veículo bizarro, e a situação fez com que até gostasse. Sentir o vento sobre a sua pele, e o cheiro peculiar dele em seu nariz. Ela queria que ele falasse, mas permaneceu em silêncio por toda a longa viagem. Mesmo assim, estava tremendo. Sentiu-se como uma garotinha do ensino médio, em seu primeiro baile.

Pousaram em uma rede de fast food qualquer, e pensou que era porque ele estava com fome.

— Por que você não me espera aqui enquanto eu vou encontrar meu irmão? — sugeriu, quando ambos desmontaram do trenó, e Bobbi teve que colocar as mãos nos bolsos já que não tinha mais a desculpa de estar em movimento para sua tremedeira.

— Quê?

— Eu só tô dizendo que... meu irmão é quase tão bom quanto eu. E... Que merda, eu não quero que você se machuque. É entre eu e ele. Peça algo, eu vou voltar antes que termine. — Bobbi quis sorrir. Aquele era o cavalheirismo à moda Clint. Mas a expressão em seu rosto mais parecia raiva. Uma máscara.

— Essa é a coisa mais machista, babaca, estúpida e irracional que você poderia dizer. Eu sou um agente tão bem treinada quanto você, e Fury me designou pessoalmente para te acompanhar. — Os olhos do Gavião não enxergavam além da máscara.

— Tá bom, tá bom, tá bom. — Bobbi se permitiu sorrir, mas era só mais um disfarce.

Deixaram o trenó no ar, e caminharam pelas ruas noturnas daquela cidadezinha de Iowa. Clint parecia nostálgico com a atmosfera do lugar. Não sabia dizer, entretanto, se a nostalgia lhe trazia sentimentos bons ou ruins. Notou que não conhecia muito do verdadeiro Clint Barton. Ao contrário de Tony Stark, que uma nova biografia era lançada a cada mês, e Steve Rogers, que todo americano médio conhecia, Barton falava pouco sobre o seu passado. Disfarçava sempre com piadinhas e sorrisos.

— Onde estamos indo? — quebrou o silêncio, perguntando. Ele tinha um andar reto demais, sabia onde chegar.

— Cemitério. — Foi tudo o que falou por algum tempo, e Bobbi também ficou muda. Ele olhou por cima do ombro, e encarou-a e só então percebeu que aquela única palavra só fez sentido para si mesmo. — Alguns irmãos ligam para o outro quando querem se ver. Nós não. Temos uma senha. Ele se veste de Trick Shot e faz algo pra chamar a atenção, e nos encontramos no túmulo dos nossos pais.

— Por que você não contou isso ao Fury? Ele disse que seu irmão era uma ameaça. — Não parecia fazer sentido. Como resposta, Clint só sorriu.

Talvez não tenha sido nada, repetiu para si mesma. Mas não podia evitar. Era um pequeno segredo, que só ela sabia. Uma pequena parte de Clinton Barton que ela possuía, e escondeu no fundo de sua alma, junto com o que havia de seu que nunca revelou para ninguém. Nenhum presente poderia melhor.

O cemitério não parecia ser nada demais. Como tudo naquela cidade. Adentraram no terreno e Bobbi lhe deu algum espaço para o luto pessoal dele em frente ao túmulo dos pais. Percebeu que ele passou a mão carinhosamente sobre onde descansava o nome de sua mãe, mas desviava o olhar do de seu pai.

Um borrão vermelho saltou da escuridão e pousou pesadamente ao lado de Clint. Se abraçaram em silêncio por um momento, e ela sorriu.

— Trocou de namorada? — Trick Shot observou, cumprimentando a Harpia com a cabeça.

— É bom te ver, Barney. Senti a sua falta — Barney sorriu e tocou o ombro do irmão.

— Você está horrível, Clint. Eu gostava do seu uniforme com saia. — Riram, ambos os irmãos.

— Por que me trouxe até aqui? — Imediatamente, o clima se tornou pesado e a expressão de Trick Shot se alterou, mesmo debaixo da máscara.

O irmão de vermelho passou a mão sobre o ombro do outro, e deram as costas para Morse. Caminharam por míseros dois ou três passos, e cochicharam entre si. Não podia negar que a curiosidade estava a matando, mas respeitou o espaço deles. Clint, no fim, balançou o irmão mais velho, mas não estava animado. Barney se limitou a deitar a mão sobre o ombro do irmão menor, e ambos abaixaram a cabeça.

Se abraçaram uma última vez, e Trick Shot se foi.

— O que houve? — Perguntou, quando Clint finalmente teve coragem para voltar a se aproximar de Bárbara.

— Uma repetição.

Clinton não falou nada no caminho de volta, e permaneceu com a cabeça baixa. Vez ou outra, puxava o ar fundo e olhava o horizonte com tristeza enquanto suspirava. Mais do que nunca, queria abraçá-lo, mas tudo o que fez foi manter distância. O arqueiro parou abruptamente.

— Tudo bem se ficarmos aqui hoje? — ela checou o relógio e percebeu já ser quase meia noite. A viagem de volta era de cerca de cinco horas e o Gavião não parecia emocionalmente disposto a passar por isso.

Achou que seria a melhor opção.

Não havia grandes hotéis em Waverly, tiveram que se contentar em uma hospedagem de beira de estrada. A comida era oleosa e gordurosa demais, mas pelo menos estava quente. Dividiam a mesma mesa, mas estavam tão separados que nada se ouvia além do mastigar lento um do outro, a respiração e a televisão baixinha que estava ligada num canto. Já era a terceira garrafa de cerveja de Clint.

— Quer me contar o que houve? — Ele não queria, os dois sabiam. Mas precisava. Ao contrário de Bárbara, Clinton não era o tipo que guardava. Tinha os seus segredos, mas remoer não fazia o seu estilo.

Demorou algum tempo até que finalmente saíram as palavras de sua boca, mas Bobbi não desviou o olhar nem por um segundo.

— Eu fiquei órfão. Quando meus pais morreram. E depois, o Espadachim me treinou, e me abandonou. Foi a segunda vez. E agora... — Uma lágrima se conteve a afogar o olho do Gavião. — Agora Barney também se foi. Três vezes órfão. Eu não tenho ninguém — lamentou-se, e finalmente deixou as lágrimas fluírem. Poucas, mas expressivas.

Não sabia bem o que dizer.

Clint Barton não era o herói que se via nas revistas em quadrinhos. Não salvava a garota e cavalgava em direção ao pôr do Sol no final da história. Todavia, ela também não era a princesa indefesa esperando pelo cavaleiro no alto da torre. Mas, percebeu, ninguém de verdade era assim.

Tomou parte de sua dor, e tocou-o no braço. Ele levantou o olhar, e limpou as lágrimas com a gola da camisa. Sentiu o seu fardo diminuído.

— Você tem a mim, Clint. — Por muito tempo, ou talvez a sua vida toda, imitou o canto de outros pássaros. Disse o que deveria ser dito. Mas, por mais que aquela frase parecesse clichê, vinha do fundo de sua alma. E ela a deu para ele. O canto verdadeiro de uma Harpia.

E soou particularmente belo.

— Eu não sei direito quem você é — finalmente respondeu, depois de alguns segundos em silêncio. Clint, apesar de toda a sua tristeza, tinha o mesmo tom desajeitado de sempre. A fez sorrir, e não era mais uma máscara.

Eu quero mostrar.


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