Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 4
Ressaca




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Sua cabeça doía mais do que poderia imaginar que era possível.

O telefone tocou algumas vezes do outro lado, fazendo um barulho repetitivo que inundava os ouvidos de Clint e o fazia querer desligá-lo de imediato. Entretanto, sabia que não podia. Precisava falar com ela.

— Alô — a voz cansada de um pássaro familiar lhe preencheu. Trocou a dor por um sorriso bobo.

— Bobbi? — Do outro lado da linha, Barbara precisou de alguns segundos para assimilar tudo. E então ele a ouviu sorrir. Não sabia como era possível, mas tinha certeza e quase podia ver.

— Clint. Onde você esteve? — Já tinha se antecipado com aquilo, sorriu de volta. — Estava preocupada.

— Qual é? Nós somos Vingadores, passarinho. Nada poderia ter me acontecido. — Ouviu-a rir e riu junto, baixinho. — E foi você quem me expulsou.

— Não achei que você levaria tão a sério — comentou, deixando o sarcasmo dominar o seu tom. — Clint, onde você tá?

Por alguns segundos, ficaram em silêncio. Soou como uma eternidade.

— Na S.H.I.E.L.D. — respondeu, afinal.

Não precisava estar lá para saber que a boca de sua esposa se transformou em um “o” perfeito. Ficaram em silêncio por mais alguns momentos, escutando a respiração do outro.

— Bobbi...

— Clint...

— Você sabe o que eu tô querendo te dizer — resmungou, sem jeito. Não havia maneira fácil.

— Não, não sei. — É claro que sabia, mas não queria. E, certamente, não queria ouvi-lo dizer.

O gosto amargo de cada despedida.

— Nunca é fácil fazer isso. Eu só quero te dizer que... eu te a....

— Volte para casa inteiro, tá bom? — Escutar aquilo era muito. Mais do que poderia prometer.

— É exatamente por isso que eu sempre ligo, meu bem. Talvez, só talvez, eu não vol...

— Volte inteiro. — Havia muita firmeza para soar só como um pedido.

O telefone ficou mudo. Sem despedidas. Sem maciez.

Tinha uma expressão confusa quando voltou ao centro de comando e se reencontrou com o Capitão e o Diretor. Dois dos seus melhores amigos, mas aquele encontro não era exatamente bom. Sabia que tinham discutido, mas se calaram quando Barton entrou. Ambos fitavam o Gavião.

— Você sempre fica com essa cara quando faz essa ligação — comentou Fury e Steve pareceu concordar.

— Eu sei.

Sentia uma pequena parte de si morrer a cada nova ligação que fazia para casa, despedindo-se de Bobbi de maneira não tão velada. No início, só gostava de ouvir a voz dela. Mas acabou se tornando algo mais. Em algum ponto, percebeu que não queria se arrepender por não ter feito aquela última ligação. E nunca sabia qual delas seria a última.

— Eu ainda acho que devo ir. — Steve irritou o diretor com aquele comentário, mas não hesitou.

Nick apenas ignorou:

— Clint, você está bem? — Não estava.

— Sim.

Rogers não o deixou ir sem uma discussão, mas Clint não estava disposto a perder aquela tarefa. Concederia aquela missão à Pietro, mas ele também estava desaparecido desde a morte da irmã. Era mais do que um trabalho de vingador em que exercia da maneira mais literal o título da equipe. Era algo pessoal.

Sua relação com Wanda nunca foi muito boa antes ou depois que estiveram juntos, mas aquele pequeno espaço de tempo do “durante” contava muito. Mais do que ele poderia exprimir, mesmo se quisesse.

Nick lhe entregou um dossiê com as informações do sujeito. Fingiu ler. Não estava em condições. Sua cabeça doía com qualquer barulho e tinha que lutar para permanecer em pé. Sabia que não era uma boa ideia prosseguir, mas era o seu jeito. Não havia a possibilidade de voltar atrás.

— Vai ser fácil, Clint. Você leu a ficha dele? — questionou Nick, no comunicador.

— Aham — mentiu.

Escolheu ir correndo, saltando entre os prédios. Aquele era o trabalho do Demolidor ou o Homem Aranha, mas achou que seria bom se esticar. Seu corpo inteiro doía e toda vez que terminava um salto e alcançava o solo, parecia ter sido atingido por uma marreta. Mas aguentou. Seu interior gritava por descanso, e ele urrava silenciosamente em resposta: por Wanda.

Foi doloroso, mas finalmente chegou.

Estava há muitos metros acima do local onde supostamente estava escondido o assassino de Wanda, mas conseguia ver tudo com perfeição. Seus olhos de gavião enxergavam melhor de longe.

Era um pequeno prédio residencial de subúrbio. Havia crianças brincando e desenhando com giz no estacionamento. Uma em especial que tinha um tablet e estava desinteressada com o resto. Via mães fofocando, sempre com um olho em seus filhos. Via agentes nada discretos da S.H.I.E.L.D que rondavam o lugar.

Via a porta com o número dele.

Preparou uma flecha e aguardou.

Há muito tempo, um homem lhe ensinou a usar um arco. E ele havia dito que metade era sobre esperar o momento certo para atirar, e a outra metade era ter uma boa mira.

No momento em que a porta se abriu, Clint tinha os dois. A faca e o queijo.

Viu a sua flecha atravessar a distância entre os dois pontos, e mudar a trajetória no ar. Cravou-se na parede, alguns centímetros ao lado do homem que saía do apartamento. Poucos, mas o suficiente para não acertá-lo.

O Gavião nunca errava.

Os agentes abaixo começaram a se agitar, ouvia Nick resmungar alguma coisa em seu ouvido. Mas tudo o que fez foi começar a se mover, sem escutar nada, sem ver o que os agentes estavam tentando fazer.

Suas pernas ardiam quando corria pela rua, tentando alcançar o assassino de Wanda, mas não tinha outra opção. A cada novo passo, sentia que seu corpo inteiro ia simplesmente desistir. Se recusava a cair.

Os agentes disfarçados faziam uma tentativa de cercar o homem, forçando-o a correr até um estacionamento. Clint preparou uma flecha e estava prestes a atirar, mas foi no exato momento em que o seu alvo se virou e o olhou nos olhos. Sentiu uma pressão na cabeça que quase o fez se ajoelhar. Teve de parar até mesmo de respirar por um momento.

Poderes mentais?

Ao menos estava encurralado no estacionamento, pensou, quando finalmente conseguiu formar um pensamento reto. Os homens de Fury começavam a fazer uma barreira humana na única saída do edifício. Fuzilariam o indivíduo se tentasse sair.

Clint entendeu a mensagem sutil. Era a sua deixa, ninguém entraria.

Se deu ao luxo de subir as rotatórias do estacionamento de maneira vagarosa. Passando os olhos por cada centímetro de cada andar. Ele parecia ter subido tudo, e, como sempre acontecia nos filmes, o encontraria no último andar, na beira do precipício.

Começou a imaginar a si mesmo com teatralidade enquanto fazia a sua lenta caminhada até o topo, à procura do seu alvo. Procurou as palavras certas que faria antes de atirar. Imaginou que parafrasear Dirty Harry seria muito clichê.

Tinha que ser algo próprio. E, ao mesmo tempo, algo que remetesse à Wanda. Algo que se repetisse eternamente na mente daquele homem, como Jesse havia dito naquele hospital há algum tempo, um espiral do eco das palavras de Clinton para que ele nunca se esquecesse da dor que causou.

Chegou ao último andar finalmente e parou. Analisou todo o lugar. Não havia carros ali e o sujeito estava escorado na meia parede. Não via o seu rosto, mas parecia tranquilo. O tipo de tranquilidade que ele não deveria merecer.

Puxou uma flecha e se decidiu. Não devia dizer nada. Não merecia sequer suas palavras. Só o solitário silêncio e então a escuridão infinita.

Colocou ao cordel. Esticou. Disparou.

A flecha voou tão distante do alvo que parecia ter sido empurrada.

O Gavião nunca errava.

Se aproximou, e a cada passo sua cabeça doía mais. Já não pensava em atirar outras flechas. Talvez empurrá-lo dali, e o observar caindo, como nos filmes dos anos noventa.

— O que está fazendo? — perguntou. Estava perto o suficiente para sentir o cheiro do homem encostado nos limites do prédio.

— Tou com medo. Eu num achei que ia morrer desse jeito, tá ligado? — O sotaque carregado lhe fazia lembrar dos seus antigos amigos. Falava errado e o tom de voz era trêmulo. — Eu num queria matar ela, só vi que era uma Vingadora quando já era muito tarde. Eu só queria alguns trocados.

Ele virou o rosto e a dor voltou. Se olharam nos olhos, e parecia que sua cabeça ia explodir. Via, no rosto daquele homem, outras pessoas. Alguns que sequer se lembrava do nome. Alguns que já se foram. Viu mesmo uma pontada de si, em algum ponto.

Tocou-o no ombro, não soube dizer de imediato se para se apoiar ou se para o que viria a seguir.

— Não vale muito, mas eu te perdoo.

No seu armário, tinha certeza que encontraria uma aspirina ou algo parecido. Não encontrou, mas, assim que o trancou, uma presença ruiva lhe surpreendeu.

— Clint, o misericordioso — caçoou Natasha, mas não sorria.

Romanoff tinha sempre o seu jeito de ser impressionante. Tanto nas situações mais comuns quanto nas festas mais agitadas. Ali não era diferente. Clint não podia negar que ela era, talvez, a mulher mais bonita que conheceu. Mas havia algo em seus olhos. Olhos mortos. Como se já tivessem visto coisas demais.

— Faz algum tempo, Tasha. — Não queria entrar no jogo dela. Sempre perdia.

— Se eu não te conhecesse, pareceria que sentiu minha falta — comentou, encostando-se na parede.

— Eu senti. — Como resposta, ela sorriu. Um daqueles sorrisos que a fazia parecer viva e linda, mas só por alguns segundos.

— Por que você não o matou? — E então era sobre aquilo.

Nick havia deixado subentendido que ninguém se importaria com aquele cara morto, e Steve disse até não poder mais que entenderia se Clint o matasse, mas que ele se tornaria algo que não ia gostar.

— Não sei — mentiu, sorrindo. Entrou no jogo da Viúva, mesmo que sem querer. — Onde você esteve?

— Procurando por Pietro. — A resposta foi automática.

— Alguma pista?

— Não sei — repetiu. E iluminou-se novamente com aquele sorriso.


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