Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 15
O Escudo e a Árvore


Notas iniciais do capítulo

Faz algum tempo desde a última vez que publiquei aqui, sinto muito por isso. Espero que gostem do capítulo.



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Steve deixou bem claro que não era um agente da S.H.I.E.L.D.

Não apenas para contrariar Nick Fury, que tinha um tom de voz estranho ao telefone, mas porque havia deixado a organização há muito tempo e não planejava voltar. Estava cansado de guerras.

— Essa ordem vem de cima. Acima de mim.

Rogers demorou algum tempo para entender. Quem poderia estar acima de Nicholas Joseph Fury?

Um único homem.

Se viu trancado numa caixa gigante feita de aço com mais oito soldados de elite. Aqueles eram os melhores homens do exército americano, pelo que lhe foi dito, os melhores entre os melhores.

— Como é o nome do babaca mesmo? — algum dos soldados perguntou.

— Isso importa? São todos Mohamed-qualquer-coisa. — Fez com que os outros homens rissem, mas o Capitão estava sério.

— Tenha respeito, soldado.

O interior do helicóptero morreu em silêncio, e todos os olhos estavam atentos à Rogers. Vestido de uniforme militar padrão, com o seu velho capacete castigado pelo tempo e os óculos especiais. Sentado, sozinho. Ele era só um, e a maioria sequer o reconhecia, mas ninguém mais ousou falar.

Aquele era um trabalho para um atirador de elite, e Steve conhecia o melhor do mundo. Entretanto, Barton estava de “férias” e o trabalho simplesmente precisava ser feito. Trabalho. Riu amargo ao pensar naquela palavra. Era como “alvo”. Chamavam uma pessoa de trabalho ou alvo para desumanizá-la e fingir que era fácil puxar o gatilho.

Nunca era.

Estava no alto de um prédio, em uma posição desconfortável e com um dos olhos fixo à lente de um potente rifle de precisão. A distância do alvo, ou trabalho, ou seja lá como era chamado, era de mais ou menos um quilômetro. Um tiro difícil. Quase impossível.

— Capitão, você está na escuta? — Uma voz distante se comunicava pelo rádio.

— Prossiga.

— O primeiro tiro é seu. Seguimos após a confirmação. Entraremos para recolher informação e terminar o serviço.

— Entendido.

O lugar que encarava era uma fortaleza. Muros altos, paredes sólidas, árvores grandes que barravam a visibilidade. Estudaram aquele lugar durante meses, até decorarem as rotinas. Havia pelo menos quatro famílias morando ali, e um dos homens nunca saía. A não ser para encarar o horizonte pela sacada. Sacada esta que estava protegida da visão pelos longos e grossos galhos da árvore que florescia no quintal. Entretanto, havia um pequeno vão. Minúsculo. Quase pequeno demais para ser percebido. Mas grande o suficiente para o percurso de uma bala.

Steve permaneceu por horas naquela posição, encarando a lente da arma e esperando pela sua chance de disparo. A cada hora que se passava, sentia um pouco menos do seu corpo. Estava quase prestes a começar a fechar os olhos com o cansaço e a fadiga quando ouviu um barulho no seu rádio:

— ...Capitão, confirmamos a sacada se abrindo. Você tem visão?

Tinha, mas ficou em silêncio. Fitou alguém lentamente saindo e então um rosto. Tinha a pele marrom, os traços árabes e um sorriso na boca. Rogers sentiu pena, mas aplicou pressão no dedo que segurava o gatilho.

Estava a ponto de disparar quando, naquela pequena brecha entre os galhos e o muro, um novo rosto apareceu. Uma mulher que beijou o rosto e então a boca do homem, e em seguida uma criança. Duas, três.

O pai, alvo, ou trabalho, seja lá qual fosse o nome agora, voltou a encarar o horizonte, sorrindo. Rogers tinha o tiro limpo.

Prendeu o ar, e novamente colocou pressão contra o gatilho.

Em um décimo de segundo, ou talvez menos, um questionamento subiu à sua mente. Dentre tantos capitães na América, o que fazia Steve Rogers O Capitão América? Não eram as suas habilidades, ou o soro que corria pelas suas veias. Era algo maior. Algo que sempre esteve dentro dele.

O sonho.

Finalmente movimentou-se, libertando-se daquela posição infernal. Desmontou a arma em suas mãos, apertou o rádio e resmungou:

— Abortar missão.

Ele não podia ver ou ouvir, mas, do outro lado, os soldados estavam cochichando entre si. Indecisos se seguiam com o plano ou com as novas ordens:

— Que tipo de capitão pode ignorar ordens diretas do presidente?

— América.

Não era Nick Fury quem daria a bronca desta vez.

Steve Rogers estava despido de seu uniforme militar e lhe tiraram o escudo. Não se importou, na verdade. Aquele escudo redondo era bom, é claro, mas ainda gostava mais do triangular que usou há tantos anos.

Esperou sentado num corredor branco por muito tempo. Talvez por alguns minutos, na verdade, mas pareceu ter demorado mais horas do que as que esperou pelo seu alvo. Alvo este que ainda estava vivo.

— Capitão Rogers? O Presidente vai vê-lo agora.

As mãos estavam suando. Apesar de tudo, nunca havia entrado no salão oval. Era exatamente do jeito que se via nos filmes, nas fotos. Ficou levemente encantado, mas só por um momento. Só até lembrar-se do motivo de estar ali.

— Steve, sente-se. — Apesar das circunstâncias, os modos do presidente não podiam ser mais presidenciais. — Sinto muito por tê-lo feito esperar.

— É uma honra, senhor.

— Claro, claro. — O homem de terno sentou-se no canto da mesa. — Sabe, eu poderia te dizer que meu pai serviu o país, e quis ser você, todo aquele lero-lero. Mas você bem sabe que meu pai é estrangeiro, e não serviu os Estados Unidos na segunda guerra. Mas apesar de tudo isso, eu o admiro, e tudo o que você fez pelo país.

— Não fiz mais do que a minha obrigação, senhor. — Rogers percebeu um sorriso se desenhando ao rosto do presidente e não achou aquilo algo bom.

— Engraçado. Engraçado você dizer isso, capitão Rogers. Porque eu ouvi que você não cumpriu a sua obrigação hoje, senhor. — O governante levantou-se e calmamente deu a volta ao redor da mesa, sentando-se na sua própria cadeira. — Primeiro o tal agente Barton, e agora você? Você? Steve Rogers, o Capitão América?

— Eu acredito que a América tenha sido fundada em um princípio acima de...

— Poupe-me o discurso nacionalista. Isso é para a televisão, Rogers. Você matou nazistas às toneladas, qual o seu problema em matar um único muçulmano?

— Era justamente por isso que eu estava enfrentando os nazistas, por eles estarem matando inocentes. — Viu o presidente repousar as mãos na mesa e esticar-se na cadeira.

— Você se esqueceu do onze de setembro rápido demais.

— Não, você que esqueceu da segunda guerra rápido demais. Você se esqueceu que seis milhões de judeus foram mortos? Esqueceu que metade das baixas de uma guerra mundial foram de civis? Do que aquele homem é culpado? De reunir o povo dele?

— Você talvez tenha ficado velho demais para entender os conflitos mundiais agora. Sim, ele “só” reuniu o povo dele. Só reuniu dois povos que se odeiam. E agora sabe o que eles odeiam mais do que uns aos outros? Nós, capitão. Eles odeiam a América. Você, mais do que qualquer outro, deveria proteger o povo dessa nação.

— Eu estou protegendo. Estou protegendo o povo de todas as nações. Eu não quero uma outra guerra mundial.

Por um segundo, o presidente deixou todo o seu ar diplomático e levantou-se da cadeira. Deu as costas para Steve e encarou a janela do escritório. Tinha os dedos postos na testa, massageando-a. Ficaram em silêncio por algum tempo, um bom tempo, e aquela sala parecia melhor quando naquele estado.

— A América não é como você sonhava que seria, Steve. Inferno, o mundo não é como você sonhava. O tempo que você passou congelado, o tempo que você passou com suas próprias batalhas. Tudo mudou. — Naquele instante, o presidente não parecia manipulador, maquiavélico ou mesmo político. Parecia alguém bom. Alguém que poderia ser bom.

— Eu não posso lutar pela América se esta nação se comporta como um valentão na escola. Me disseram que este é o melhor país do mundo, que a nossa bandeira representa liberdade. Esse país é só terra, e essa bandeira é só um pedaço de pano, sem o sonho. — Capitão lembrava-se do seu velho discurso dado apenas à Peter Parker, num dos tempos mais sombrios:

“Não importa o que a imprensa diga. Não importa o que os políticos ou as multidões digam. Não importa se o país inteiro disser que uma coisa errada está correta.

Este país foi fundado em um princípio acima de todos: A exigência de que nós temos que defender aquilo em que acreditamos, não importa quais sejam as consequências.

Quando o povo, a imprensa ou o mundo inteiro disser para que você saia de onde está, o seu dever é se plantar como uma árvore à beira do rio da verdade e dizer para o mundo inteiro:

Não, saiam vocês. ”

O presidente, diferente de Parker, virou-se e não parecia estar satisfeito. Olhou para Steve e Steve olhou para ele. E Rogers, pela primeira vez, viu que tinha algo em comum com o governante: estavam cansados.

— Eu achei que um homem que se intitula “Capitão América” e se veste com uma bandeira deveria, ao menos, ser leal à nação — bufou, sem energias.

— Eu não sou leal a nada, senhor presidente, apenas ao sonho.


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Notas finais do capítulo

Estamos bem pertinho do fim. Dedos cruzados.



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