Menino anjo escrita por Celso Innocente


Capítulo 11
Peraltices


Notas iniciais do capítulo

Um menino anjo também pode ser peralta.
Também pode ser um anjinho da cara suja.



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Já era comecinho de noite, quando os quatro marginais juntos, entraram no quarto do menino e Joseph lhe pediu:

— Menino, diga onde está nosso dinheiro. Aí a gente lhe tira desta cama, lhe dá comida e lhe deixa ir embora.

— Não posso ir embora ainda — negou o menino.

— Como? — Duvidou Joseph. — Você não quer ir embora?

Regis, amarrado, balançou os ombros. Reinaldo, nervoso, tentou em vão encontrar seu revólver.

— Onde esconderam minha arma?

Surpresos, todos foram em busca de suas armas, voltando a seguir espantados.

— O que está acontecendo aqui? — Reclamou Joseph. — Quem é esse moleque?

— Ainda estou amarrado! — Gracejou o menino. — Veem?

Reinaldo correu até a cozinha, voltou a seguir com uma faca de carne nas mãos, com dificuldade e muito nervoso cortou as amarras do menino e arrancou toda sua roupa, que se vendo completamente nu, tímido, protegeu seus genitais com as mãos, insinuando:

— Oh...Owh...!

— Você sumiu com minha arma! Mas esta faca, apesar de cega ainda faz muito estrago...

— Como uma criança de nove anos, amarrado e de olhos vendados pode sumir com sua arma? — Protestou o menino, suspirando muito, demonstrando medo.

Reinaldo esfregou a faca fortemente sobre a garganta do menino, depois sobre seus genitais, forçando ainda um pouco mais, para que ele sentisse dor. Então disse:

— Esta faca está cega, mas vou cortar seus ovos com ela.

— E o que vai fazer com eles? — Perguntou bravo, o menino.

— Fritar e dar pra você mesmo comer!

Mateus fez o amigo deixar o menino em paz. Colocou-o sentado sobre a cama e perguntou-lhe:

— Você sabe alguma coisa sobre as armas e sobre o dinheiro?

— Deixe eu vestir roupas — implorou Regis, calmamente.

—Diga onde está o dinheiro e as armas e lhe vestirei roupas.

— Acha que sou uma espécie de mágico? — Falou o menino, sério, enquanto cobria sua virilha com a camiseta.

— Acho melhor levar você embora agora — decidiu Mateus.

— Mas não vai mesmo! — Negou Reinaldo. — Este moleque só sai daqui quando aparecer meu dinheiro! Torne a amarrá-lo!

— Deixe ele comer alguma coisa, primeiro! — Pediu Mateus.

— Não vai comer nada! E deixe-o sem roupa — puxou-lhe a camiseta, a qual protegia parte de seu corpo nu.

— Pra que? — Insistiu Mateus.

— Ainda posso decidir cortar seu saco!

Enquanto os companheiros, nervosos, deixavam o quarto, o menino foi novamente amarrado na mesma cama e quando Mateus já ia se retirar, ele pediu:

— Não pode me colocar um lençol? Tenho vergonha de ficar pelado.

Calado, Mateus atendeu seu apelo, cobrindo-o com um lençol fino e então saiu para a sala onde continuou discutindo com os companheiros. Naquele momento, eles já não confiavam mais neles mesmos. O menino deveria ter razão: estando ele amarrado, não poderia ter escondido as armas; poderia até ter escondido o dinheiro, pois estava desamarrado. Mas quem havia o desamarrado? Só poderia ter sido um dos companheiros.

Seis horas da manhã seguinte, uma prateleira cheia de panelas de alumínio da cozinha tombou sozinha, derrubando todos aqueles utensílios, causando um grande barulhão. Os quatro companheiros levantaram correndo e assustados se dirigiram ao local para verem o ocorrido, depois voltaram para a sala, onde, surpresos, encontraram o menino vestido, com vendas nos olhos, sentado na mesma cadeira, onde estivera amarrado no primeiro dia.

Ao perceber a presença dos homens, o pequeno esboçou leve sorriso e embora de vendas nos olhos, insinuou:

— Estão com calor?

Só então perceberam que todos estavam completamente nus.

Reinaldo avançou contra o menino, segurou forte em sua garganta e nervoso insinuou:

— Vou acabar com sua raça, moleque do capeta!

— Não sou do capeta! Quanto a isso você pode ter certeza.

Forçou a garganta do refém, fazendo-o se levantar. Mateus tentou afastar o companheiro, que com os pés empurrou-o para trás, arrastando o pequeno pela sala.

— Você vai contar agora o que está acontecendo ou vou te matar enforcado!

O menino, estando muito sério, franziu o lábio esquerdo, Reinaldo deixou-o se afastando; ele tirou a venda dos olhos e ainda sério disse:

— Me cansei dessa brincadeira!

Naquele momento, esmurrou a porta com força e do lado de fora alguém gritou:

— Abram essa porta! É a polícia!

Todos se apavoraram.

— A casa está cercada! Abram a porta e saiam com as mãos pra cima!

Nus e desarmados, os quatro companheiros não tinham como reagir. Mateus destrancou o cadeado, abriu a porta e saíram para o quintal se entregando para a polícia. Por todo o caminho, pela saída daquela bonita chácara, até perder de vista, centenas de notas de cinquenta e cem Reais estavam espalhadas, sendo arrastadas pela brisa da manhã, juntamente com as armas e roupas dos marginais.

Mas como a polícia chegara até ali?

Por volta das dez horas daquela noite, Regis forçara um pouquinho os pulsos e como os mágicos fazem na televisão as cordas se desprenderam lentamente, deixando-o livre, então ele desamarrara seu corpo e pés, se levantara, vestira roupas e suspirara aliviado, dizendo:

— Que vergonha.

Voltou a dormir.

Às quatro horas da manhã, levantou-se, tirou a venda dos olhos, fez um gesto com a cabeça em direção a Mateus e Joseph; estes, estando dormindo, porém como em um sonho, se despiram; o menino apanhou suas roupas e seguiu até o outro quarto, fazendo o mesmo gesto com os outros dois homens; voltou para a sala, segurou firme o cadeado da porta, que se destrancou sozinho, se retirou e em velha caixa de papelão no quintal da chácara apanhou as armas e todo o dinheiro escondido e então, começou a caminhar em sentido saindo da chácara, jogando por todo o caminho, as armas, as roupas e principalmente o dinheiro, que ele fazia questão em romper o lacre do Banco Central do Brasil.

Assim caminhando e distribuindo ao léu todo o dinheiro, Regis seguia por aquela estrada de terra batida, esburacada e deserta.

Depois de caminhar por mais de quinhentos metros, passou pela mesma represa onde a mais de um mês se afogara.

Passando por ali, não pode deixar de sentir o que lhe acontecera naquela tarde de domingo. Um grupo de jovens irresponsáveis, todos embriagados, chegaram praticamente correndo ao local, tiraram quase toda a roupa, permanecendo apenas de cueca e saltando sobre as profundas águas, de cima de uma grande pedra e então nadando seguiram até a margem distante, para saírem da água e voltarem ao mesmo local, para saltarem novamente. Ele, o menorzinho da turma, sendo a única criança entre eles, também tirou sua roupa e de cueca, sendo o último, saltou sobre as águas convidativas, sem nem sequer se dar conta de que não sabia nadar e só então percebeu que ali era profundo e não alcançava os pés sobre o fundo da represa; com isso, se debatendo muito na água, tentava em vão gritar por ajuda ao tio e outros amigos, que ainda sob efeito da maldita bebida, não davam conta de que uma vida que só estava no início implorava por socorro, até que exausto, sentindo câimbra nos braços e pernas frágeis, não conseguisse mais.

Embora Regis nãos fosse de chorar, aquelas tristes lembranças, faziam com que as lágrimas escorressem por seus olhos.

Continuou seu caminho distribuindo as notas, até chegar à marginal da rodovia, onde continuou seguindo, agora por uma avenida asfaltada e passando pelo centro de exposições, chegando até a frente de uma unidade da polícia militar, que fica ali, grudada a aquele grande centro de festas, onde jogou pro alto o resto do dinheiro que lhe sobrara nas mãos e então, retornou pelo mesmo caminho, até estar de volta a seu cativeiro naquela bonita chácara, tornando a trancar a porta por dentro e seguindo até a cozinha, forçando o armário, deixando-o quase caindo, depois voltou-se para a sala, colocou a venda nos olhos, como se nunca tivesse tirado e sentou-se na cadeira.

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Notas finais do capítulo

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