A garota do apartamento à frente escrita por BomDiaPeeta


Capítulo 3
Último dia letivo.




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Albert nunca pensou que ajudaria alguém a concluir um trabalho de faculdade, depois de ter concluído a faculdade. Mas, era o que ele estava fazendo com Nicolle. Ela havia pedido ajuda desesperada para que ele imprimisse alguns trabalhos dela, que – segundo a garota – não puderam ser impressos porque o aparelho dela havia queimado. Albert esperava que ela fizesse qualquer curso, menos jornalismo. Quando ele abriu os arquivos, notou que eram temas com os quais ele já havia trabalhado.

Enquanto a impressora cuspia folhas a todo tempo, Albert vestiu uma roupa adequada para o frio do dezembro parisiense, apesar de aquele dia ser um dos mais quentes da temporada, ainda assim era inverno. Não demorou nem dez minutos para que tudo estivesse impresso e organizado. A garota estava sentada no sofá da sala de estar e parecia muito interessada na reprise de “Eu sou a lenda” que estava passando na TV. Também demonstrava algo que Albert identificou com apreensão e ansiedade, porque ela mexia os dedos freneticamente.

–Estão impressos. – Ele respondeu, entregando os papéis para a garota, que pareceu tomar um susto ao sair de seu transe. – Você estuda o que?

–Estou perto de concluir a faculdade de jornalismo. – Ela respondeu, tomando os trabalhos e os colocando em uma pasta, dentro de sua bolsa. – É, eu sei. Você fez jornalismo.

–Sim, eu fiz, mas não aqui na França.

–É bem perceptível, você tem um sotaque inglês muito forte. Além do mais, você já mencionou que faz não sei o que em Londres.

–Eu pensei que falava francês fluentemente... – Albert brincou, fingindo estar triste. Sua vizinha era com certeza uma garota interessante. – Enfim, boa sorte com isso.

–Espera... eu sei que é muita cara de pau, mas... – Ela deu um sorriso envergonhado – Me dá uma carona até lá?

–É perto? Eu não sei me guiar muito bem aqui em Paris. – Albert respondeu, com sinceridade.

–Sim, é bem perto.

–Vai a pé, então. – Ele brincou e riu, mas ela fez uma cara assustada. Ele ficou sério. – É brincadeira, eu te levo.

–Obrigada, muito obrigada... – Ela abraçou o rapaz, quase que instintivamente, logo o largou, envergonhada. – Quer dizer, desculpa... eu só...

–Não se preocupe. – Ele respondeu, pegando as chaves do carro na mesa de centro da sala – Vamos lá.

Os dois desceram para o estacionamento, usando o elevador. Uma das velhinhas olhou com desprezo para o casal e disparou em voz alta: “Parece que a valentona encontrou a laia dela”. Albert não sabia se a senhora era retardada ou se aquilo foi uma indireta para Nicolle, mas apostou na segunda opção. Assim que chegaram ao subsolo, Albert foi apressadamente em direção ao seu carro, abriu a porta do motorista e também a porta ao seu lado, para que Nicolle pudesse entrar.

–Você é meu GPS humano. Me guie. – Pediu Albert, assim que eles saíram do estacionamento.

–Siga reto essa avenida. Chegamos. – Ela respondeu, bem diretamente.

–Sério? – Ele perguntou.

–É uma avenida muito extensa. – Ela respondeu, prolongando o “u”, em “muito”.

Albert pegou o fluxo de carros e fez o caminho complicadíssimo, indo em direção à universidade onde Nicolle estudava. Ela parecia muito ansiosa para chegar.

–Suas aulas acabam quando? – Ele perguntou, puxando assunto.

–Hoje. – Ela respondeu – Mas tenho que apresentar todos aqueles trabalhos.

–Também entrei em recesso hoje e espero não ter que voltar a trabalhar até Janeiro.

–Meu trabalho está em recesso desde o início do mês.

–Você trabalha com o que?

–Vendo meu corpo nos becos escuros. – Ela respondeu, séria.

Albert ficou pálido com a revelação e chegou a desacelerar o carro, ela pareceu notar a reação do rapaz e apertou seu braço.

–Oh, meu Deus! Eu esqueci que você acredita em tudo. – Ela riu – É brincadeira, eu trabalho numa petisserie, das seis da manhã às três da tarde. Ei... como é o seu nome?

–Albert Smith, muito prazer. – Ele respondeu, mas havia estranhado o fato de que ela ainda não tinha aquela informação. – Você é Nicolle Rousseau, né?

–Vejo que tem memória boa. – Ela respondeu, lembrando como Albert havia descoberto o nome dela.

–Pois é, eu tenho. – Ele confirmou, um pouco envergonhado.

Finalmente, ela deu ordem para que ele desacelerasse e virasse a próxima rua à direita. Assim que ele o fez, parou o carro e a deixou na calçada da universidade. Era um prédio muito grande e o campus também deveria ser imenso, no entanto, ele nunca havia ouvido falar daquele lugar. Ela desceu do carro comemorando o fato de que estava dois minutos adiantada.

–Obrigada, Albert. Você foi um anjo. – Ela disse, preparando-se pra fechar a porta.

–Ei... se quiser, eu te busco. É melhor do que esperar um ônibus no frio. – Ele ofereceu.

–Ah, que lindo. Mas não precisa mesmo. – Ela recusou.

–De qualquer forma... – Ele pegou um papel e uma caneta no porta-luvas e anotou alguns números. – Fique com meu telefone.

–Tudo bem. Agora eu preciso ir, antes que eu fique trancada pra fora. – Ela pegou o papelzinho e correu para dentro da universidade.

Albert esperou a figura dela sumir para acelerar o carro e voltar para casa. O tempo parecia esfriar ainda mais, porque o vidro do carro estava embaçando rapidamente. O rapaz carregava uma força muito estranha na alma, era como se algo tivesse sido aberto em seu peito. O cheiro do perfume de Nicolle ainda estava no carro e Albert acreditou que esse fosse o motivo que fazia com que a imagem dela retornasse à sua mente.

Quando chegou no edifício, guardou o carro e voltou para seu apartamento. Assim que chegou ao elevador, havia uma velhinha maléfica lá dentro, com agasalhos ridículos feitos de crochê. Ela encarou Albert com reprovação.

–Se juntou àquela garota mal-educada do 22? Não soube que ela tentou empurrar Mademosielle Fontaine das escadas outro dia?

–É, estou sabendo, mas não ligo para isso.

–Como pode não ligar? Me falaram que você era um rapaz do bem.

–Eu sou.

–E anda por aí com uma dessas vagabundas?

–Ando. E se chamar a Nicolle de vagabunda de novo, a próxima velha que vai cair da escada será você.

–Mas que falta de respeito! – Bradou a velha. – Monsieur Croissant ficará sabendo disso.

–É mesmo? Estou preocupadíssimo. – Respondeu Albert, com desprezo.

A porta do elevador se abriu e ele rapidamente foi para seu apartamento. Encarou o lugar: Uma sala de estar com dois sofás, uma TV, uma mesa de centro... ao fundo a cozinha, ainda com os preparativos para o jantar em cima do balcão. Ele havia deixado a luz de seu quarto acesa. Ele sentia uma agonia profunda em relação à sua vizinha, principalmente depois de defendê-la involuntariamente contra aquela velha malfeitora. Mesmo no frio, ele suava.

Se jogou no sofá e ligou a TV, tentando esquecer a ruiva, mas nada parecia espantar a imagem dela de sua mente e aquela sensação de solidão só aumentava, cada vez mais.

–-X--X--X--

Nicolle passou duas horas apresentando seminários sobre assuntos aleatórios e entregando papéis para seus professores. Estava exausta e na apresentação do último trabalho, se enrolou inteira. Por sorte, sua professora havia sido compreensiva com a moça e não levou todos os erros em consideração. Finalmente, estava tudo entregue e Nicolle estava oficialmente de férias.

Queria sair da faculdade e ir direto para casa, mas algo a deteve. Ela viu os vidros da sala de aula muito embaçados e notou que os aquecedores trabalhavam a todo vapor. Logo que foi para fora, seu rosto foi momentaneamente congelado. O céu noturno estava ficando nublado... ia nevar muito. Estava frio demais para ficar esperando um ônibus, então ela decidiu esperar na sala.

Pegou alguns cadernos e fez anotações aleatórias sobre como ela deveria melhorar sua compostura ao apresentar seminários. Então, ao se ver livre de tudo aquilo, se pegou pensando em seu vizinho. Aquilo era estranho, porque geralmente ela ignorava qualquer pensamento sobre os homens, mas... de alguma forma, Albert lhe trazia segurança. Claro, era loucura dizer aquilo de um cara que ela havia acabado de conhecer. Ela estava se repreendendo por pedir carona a um estranho. Não, ela não ligaria para ele.

–O que Miranda diria para mim? – Ela se perguntou – Será que ela diria: “Vai amiga, segue em frente”? Ou simplesmente mandaria eu sair dessa?

Nicolle escreveu o nome da amiga falecida no ano anterior no caderno e colocou um coração ao lado, um sinal de que ela nunca deixaria de amá-la. Tudo o que ela queria era a companhia de Miranda para apontar o caminho certo. Infelizmente, Nicolle também estava ciente de que ela não poderia depender da opinião aliada. Precisaria fazer aquilo por conta própria. Seus olhos azuis encaravam o nome de Miranda como se aquilo fosse invocar o espírito da garota.

As pessoas haviam deixado a sala e Nicolle estava à mercê da sorte ou de alguém que fosse generoso o suficiente para lhe oferecer carona. Sempre havia alguém para fazer isso, mas a universidade estava consideravelmente vazia naquela noite, provavelmente por ser o último dia, muita gente já havia passado de ano e nem compareciam às aulas finais. Nicolle já havia passado de ano também, mas gostava de frequentar todas as aulas.

–Ei, Nick. – Chamou alguém à porta, era uma menina da sala de Nicolle. – Vai ficar aí com um bonitão daqueles te esperando?

–Bonitão? – Estranhou Nicolle – Eu não quero ver nenhum bonitão. Já me basta o...

–Albert? – Sugeriu um homem, que apareceu por trás da garota. Nicolle reconheceu aquela voz. – Porque ele é um bonitão que dá muito trabalho.

Nicolle riu boba ao ver quem havia entrado na sala. Mesmo sem ser chamado, Albert havia aparecido lá, mais agasalhado do que antes e com blusas extras. Entregou algumas para a garota, que logo as vestiu, sem hesitar muito.

–Eu disse que não queria carona. – Ela resmungou, mas no fundo, estava feliz por sair da universidade?

–Não precisa me agradecer, mas se quiser, pode devolver as blusas, eu levo sua amiga ali. – Albert provocou.

–Me chama que eu vou! – A garota que havia aparecido na porta anteriormente respondeu.

–Não! – Pediu Nicolle – Mas só porque está muito frio para eu ir de ônibus e parece que a nevasca só vai piorar.

–Então se eu fosse você, viria logo. – Respondeu Albert, saindo da sala e indo em direção ao seu carro.


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