A garota do apartamento à frente escrita por BomDiaPeeta


Capítulo 2
Um elevador, uma velha nojenta e uma impressora quebrada.


Notas iniciais do capítulo

Comentem ç.ç

Mlle - Mademosielle - Senhorita, em francês.
Mme - Madame - Senhora, em francês.



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Era uma sexta-feira de dezembro. O último dia de trabalho para Albert, então ele finalmente entraria em recesso, depois de trabalhar arduamente o ano inteiro. Ainda havia riscos de ele ser chamado para um plantão, então torcia para que Deus fosse bondoso e não deixasse que nada de urgente acontecesse na França e o tirasse de seu tão merecido descanso. A cidade de Paris estava mais luminosa do que nunca e brilhava com as coloridas decorações de natal, por todas as partes, mescladas à pouca neve que cobria as ruas e telhados.

Albert entrou em seu carro e dirigiu para o Edifício St. John, onde ficava o seu apartamento. O trânsito estava caótico na capital francesa, mas naquele dia, ele não se irritou... sabia que não precisaria enfrentar aquilo até o próximo ano. Simplesmente ligou o rádio e deixou que as músicas de seu pen-drive tocassem no Player. Enquanto esperava o trânsito fluir, batucava uma música aleatória dos Arctic Monkeys no volante do carro, mas parou ao notar que uma mulher que estava no carro ao seu lado o olhava com estranheza. Envergonhado, ele fechou o vidro do carro e abaixou o corpo no encosto do banco, numa falha tentativa de se esconder.

Finalmente, depois de meia hora preso, o trânsito descongestionou e ele pôde ir para casa. Guardou o carro no estacionamento reservado para o morador do Apartamento 21 e subiu as escadas para a portaria. O elevador estava aberto e uma tela mostrava que faltavam apenas sete segundos para que as portas fechassem. Albert correu como louco para tentar entrar no elevador antes que ele partisse e não teria conseguido, se alguém não tivesse segurado a porta metálica.

Albert olhou para sua salvadora... uma garota ruiva, de cabelos longos e avermelhados, pele branca e maquiada, bem, ao menos ele julgou como maquiagem. Ela era mais baixa do que ele e tinha um sorriso travesso no rosto, como se esperasse que ele dissesse algo como “Minha heroína!”.

–Obrigado, me salvou de ter que esperar dois meses até o elevador voltar. – Ele comentou, entrando no dito cujo, que imediatamente fechou as portas.

–Sempre ando por aí com um saco de dormir, para o caso de ter que passar a noite esperando o elevador. – Ela respondeu, com uma risadinha baixa.

–Sério? – Albert perguntou, fingindo ter acreditado na história.

–Não, eu só quis... entrar na brincadeira. – Ela havia ficado muito sem graça.

–Ah! Esqueci de apertar o meu andar... – Albert virou-se para o painel do elevador e procurou o número correspondente ao andar em que ele morava. – Ei, você vai para o mesmo lugar que eu.

–Não... tenho certeza que no meu andar só moram velhinhas fofoqueiras... e tem uns três apartamentos à venda.

–Bem, eu acho que não sou uma velhinha... muito menos fofoqueira. Então acho que alguém colocou meu apartamento pra vender! – Ele brincou.

–Se mudou há quanto tempo? - Quis saber a ruiva.

–Algumas semanas... mas eu mal fico em casa. Muito trabalho. – Ele respondeu.

As portas do elevador se abriram. Com um óbvio “Primeiro as damas” vindo de Albert, a moça se retirou da cabine, sendo seguida pelo rapaz. Ela achou aquilo estranho, mas decidiu continuar a conversa.

–Você trabalha com o que?

–Você não está me reconhecendo? Eu sou uma celebridade! Se você morasse em Londres, com certeza... – Ele disse, tentando fazer mais brincadeiras com a garota.

–É, pena que eu não moro em Londres. – Ela revirou os olhos e parou na frente da porta de seu apartamento, o número 22, procurando as chaves. Albert ficou de costas para ela e também procurou as suas. Quase ao mesmo tempo, os dois giraram as chaves em suas respectivas portas.

–Eu sou jornalista. Redator da “The English TV”. – Finalmente, o rapaz respondeu.

–E... meu vizinho, ao que tudo indica. – Ela disse, vendo ele abrir a porta.

–É, pois é. – Ele disse, após alguns instantes de constrangedor silêncio. – Tenha uma boa noite, Mademosielle, hã... vizinha.

–Ah, muito obrigada, meu jovem... – Uma velhinha que se aproximava do casal disse, se intrometendo e olhando para Albert. – É muito dificil encontrar pessoas como você, bem educadas e que ainda tem os bons costumes. Sabe, essa mocinha aqui... – Ela apontou para a ruiva – Ela é muito mal-educada. Uma vez ela...

A garota fechou a porta com força, descontando certa raiva e trancou a porta de seu apartamento.

–--x---x---x---

“Maldita Mlle. Fontaine!”. Aquela velha era a mais nojenta de todo o prédio e vivia contando para os outros que Nicolle havia batido nela certa vez e não pediu nem mesmo desculpas. Mas é claro que ela sempre aumentava um pouco mais a história, toda vez que a contava. A verdade era que Nicolle se atrasou para a faculdade uma vez e ao sair correndo de seu apartamento, acertou a bolsa bem no rosto da Mlle. Fontaine, mas não havia reparado e quando notou a grosseria, já era tarde demais para voltar e pedir perdão. Ela tentou procurar a velhinha em seu apartamento quando retornou, mas já não dava mais tempo: Paris inteira já sabia que uma jovem tentou agredir uma pobre velha indefesa sem nenhum motivo aparente.

Desde então, o passatempo favorito das velhas é jogar indiretas para a ruiva toda vez que ela sai de casa. São coisas do tipo “Cuidado, Mme. Chevalier, tem gente aqui que adora desrespeitar os mais velhos”.

Nicolle respirou fundo, bufou e olhou pelo olho mágico de sua porta. A velha ainda estava contando alguma lorota para o bonitão do elevador. Ele tinha uma expressão de reprovação em seu lindo rosto e a velha fazia um gesto como se estivesse empurrando o ar. Nicolle estava muito envergonhada, porque parecia que tudo deu errado na primeira vez que ela tentou realmente ser simpática com um homem. Ela não sabia se valia a pena, porque já bastavam as velhas do Edifício para odiarem ela. Com certeza, ela não precisava de um galã de filmes ingleses tomando o mesmo ofício que elas.

Finalmente, ela ouviu a Mlle. Fontaine bater a bengala na porta dela, como sempre fazia quando passava na frente do apartamento 22, a fim de estragar a madeira. Era um sinal de que ela havia ido embora. Nicolle ficou com medo de que ele tivesse acreditado nas mentiras daquela cobra venenosa, então precisava agir rápido antes que ele também tentasse estragar a porta dela. Procurou papel e caneta em sua escrivaninha e anotou um recado para seu vizinho gato:

“Não acredite no que essas velhas falam sobre mim.

A Mlle. Fontaine vive louca de cocaína. Eu sou um amor de pessoa.

Nicolle Rousseau,

(vulgo Mademosielle vizinha) “

Parecia muito bom e ela acreditou que ele entenderia a mensagem. Ela saiu de seu apartamento e passou o recado por baixo da porta do vizinho. Logo voltou e olhou para o relógio: era hora de se preparar para ir para a faculdade e ela já estava atrasada, justo no último dia. Rapidamente, ligou o computador no seu quarto e colocou todos os seus trabalhos do dia para imprimir. Enquanto a impressora fazia seu trabalho, ela pegou uma roupa qualquer para se proteger do frio, uma toalha e entrou no banheiro. Tomou um banho rápido (mesmo porque franceses não costumam tomar banho com frequência no inverno), se trocou e voltou para o quarto. A impressora havia parado de imprimir o seu trabalho mais importante.

–Merda de impressora! – Ela gritou, acertando um soco no tampo da copiadora, que acabou rachando e desligando. – Ai, não... eu e meus socos... não, não. Imprime essa porcaria, por favor... – Ela estava entrando em desespero.

Pegou os trabalhos que haviam sido impressos por inteiro e os colocou na pasta para levar para a universidade. Salvou o resto num pen-drive e fez uma prece para que desse tempo de imprimir na gráfica de lá. Correu para a cozinha e fritou alguns ovos e bacon. Colocou tudo dentro de um pão amanhecido e comeu, engolindo aquele jantar apetitoso com a ajuda de uma lata de refrigerante velha que ela retirou da geladeira. Ela estava cada vez mais atrasada e consciente de que não poderia imprimir o trabalho na gráfica e ainda perderia o primeiro ônibus.

Quase chorando, ela pegou sua bolsa. Essas coisas aconteciam sempre no fim do semestre, mas ao menos, ela poderia descansar de toda aquela tortura o resto do ano. Ela deixou o apartamento ainda com a latinha de refrigerante em mãos.

Bem no momento em que ela abriu a porta, deu de cara com o vizinho, lendo o recado que ela havia deixado. Seus cabelos estavam molhados e despenteados, ele estava sem camisa (ele era louco de andar assim naquele frio) e trajava uma calça que parecia fazer parte de um pijama. Seria a visão do paraíso, se não fossem as circunstâncias de Nicolle. Ela parou e o encarou, como se esperasse que algum milagre acontecesse.

–Não se preocupe, sei como são essas velhinhas. – Ele respondeu, depois notou o desespero no olhar dela. – Você parece preocupada, posso ajudar?

–Você tem uma impressora? – Ela perguntou, ansiosa. – E... um carro?


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