O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 9
Para que lado fica?




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Sinceramente eu não esperava isso. Esperava uma vida como eu tinha planejado, pensar nela de outro modo, naquela época, me dá dor de cabeça, mas as coisas mudaram, as circustâncias mudaram.

Diálogos. Pessoas. Informações. Dependência.

Odiava ser o mal informado na história, justo eu, uma pessoa tão inteligente. Mas eu tinha acabado de ir para o bairro, nova cidade, novo bairro, nova escola, novas pessoas. As coisas não eram como antes.

Eu odiava também ter que ir pra um lugar novo sem tê-lo visto antes, como ocorrido. Estava perdido entre pessoas falando na rua, na calçada e naquele momento dependia delas pra chegar na escola no primeiro dia.

Eu olhava todas as placas perto, procurando algum nome que recordasse, lembro-me bem de todas as sakuras da primavera balançando com o vento. Eu não gostava de flores naquela época. Rosas e em todo lugar, se tornava chato e repetitivo.

Esbarrei com uma menina que estava com o uniforme da mesma escola que o meu, mas parecia ser do fundamental, nunca irei me esquecer do nosso diálogo:

Oh, me desculpe!

Ela dizia completamente apressada e desajeitada, arrumando o uniforme.

Está perdida?

Na verdade não, vim ver as sakuras dessa rua. Você é quem está perdido, parece.

Bem, um pouco.

Bastante.

Foi quando ela sorriu, o vento e as flores de sakura voando, combinavam perfeitamente com o sorriso dela. Grande, luminoso, como a primavera.

A escola fica a três quadras daqui.

Estamos muito longe então, pode me levar até lá?

Posso, mas, antes posso olhar as sakuras?

Eu queria dizer que não, já que haviam muitas delas em vários lugares. Precisava ir, era o meu primeiro dia e provavelmente o dela. Eu odiava depender das pessoas por isso, você nunca sabe o que elas vão te proporcionar. Você sempre tem expectativas de que seja do jeito como planejou, mas as pessoas são assim, criam expectativas, mas elas em si, não as seguem.

Penso agora, que se seguissem as expectativas, elas deixariam de ser as próprias.De qualquer modo, eu odiava depender das pessoas.

Sim, mas não devemos demorar muito, não é mesmo?

Ela apenas balançou a cabeça e continuou caminhando pela longa e cinzenta calçada. Estava vazia, apena eu, ela e os pássarinhos. As sakuras se debatiam uma contra a outra, o que era repetitivo pra mim, naquele momento estava se tornando aborrecedor, porém de fato, bonito.

Olhe só, essa sakura tem mais de cem anos..É verdade!

Ela sorria novamente e parecia iluminar todo o local, de fato eu estava encantado, mas não pela árvore, não pelos cem anos, por um sorriso, que eu poderia ver durante cem anos. Não sabia o motivo de tanto gosto por um árvore tão comum, mas naquele momento, apreciava o fato da garota sorrir ao ver uma árvore de cem anos, ela era peculiar.

Eu adoro a primavera.

Por quê?

O quê?

Por que gosta da primavera?

É uma estação onde coisas bonitas acontecem e onde se conhecem pessoas novas, quem estava perdido, se encontra.

Eu não tinha entendido quando ela disse na hora, mas hoje entendo. De verdade, queria ter ficado vendo as sakuras, mas logo depois fomos embora. Andamos algumas ruas que tinham sakuras também, mas nenhuma parecia tão bonita quanto a de cem anos.

Ao chegar ela parou no portão da escola me dizendo;

Você gosta de sakuras?

Não todas.

Isso é engraçado, elas são quase iguais umas às outras, não?

Sim, mas são diferentes também.

São como as pessoas.

Ela fechou os olhos, dando uma risada e fez um aceno com a mão.

Boa aula!

Você não vai entrar?

Talvez depois, até!

Ela disse rapidamente e saiu correndo, eu entrei para a cerimônia de entrada ainda com a dúvida na cabeça; ela era do colegial? Ela poderia ser da minha sala? Qual era o nome dela?

Eu poderia acabar isso com, eu nunca soube. Com, ela era do colegial e era da minha sala. Mas isso seria mentira.

Ela se chamava Akemi Tsunari, do último ano do fundamental.

Ela me fez gostar da primavera. De sakuras, me apaixonei pelo seu sorriso. Me apaixonei por ela inteira. Mesmo quando ela parou de reagir a quimioterapia;

Irei morrer

Não vai.

Irei morrer, mas tudo bem não chegar aos cem anos como aquela árvore.

Ela ria ao dizer isso, com seu sorriso iluminado em um quarto escuro de um hospital triste.

Já é primavera?

Não, ainda estamos no outono Akemi-chan.

Irei conseguir.

Sempre lembro de tudo que acho importante e apesar de todo aquele amor que eu sentia, era importante lembrar que ela estava morrendo. Não entendia quando ela dizia irei conseguir, mas foram sempre as mesmas coisas.

Já estamos na primavera?

Estamos no inverno, o que voc...

Irei conseguir.

No primeiro dia da primavera, me mandaram pra uma rua que eu não conhecia, mas quando cheguei, sabia exatamente que rua era. A rua da Sakura de cem anos.

Lá estava ela, com os ombros enconstados no grande tronco da árvore, com um vestido branco. Eu me aproximei e sem dizer nada, lágrimas caíam dos meus olhos.

Consegui.

Sakuras são como pessoas.

Então eu sou como uma mudinha podre.

Não diga isso, você é uma grande sakura.

Espero que consiga enfrentar tudo como essa árvore.

Tentarei.

Faça seu melhor, se perca na primavera e ache novas pessoas.Eu não te conheci por conhecer, foi o Destino que quis.

O Destino foi muito bom comigo.

Você depende mais das pessoas do que de si mesmo. Assim como as estações dependem uma da outra, eu dependo de você, obrigada por depender de mim.

Ela se abaixou um pouco, agradecendo e ao se levantar, lágrimas escorriam em seu rosto, mas havia um iluminado sorriso em seu rosto.

O último sorriso de Akemi Tsunari. O último sorriso, ela o deu. Para mim. E eu guardei aquela luz no meu coração, para que quando me perdesse na escuridão, aquele sorriso me guiasse.

Depois de tantas primaveras, eu nunca tinha me esquecido do dia em que a conheci e a última vez que a vi. Seu sorriso, seu modo de fechar os olhos enquanto ria, sua bochechas salientes, tudo aquilo não voltaria. Mas eu estava parcialmente bem.

Precisava me perder na primavera, em uma escuridão. Para que achasse o que era realmente importante, tudo era. As coisas simples, tínhamos que notar.

Descendo uma rua, notei-me perdido. Estava distraído com pensamentos estranhos, nos quais esqueci. Percebo-me em uma rua cheia de casas de madeira, com sakuras nos jardins e na calçada. Uma rua íngreme e escura.

Oh, pode me ajudar?

Uma garota de xiquinha me cutucava por trás.

Estou perdida.

Eu também.

Rimos.

E agora?

Podemos caminhar até o final.

Aham, podemos.

Eu não sei qual era a expressão dela naquele momento, poderia ser qualquer uma, na escuridão da rua, o que via era sua forma e seus olhos, olhando-me docemente.

Caminhamos até o final da rua e continuamos juntos, mesmo dizendo que era só até ali. Em uma escuridão tão carnal, literal...Eu achei minha luz.


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