O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 8
Praça da Felicidade -14 tipos de felicidade.




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Todas as crianças estavam ali, brincando e sorrindo como se o mundo fosse um lugar realmente bom. Eu invejei isso das crianças, inclusive por que eu nunca tive isso mesmo quando criança.

Eu sentia os ossos do meu corpo doerem só de pensar no simples fato de minha infância, aquela em que, trancado em um porão eu era molestado e surrado como porcos no abate.

Eu agi rapidamente, naquela tarde ensolarada, crianças por todos os lados da pequena praça, de uma pequena cidade, onde pombos comiam restos de pão e chicletes da calçada, onde cães farejavam a grama à procura de um lugar pra marcar território, catorze crianças morreram.

Os pais daquelas criaturinhas horrendas cheias de bochecha e meleca, onde estavam? Irresponsáveis, que ao chegar não veriam nada mais do que catorze rostinhos sem expressão.

Ao voltar-me me senti puro e feliz, eles não descobririam tão facilmente onde eu estava e que eu era o culpado, para isso, era só esperar.Fechei os olhos no pequeno sofá de minha casa, tomando um longo gole de Coca Diet, esperando os dias passarem.

Mais dias se passaram, investigações e mais investigações não deram em nada, mas uma criança bateu a minha porta;

—Posso entrar, Senhor?

Eu apenas assenti e a criança adentrou trêmula minha casa;

—Moço, eu estava brincando em uma árvore aquele dia, no dia em que eu vi uma criança matar seis garotos e e oito garotas. Eu estava horrorizado senhor, mas eu permaneci calada, não por medo, mas eu entendo você senhor.

— Me entende?

— Sei que ser um adulto é terrível, ter uma família maldosa é triste, mas todos temos que respeitar a felicidade dos outros. Pense bem meu senhor, quantos pais e mães ficaram sem seus filhos? Quantos terão caminhas vazias, catorze camas vazias é pouco moço?

—Diria que não.

— Você pode pensar que pensou o suficiente, mas eu olho pro senhor e vejo que não, você pode ter sido uma criança infeliz, mas tinha que ter respeitado a felicidade dos outros. Minha mãe dizia que quando vemos a felicidade do próximo, automaticamente temos que nos sentir felizes também e procurar a nossa felicidade. Moço, você procurou a sua?

—Não acredito nisso e como sabe que fui uma criança infeliz? Como pode saber que não fui feliz?

— Vejo em você, seus olhos me dizem que foi a criança que viu o terror, vejo em seus olhos a infelicidade tomando conta, mas ainda existe algo dentro do senhor, você só tem que procurar. Antes de morrer, minha mãe me disse que deveríamos procurar e ir atrás da felicidade por mais difícil que ela fosse.

— Sua mãe morreu?

— Morreu sim, há pouco tempo. Ela me disse pra achar a minha felicidade, acho que achei, você deve encontrar a sua. Adeus, moço.

Naquele dia, naquele momento, eu me senti como um livro que havia sido aberto bruscamente e devorado, lido em míseros segundos. Me sentei e pensei, naquela palavra e na minha vida, em todos os momentos...

Felicidade. Ela existe? Ela existiu?

Disseram-me que as pessoas que amam tem a felicidade em carne e osso, que a felicidade de amar é trazer sentimentos a algo físico, eu achei.

Realmente achei. Meu pequeno momento de felicidade, aquela garota com quem namorei. Aquela que foi meu primeiro amor e na adolescência grande e simples amor, a única pessoa que entendia e atendia meus desejos como se fossem os dela, que dividia pensamentos e beijos. Era aquela pessoa que eu amei, foi o meu pingo de felicidade. Durou pouco, pois ela tinha um casamento arranjado e havia dito que não tinha desistido de ser feliz, mas procuraria aprender a ser.

Era ela a felicidade? Parecia ser, quando eu fechava os olhos pra me lembrar. O sorriso iluminado e o olhar puro, tudo que eu via nela me lembrava a felicidade, o sentimento insuperável. Era ela, de pensar, meu coração palpitava e a escuridão em minha mente se chocava contra o clarão, tudo de ruim se despedaçava quando eu estava com ela e agora quando eu pensava nela.

A menina voltou no outro dia, perguntando-me se eu havia achado a felicidade, quando eu mostrei a foto que tinha, surpresa a garotinha soltou;

— Essa é minha mãe.

Eu não acreditei, comparando-a a foto, alguns traços eram iguais, o nariz cheio de sardas, o cabelo preso de um jeito torto, bochechas salientes e lábios pequenos.

—Essa mulher foi minha felicidade, foi a única coisa que eu tive de bom na vida toda.

— Engraçado, ela também foi minha felicidade, parecia que ela girava ao meu redor, mas eu girava ao redor dela, ela era grande e iluminada.

Eu soltei lágrimas e pedi para que fossemos até a praça;

— Muito tempo se passou desde que nos conhecemos, desde que nos amamos, mas o que me dói, é que não passou tanto tempo desde que ela disse adeus ao mundo.

—Acho que o mundo decidiu que a felicidade não deveria ficar em carne e osso para alguns, que deveria ser para todos. Ele simplesmente a levou e ela está entre nós, ela ainda está...- Ela terminou a frase, chorando e sorrindo.

— Dá pra ter mais de uma felicidade?

—Ela se torna uma única no final.

Assenti, olhando os pombos bicando o chão a procura de sua felicidade;

—Espero que o mundo me perdoe por ter sido tão egoísta e ter tirado a felicidade de todos, por isso ele levou sua mãe, pra recuperar o que eu tirei.

—Está certo, mas eu não me importo desde que tenha sido para que todos estejam bem.

—Minha dupla felicidade se tornou única...- joguei a frase ao alto.

—Dupla felicidade?

— Acho que não se torna uma única felicidade, mas se torna várias e várias como um nó de várias pontas. Eu achei um nó faz muito tempo e pra minha sorte, achei outro nó.

— Se a felicidade é como um nó, em que tipo de nó estamos?

— No tipo de nó que não existe um só, mas um nós..Entende? Meio estranho falar disso com crianças, parece profundamente melancólico, mas tenho a impressão, de que a felicidade gosta de ser reconhecida.

—Ela ainda está pelo mundo, não é senhor?

—Ela está na minha frente.- disse, encarando-a.


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