O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 6
Galho


Notas iniciais do capítulo

Pra quem gosta de ler escutando algo:
Syd Matters - Obstacles

Capítulo para: Ovelinha - V.
(Onde quer que esteja agora)



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Eu sou um galho, quer dizer, galhos não deveriam estar contando histórias, mas acho que comigo foi diferente.

Vim de uma árvore grande, há tanto tempo atrás, todos os galhos eram altos e fortes, eu, sempre fui o mais fino e baixo dos galhos. Aquele que quando o tempo passa, todos esquecem, ninguém vê uma árvore é diz; olha que galho bonito.

Mesmo sendo pequeno, com o passar do tempo, fui dando valor a vista que tinha; nas manhãs eu via o Sol nascer, nas tardes eu tomava os últimos minutos da luz calorosa dele, descendo e descendo, nas noites limpas eu via a Lua e as estrelas, me machucava com o vento forte e tempestades, sempre perdendo folhas. Eu fui um dos primeiros galhos daquela árvore e como um dos primeiros, seria um dos primeiros a cair.

Apodrecendo lentamente, doloroso, via meus últimos minutos de luz do Sol naquela tarde, provavelmente a única vez que o veria tão perto e no horizonte de mim. Eu me lembro que as pessoas passavam muito, mas no dia em que lá estava eu, caindo em especial, uma garota parou e disse ao seu pai;

Olhe pai, aquele galho está com apenas três folhas, tipo eu, você e a mamãe...

E o pai, ignorou-a. Quando ele a chamou pra ir embora, ela se virou mais uma vez e disse;

Adeus galho...

Lá estava eu, apodrecendo e sem esperanças, com os últimos raios de calor do dia, quando recebo o maior dos raios, o maior calor possível. O olhar de alguém.

As pessoas devem se sentir assim também, frias, apodrecendo, mas o olhar de alguém, com o sentimento... Nos torna únicos...

Foi então que eu caí. Quando um galho cai, ele não morre. Ele permanece ali, entre todas as outras folhas e galhos esquecidos. A diferença é que haviam muitas folhas e nenhum galho. De onde eu caí, tinha a leve sombra de minha mãe e seus galhos enormes e um pouco mais do lado, um céu imenso e escuro.

Quando mais e mais anos se passaram, eu, acostumado a ser pisoteado de vez em quando e receber a água que restava da chuva, sabia que não haveria esperança até que a árvore morresse.

E em uma tarde, sem a luz calorosa do Sol, vendo o céu alaranjado e pássaros em seus ninhos, sabia que seria mais uma noite fria, mas uma garotinha se aproximou, revirando entre as folhas e tocando em mim. Um velho galho, praticamente podre.

Ela me olhou e eu senti a mesma coisa, absolutamente igual a da primeira vez. A garotinha parecia a mesma e quando ela se afastava para dar as mãos a uma mulher, ela sorriu e a mulher se virando, provavelmente uma última vez, disse em alto e bom tom;

Adeus galho...

 


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