O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 3
Procura-se sapatinho




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A muito tempo atrás, nas coloridas e movimentadas ruas do centro de Londres ocorreu uma linda história, não é algo que fique memorável pois um dia não haverá ninguém que lembrará disso porém é algo que deve ser contado.

Uma pequena e pobre garotinha chamada Rose Dubois de oito anos, morava em uma das alamedas com seus três irmãos e sua mãe adoecida.

Rose por ser caçula e a única menina, era um pouco excluída e dificilmente ganhava coisas de meninas; como vestidos e bonecas.

A garota andava descalça, mas tinha um par de sapatinhos preto com um laço, que havia sido esquecido por alguém. Os sapatinhos eram novos e bem polidos então ela prefiria não usa-los para não sujar.

Andando sozinha pelo centro de Londres, olhou encantada todas as lojas cheias de luzes, brinquedos e doces, vislumbrou os grandes e caros vestidos que estavam na vitrine, viu passar muitas moças ricas, madames talvez e homens engravatados entrando em carruagens pretas com cavalos branco. Mesmo sem poder comprar nada por falta de capital, Rose adorava passear pelo centro da cidade.

Seu vestido era de palha e um pouco sujo, com um casaco rosa e uma boina. Rose decidiu entrar em uma das lojas de doces, colorida e com bolos confeitados. O sininho da porta tocou e ao entrar na loja ficou com vontade experimentar cada um daqueles bolos e tortas:

— Posso ajudar moçinha?- disse um homem com roupa branca, gravata preta e bandeija na mão.

—Não obrigada, mas só estou olhando.- respondeu ela sorrindo.

— Você não pode ficar aqui.- resmungou o homem empurrando-a até a porta.- Não volte a não ser que vá comprar algo!

Rose havia sido expulsa de uma loja por não poder comprar e em volta de todas as luzes coloridas e movimentadas viu uma loja opaca com luzes fracas e um letreiro um pouco gasto escrito:

Estante do pé

Calçe o que estiver ao seu alcance.

A loja parecia estar aberta e ser sem graça, mas mesmo assim Rose se aproximou pois viu um par de sapatos parecidos com os que ela tinha guardado, só que rosa e mais novo ainda. A menina entrou na loja com receio de ser expulsa e quando o sininho tocou, um jovem bonito e aparentemente com uns vinte e cinco anos olhou surpreso para a porta e disse:

— Olá, boa tarde. Faz um tempo que não entra ninguém aqui.- ele falou sorrindo e de forma tão gentil que Rose não tinha como não responder.- Meu nome é Tom Baker.

—Olá, boa tarde. Meu nome é Rose, só estou olhando e espero que não me expulse.

—Não! De forma alguma! Expulsar minha única cliente em três meses? Nunca! Ficou interessada em algum?

Rose olhou um pouco e novamente seus olhos se fixaram no sapatinho rosa da vitrine, o único sapato de criança da loja:

—Sim, eu gostei do rosa na vitrine.

O homem disse o preço e Rose falou tristonha que não havia como pagar pois era pobre.

— Infelizmente eu não posso dar ele a você, só vendê-lo pois as vendas estão fracas ultimamente, mas se você quiser pode experimentar este daqui.- respondeu risonho e pegou uma caixa atrás do balcão. Rose ficou curiosa e quando ele se aproximou com um salto de bico fino vermelho aveludado colocou os sapatos em um banquinho e pediu para que ela experimentasse.

—Obrigada Tom, mas eu não sei andar de salto.

— Só se aprende a andar, caindo!- riu e ajudou-a a calçar o salto.

Ela tentou andar e caiu algumas vezes, os dois riam muito e calçavam vários outros sapatos diferentes, até Tom tentou andar com um sapato de salto, mas quase torceu o pé. Depois de quase duas horas de brincadeiras com os sapatos, Rose se lembrou que precisava ir para casa antes que anoitecesse:

—Tom, tenho que ir, já está ficando tarde.

— Tudo bem, volte quando quiser.- respondeu ele guardando os sapatos jogados pela loja.

No outro dia ela voltou e depois de muito se divertir e já estar pegando o jeito de andar em saltos pequenos, enquanto ele olhava silenciosamente ela falou:

—Não tem muito o que fazer aqui não é mesmo?

— É mesmo, mas eu me divirto com o pouco que tenho.

Durante dois anos, todos os dias Rose passava suas tardes com Tom. Eles tinham pego afinidade, eles tomavam chá juntos as vezes e Tom até tinha comprado uma bonequinha de pano para ela no dia de seu aniversário de dez anos:

— Obrigada Tom!- falou ela abraçando-o.

Uma semana depois, quando Rose foi a loja viu Tom deitado em sua cama, que ficava atrás da loja, suando frio. Rose ficou desesperada e chamou uma ambulância pelo velho telefone.

Os médicos avisaram que ele permaneceria no hospital pois estava em coma e não sabiam quando ele acordaria.

Durante quase um mês, todas as tardes ia visitar Tom no hospital, dizendo a si mesma que ele ficaria bom.

Em uma tarde específica Rose ouviu um dos médicos conversando com o advogado de Tom:

— Não acho que ele vá sobreviver...- disse o médico.

— Acho eu, que ela não deveria herdar a loja, ela não é filha dele, sequer é da família! Mas foi o que ele pediu.

A menina foi embora um pouco curiosa e na manhã seguinte, o advogado de Tom bateu em sua porta:

—Bom dia, eu gostaria de falar com Rose e sua responsável.

—Sou eu, a mãe dela. O que gostaria?- respondeu a mãe de Rose que havia se recuperado o suficiente para andar, atender a porta e cozinhar.

O advogado entrou na casa simples e se sentou no sofá onde R ose desenhava. Ele abriu sua pastinha e retirou alguns papéis, escrituras que ele dizia ser testamento de seus clientes. Após uns minutos de procura, encontrou o que procurava dizendo a mãe da menina que ela herdou uma loja de sapatos, de seu amigo Tom Baker. A mãe já tinha ouvido falar do Tom pela filha, pois sabia que ela passava suas tardes na loja e no último mês junto dele no hospital. O advogado continuou dizendo que ela teria que se responsabilizar pelas vendas, gastos e aluguel.

Rose se sentiu feliz por ter herdado a única coisa que Tom tinha na vida, mas ao mesmo tempo sabia que ele ainda estava frágil e não sabia se poderia cuidar da loja sozinha.

Um mês depois e de ter vendido pelo menos cinco pares de sapato, a loja faliu e a mãe de Rose disse que ela poderia fazer o que quissesse lá. Tom permanecia em coma e Rose não sabia com quem conversar. Após muito pensar, a menina, sua mãe e o advogado decidiram vender a loja e esperar que ela crescesse e Tom se recuperasse.

Rose fechou o local e vendeu todos os sapatos, menos o único sapato que fizera ela conhecer Tom, o sapato rosa, parecido com o que ela tinha preto.

Pouco tempo depois, ainda debilitado Tom acordou. Triste com a venda da loja, o mesmo não queria que Rose voltasse a vê-lo. Dez anos depois, Rose havia conseguido trabalhar, ganhar seu próprio dinheiro e abri uma loja de sapatos inovadora, a:

Tomrose Shoes Store

O conforto está a um pé de distância.

Alguns meses depois que abriu a loja e que vendia bastante, decidiu dar de presente a Tom:

— Espero que me perdoe, é uma loja nova, mas é tudo que posso fazer pra me redimir.

—Ora, você cresceu. Mesmo assim, não quero e não vou aceitar essa loja, assim como não vou te perdoar.

—Mas eu...Eu batalhei tanto...Eu...- disse ela quase em prantos.

— Já lhe disse, não quero essa loja. Você vendeu todos os meus sapatos não? Saia por favor.

Ela saiu, um pouco chorosa. Alguns dias depois, em sua loja entrou uma garotinha com roupas sujas e pés descalços, a garota lembrava Rose pequena, e com dó da pobre garota, deu o único sapato que tinha da antiga loja, o sapato rosa.

Uma semana se passara e ela havia voltado a Tom:

— Não quero essa loja...Espera, vendeu até o sapatinho rosa?

—Não vendi ele, guardei, mas depois de muito tempo entreguei a uma pobre garotinha.

— Oras, ainda dá a única lembrança que tinha de nós para uma menina que nem conhece. Saia daqui, e não volte sem meu sapato!

Rose querendo perdão e a amizade de Tom novamente, procurou a garotinha durante meses e meses, mas no fim, acabou se acidentando e morrendo.

Em um testamento, deixou a loja para seus irmãos e uma caixa pra Tom que preferiu abrir em casa. Chegando lá, o homem já mais velho se sentou e abriu a pequena caixa que continha uma carta e dois sapatinhos pretos, lustrosos e com um laço.

Pegou a carta, onde leu:

Querido Tom, eu nunca achei o sapatinho rosa. Nunca achei a menina pobre.

Não sei porque a dei o sapato, mas ela lembrou eu mesma quando pequena, entrando na loja.

Quando era pequena, ia todos os dias descalça até sua loja, ou o hospital. Sinceramente, depois que ganhei dinheiro poderia ter o sapato que quisesse, mas me contentei com alguns.

Eu preferia ter ficado descalça minha vida toda, do que ter perdido você por um momento.

Esse era meu único sapato quando criança, e preferi não usá-lo. Não sei se isso vai me redimir com você, mas não espero que me desculpe, mas que lembre que nunca tive um sapato, e o que tinha guardei.

Hoje, eu preferia dar tudo o que tenho pra tê-lo de volta, e isso é tudo que tenho.

Rose.

 

 

 

 


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