O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 2
O Assassino e o Cego.




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Havia em uma pequena cidade no interior que ocorreu algo que devo-lhes contar, ocorreu algo com um homem simples e cego. Ele não tinha muitas coisas, morava sozinho, sabia se cuidar e os vizinhos sempre o ajudavam quando preciso.

Mas em uma noite , bem quente por sinal, ele dormiu e deixou uma janela aberta. Um ladrão pulou o portão e viu a janela, entrando.

Essa história tem uma grande lição, ele não era só ladrão, era um assassino também. O quarto do homem cego estava com a porta entrecostada e ele pensou em matar o homem, mas antes colocou coisas em sua mochila.

Abrindo silenciosamente a porta da cozinha , o assassino se descuidou e a porta rangeu. O cego com audição aguçada acordou assustado. Se levantando ele foi até a porta, mas em vez de abri-la disse:

—Quem é você o que você quer?-ele rapidamente virou a chave e trancou a porta do quarto, estava seguro por algum tempo.

—Eu, a morte.

—Oras, mas visita nessas horas?- respondeu o cego, um pouco duvidoso.

—Chegou sua hora meu caro e eu vim lhe buscar.

O cego pensou um pouco e o assassino ainda roubava, mesmo sem saber de quem era a casa. Alguns minutos depois o cego saiu de seu quarto e se sentou no sofá, falando:

—Antes de me matar tenho uma coisa a te dizer; primeiramente eu sou um cego e não quero que não me mate por pena disso. Eu nasci assim, mas aproveitei minha vida toda, eu escutei sons, palavras, eu pude dizer o que sentia. Eu queria muito ver o Sol nascer e mesmo sem o ver eu sinto o calor dele todos os dias quando ele amanhece e estou lá fora. Também me disseram que as estrelas são muito bonitas e brilhantes, mas estão longe de nós. Eu posso sentir a brisa e escutar o som do mar, mas não posso vê-lo. Dizem que é muito bom ver, nunca vi garotas bonitas, mas posso sentir a beleza e carinho delas de longe, nunca tive alguém que me concedesse visão, que tirasse essa vaga escuridão em meus olhos. Eu queria ver tudo que vivi, mas não tive essa chance.

Ele se calou por um minuto e o assassino só ouvia, sentado:

—Eu queria ver meus dias bons e ruins, queria poder ver aquilo que não se vê e que chamam de amor. Mas o que se faz a um pobre cego? Não há nada a se fazer e eu espero que quando você me mate eu possa ver o céu, eu espero que quando você me mate eu volte a terra com essa benção que todos tem de poder ver. Então não tenha pena de mim por eu ser cego, me mate. Pois nem isso eu poderei ver.

O assassino estava um pouco em choque com a situação, um homem cego pedindo que o mate:

—Ah, morte, se eu pudesse a ver. Seria a pessoa mais feliz do mundo.

Então, tirando os objetos não tão valiosos de sua mochila o assassino ia embora sem dizer uma palavra, mas antes de ir decidiu falar:

—Um dia eu voltarei e não será pra te buscar.

Dez anos depois daquela noite, a morte não havia voltado para ver o cego, mas o mesmo se lembrava todos os dias do que havia dito.

Em uma tarde ensolarada a campainha tocou e o cego, já com mais idade, se levantou com dificuldade e apertou o botão que destrancava o portão pois pensou que fosse Maria trazendo seu almoço. Ficou surpreso pois ouviu uma voz que não era de Maria, mas ele reconheceu no mesmo instante: era a morte.

— Eu não sei se o senhor lembra de mim, mas a dez anos atrás eu quase cometi um grande erro.

—E o que te trouxe aqui hoje?- disse o senhor bondosamente.

—Após sair da sua casa, eu refleti bastante e percebi que o que eu fazia era errado. Por muito tempo eu manti meus olhos fechados para as coisas boas do mundo, coisas pequenas e simples, como o amor de uma mulher ou até da minha visão. O senhor conseguiu me fazer deslumbrar as coisas boas da vida, me fez enxergar o que eu ignorava. Durante esses dez anos eu fui para uma clínica, me curei e depois que sai arrumei um trabalho. Quis vir agradecer o senhor que mesmo sem poder enxergar minha situação teve sua própria visão sobre o mundo, uma visão que foi minha salvação, uma visão melhor do que a que eu tinha.

O cego muito emocionado disse em poucas palavras:

—Naquele momento estava com medo de morrer, mas achava que encontraria algo melhor no céu do que eu tenho aqui na Terra e hoje percebo que no mundo existem dois jeitos de se poder ''ver''; o jeito que a maioria das pessoas veem, ou seja, só as coisas superficiais e como eu e você vemos, que mesmo em um mundo cheio de escuridão conseguimos encontrar luz, esperança e coisas boas.

''Eu procuro ver a vida como um cego... Pois ele vê a essência da coisa e não a carcaça... Todos deveríamos ver como os cegos vêem... Pois eles enxergam com sabedoria...'' Gabriel Morini.


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Notas finais do capítulo

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