O dia em que aprendi a voar e outros contos escrita por Ana Gabriela Pacheco


Capítulo 13
As quatro paredes escuras - Monstros Internos


Notas iniciais do capítulo

Capítulo um pouco pesado, contém insinuações a abuso e pedofilia, nada explícito.



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Meu nome é Walter, tenho oito anos.

Minha mãe é professora de literatura e meu pai era professor de biologia, mas ele foi pra muito longe. Todos os dias antes de dormir, papai me contava histórias, ele contava principalmente porque eu tinha medo das paredes. Quando minha mãe dizia que podia contar já que tinha muitos livros, eu dizia que queria que papai contasse.

Não sei porque, mas toda vez que ele entrava em meu quarto e sentava ao meu lado na cama, eu me sentia muito bem, como se nada pudesse me machucar. Ele contava, esperava eu dormir e finalmente ia. As vezes eu dormia antes do final, as vezes ele tinha que contar mais de uma história.

Depois que ele se foi, eu ficava assustado todas as noites, espiando debaixo do cobertor as paredes escuras do quarto. Quando o Sol nascia e batia minha janela, eu finalmente fechava os olhos.

Isso me atrapalhou na escola, eu também parei de conversar com meus amigos por medo e ficava calado, eu sempre tive medo de me machucar. Mamãe acabou me levando em um lugar onde a moça usava apenas roupas brancas e lá dentro eu sentia quase a mesma coisa que sentia com papai.

Depois de um tempo, mamãe saiu da escola de onde trabalhava e foi pra outra. Tivemos que sair de nossa casa e eu nunca mais vi a moça de branco, a moça que conversava, brincava e desenhava comigo.

Mamãe arranjou um homem que ela chamava de namorado. As meninas da escola também tinham uns, viviam falando de namorado. Namorado de mamãe era gentil e sempre queria me colocar pra dormir. No começo eu disse que não gostava dele e que papai foi embora por culpa dele, mas depois vi que não era bem assim.

Acho que mamãe pensa que ele é um papai dois pra mim. Claro que não é, papai só existe o meu. Namorado de mamãe me colocava pra dormir, me dava carinho nas pernas e ia embora. Ainda sim, eu ficava com medo, cada vez mais e mais.

As paredes me assustavam ou tentavam falar comigo? Hoje eu sei a resposta pra essa pergunta, mas antes eu achava que as paredes iam me engolir. Uma vez namorado de mamãe disse;

São apenas paredes criança, não há o que temer.

Acariciou minhas pernas e foi embora. Mas dias depois, minha mãe saiu em uma excursão com os amigos dela e me deixou com o namorado, ele disse que ia ficar tudo bem, mas não ficou.

Ele me fez fazer a comida sozinho, fiz ovos mexidos. Me fez limpar a sujeira dos gatos; Choko e Chokito. Disse que era apenas enquanto minha mãe não voltava, para que tudo ficasse arrumado. Na primeira noite, namorado disse que ia me colocar pra deitar depois de tomar algumas cervejas.

Ele tomou muitas, algumas caixas. Na hora de me colocar pra dormir, me jogou na cama e começou a acariciar minhas pernas, ele encostava em tudo, até tirou minhas calças.

Me colocou no chão, sem roupa e gritava algumas coisas, fazia algumas coisas. Naquele dia, eu consegui ouvir as paredes;

Há o que temer menino, entre os homens...

Eu chorava em silêncio, já que namorado havia pedido pra não fazer barulho. Quando ele terminou disse;

Desculpe, mas não conte pra ninguém. Será nosso segredo.

Eu chorei a noite toda, naquele dia o medo que eu sentia das paredes havia sumido, pois eram as quatro paredes escuras do quarto que me acudiam.Não tinha mais medo delas, nem do escuro. Tinha medo do namorado de minha mãe.

Numa noite, no escuro do meu quarto, eu vi um monstro saindo. Era alto e tinha um formato meio de fantasma, só que ele era preto assim como o escuro, a única coisa que eu podia ver eram seus enormes olhos brancos e sua boca sorridente.

Ele não disse uma palavra, mas ele tinha saído das paredes, aquelas que eu tinha medo. Eu não chorei, apenas fiquei olhando ele, o bicho escuro sorria pra mim.

Namorado entrou. Ele provavelmente viu o monstro, mas teve uma reação diferente da minha, os olhos dele ficaram bem grandes e os dentes batiam uns nos outros, seria medo?

Namorado saiu de casa e mamãe disse que ele havia ido embora. Mas não foi isso, ele morreu.

Morreu bem morto mesmo, do nada. O monstro ficava todos os dias no meu quarto, até que entrou na parede e saiu. Foi a última vez que a parede disse algo;

''Os homens temem a morte, como as crianças temem a escuridão.''

Eu ainda converso com as paredes, as moças de branco dizem que elas não me respondem, mas eu sei que elas respondem e que as moças só não escutam por medo das paredes escuras, que se olharem bem, se olharem de verdade, se tornam claras como o sorriso do monstro.

Quando contei pra minha mãe sobre o namorado ela chorou e me pediu perdão, eu não entendi o motivo de pedir desculpas, ela disse que era porque tinha falhado e tinha medo de me perder.

Outro dia um homem de branco me perguntou qual era a palavra que eu mais gostava. Eu respondi: MEDO. Quando ele perguntou o motivo, eu respondi o que eu penso; Existem muitas pessoas no mundo, todas sentem medo, mas são medos diferentes. Ainda sim, vamos sentir uma coisa estranha como se tudo a nossa volta fosse escuro, mas o escuro está em nós e nos nossos medos.

Não tenho medo do escuro, ele é apenas diferente da luz. Se olhar direito, a luz pode ser mais assustadora ainda. Eu sempre aprendo coisas novas com as paredes e ultimamente elas tem me dito pra enfrentar tudo que vier à frente.

Mas e atrás de você?


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Notas finais do capítulo

São apenas paredes criança, não há o que temer...Há?



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