Não Leia Essa História escrita por Just a Teller


Capítulo 60
Capítulo 52 - Quanto mais escura a noite...


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigado a Boca Vermelha por ter me ajudado sem querer a deixar o capítulo mais completo, seu comentário fez com que eu me lembrasse de detalhes que eu havia me esquecido de por aqui.



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Vocês já viram Donnie Darko? Donnie Darko é um jovem brilhante e excêntrico, que cursa o colegial mas despreza a grande maioria dos seus colegas de escola. Donnie tem visões, em especial de um coelho monstruoso o qual apenas ele consegue ver, que o encorajam a realizar brincadeiras destrutivas e humilhantes com quem o cerca. Até que um dia uma de suas visões o atrai para fora de casa e lhe diz que o mundo acabará dentro de um mês. Donnie inicialmente não acredita na profecia, mas momentos depois um avião cai bem no telhado de sua casa, quase matando-o. É quando ele começa a se perguntar qual o fundo de verdade da sua previsão.

Esse filme se tornou um dos que mais apreciei, mas isso falarei no próximo capítulo, é muito melhor mostrar do que contar não é mesmo? Mas porque é importante vocês saberem do que eu estou falando? Porque esse capítulo acabou tendo muitas coisas sobre esse filme e acho interessante vocês conhecerem ele.

— O que você está fazendo, garoto?

— Bebendo ué? O papai nunca deixou eu beber esse uísque dele, agora eu vou beber.

— Esse uísque não é do seu pai.

— Não é?

— Não. Esse uísque é do seu avô.

— Do vovô?

— Sim! Seu pai nunca mostrou a fita do nosso casamento? Você não sabe porque ele tem essa garrafa?

— Claro que não, porque eu veria um video de casamento?

— Espera aí, não bebe ainda. Eu vou pegar a fita, você vê e depois se quiser você bebe, ok?

Eu confirmei com a cabeça e minha mãe foi até o seu quarto, voltando com uma fita de video cassete e um video cassete velho também, ela colocou eles na televisão.

— Pronto. Assista e tire suas próprias conclusões, ok?

Eu peguei a fita, nela estava escrito “casamento” pela caligrafia eu reconhecia que era da minha mãe, não sabia o que esperar disso, coloquei ela no video cassete e dei play.

Eu não sabia que o que eu viria a seguir iria mudar a minha visão de tudo completamente.

A luz da sala se desligou sozinha e parecia que eu estava em uma sala de cinema, alguém se aproximou e sentou ao meu lado no sofá, pensei que era minha mãe, mas ao virar vi que era uma pessoa vestindo uma fantasia de coelho bem diabólica, reconheci na hora a referência e imaginei que se tratava do cara do turbante.

— Vinte e oito dias, seis horas, quarenta e dois minutos, doze segundos...

— É quando o mundo vai acabar? — perguntei.

— Não... é quando tudo isso vai acabar, quando essa história vai acabar...

— Foi isso que você veio fazer aqui? — perguntei.

— Vim ver isso com você, afinal essa é a penúltima vez que nos veremos…

— Como assim?

— A história está chegando no fim, Henri… em breve eu não terei mais porque estar aqui. Aliás, meus pêsames. Realmente fico triste com a sua perda, não queria que as coisas fossem dessa forma, mas foram suas escolhas não é?

— Como assim? Você sabia que isso iria acontecer? Peraí, você me disse que eu não podia contar pra ninguém sobre a Renata, isso foi uma punição?

— Não… eu não vou lhe punir por nada, mas você não deve contar o que aconteceu entre nós, sobre o nosso acordo, eu não lhe puni com nenhuma das coisas ruins que andaram lhe acontecendo, todas foram coisas que estavam no seu destino.

— Destino, não é você que disse que eu tenho livre-arbitrio?

— Sim, tem, mas algumas coisas já estão certas, eu consigo ver, assim como eu sei que esse nosso encontro acabará com você chorando.

— Eu chorando? Não… eu tô de boa, as coisas não podem ficar piores, eu já aguentei as piores partes…

— Eu sei que as coisas andam sombrias para você…

— Sombrias como a noite…

— E agora com a morte do seu pai…

— Não, isso de todas as coisas foi a que menos me importou…

— Você não está mentindo para mim, garoto. Você está mentindo para você mesmo…

— Meu pai nunca esteve presente, ele só se importava com o trabalho, a morte dele não significa nada para mim, pois eu não me importo com ele assim como ele nunca se importou comigo.

— Hm… Vamos ver a fita.

O cara de turbante deu play e o video começou.

O video mostrava toda a cerimonia de casamento dos meus pais, meu pai parecia nervoso esperando minha mãe chegar e eles pareciam felizes quando estavam juntos. Depois da cerimonia o video corta direto para a festa, meu pai sorria de uma forma que eu nunca vi, dançava e se divertia com a minha mãe.

Eles estavam apaixonados de uma forma que eu também nunca os tinha visto. Em um momento a música parou e meu pai pegou o microfone para falar alguma coisa.

Ele se ajoelhou na frente da minha mãe e disse:

— Eu não vou precisar que você pergunte nenhuma vez se eu te amo, pois todo dia quando eu acordar essa vai ser a primeira coisa que você vai ouvir, eu não preciso te dizer pois você vai saber que em cada segundo da minha vida eu vou respirar esse amor por você.

Todos começaram a aplaudir, mas meu pai fez sinal para que parassem pois ele tinha mais para falar.

— Eu me lembro quando nos conhecemos, foi como se dois mundo se colidissem, o meu e o seu, eu não sei muito bem descrever o que aconteceu ou o que eu senti, eu só sei que agora não posso mais viver longe de você. Nós podemos ficar juntos para sempre e eu não vou te deixar ou fazer chorar nunca, se você um dia sentir vontade de chorar, eu chorarei por você.

Minha mãe começou a chorar e falou baixinho, mas dava para ler nos lábios:

— Lágrimas de felicidade…

Meu pai a beijou e completou:

— Você trouxe o melhor em mim, na verdade, o melhor de mim é você…

Todos começaram a bater palmas novamente e os dois voltaram a se beijar.

— É isso aí, esse é o meu garoto! — gritou uma voz vindo de fora do alcance da câmera, mas que logo apareceu na visão. Era meu avô. — Deixa eu falar… — disse ele chegando e puxando o microfone da mão do meu pai, ele parecia bastante embriagado e isso se mostrava ser verdade pelo fato de ele estar com uma garrafa de uísque na mão, a mesma garrafa que agora eu segurava.

Meu pai não parecia muito feliz em ver ele na festa daquele jeito.

— Calma, Júnior, eu só vou falar umas palavras… nada demais… Esse é o meu filho, gente...

— Pai, você está bêbado…

— Não tô nada, relaxa.... Eu tô bem…

— Me dá o microfone…

— O seu pai não pode falar nem no seu casamento?

— Se pelo menos no meu casamento, você não estivesse bêbado, você parou de frequentar as reuniões?

— Aquilo é bobagem…

— Vem cá, vamos conversar.

— Não, me deixa falar…

— Não — meu pai puxou o microfone e meu avô brigou com ele para ficar com o objeto, mas ele estava muito bêbado e não conseguia nem se manter em pé então acabou caindo no chão, meu pai o acudiu e levou meu avô até um canto, o cameraman os segui e ficou filmando de longe meu pai dando um esporro no meu avô.

— Para de filmar, por favor? — falou meu pai.

Quem filmava parou por um instante, saiu de perto mas logo em seguida voltou, meu pai continuava a discutir com meu avô.

— Cara, cê ainda tá filmando? Por favor, sai! — exclamou meu pai para o cameraman.

Novamente o cara da câmera saiu de perto, mas voltou a tempo de ver meu avô indo embora da festa e meu pai ficando bastante consternado com a garrafa de uísque na mão.

Meu pai viu que o cameraman continuava a filmar e ficou bastante bravo.

— Tu quer filmar mesmo, não é? Então vem cá! Vem logo!

O cameraman se aproximou, meu pai sentou em uma cadeira e tomou uma bebida, ele suspirou, pensava bastante enquanto olhava para aquela garrafa e então falou:

— Neto, eu estou falando isso pra você…

Eu me assustei ao ouvir isso.

— Você nem nasceu ainda e talvez nem vá existir um dia, mas eu preciso falar isso agora. O meu pai é advogado, ele é dono de uma firma bem meia boca e que ninguém respeita, ele é um advogado de porta de cadeia que a única satisfação é beber, ele nunca se preocupou com a minha mãe que morreu quando precisou da sua ajuda e ele bêbado não pode fazer nada e nunca se importou comigo, seu filho. Eu tenho o mesmo nome do meu pai, Henrique e vou colocar o mesmo nome em você… Porque eu não me orgulho de ter esse nome, meu pai nunca foi o pai que deveria ser, mas eu vou lutar para fazer essa empresa que meu pai tem se tornar respeitada, vou me esforçar para te dar tudo do melhor que eu puder, para que quando você crescer, você possa ter orgulho de mim, você possa ter orgulho de se chamar Henrique, esse é o meu objetivo de vida, Neto, eu vou fazer de tudo para que você se orgulhe de mim.

Eu pausei o vídeo e fiquei estático ao ouvir tudo aquilo, meu cérebro não compreendia o que eu acabava de ouvir.

— Sim, seu pai fez tudo isso por você…

— Porque?

— Porque? Porque ele te ama, ou melhor, te amou…

— Eu não entendo…

— É fácil de explicar, seu pai queria o melhor para você, ele queria que você tivesse orgulho dele, assim como você queria que ele tivesse orgulho de você, essa é que é a piada e a parte triste dessa história, os dois buscavam a mesma coisa.

Eu confesso que deu vontade de chorar por um instante, mas eu segurei.

— Você estava errado…

— Errado?

— Sim, eu não chorei.

O cara de turbante riu novamente.

— Ainda não acabou… — ele deu play novamente.

— Gostei do que você disse… e isso para um filho que nem nasceu ainda… — disse o cameraman.

— É, eu precisava dizer isso sabe? Meu pai passou minha vida inteira bêbado, passou sempre tendo que o ajudar a sair dos bares e voltar pra casa, minha vida inteira sempre faltou tudo, eu amo meu pai, mas eu odeio a forma com que ele faz as coisas. Eu só quero poder fazer meu filho ter orgulho de mim.

— Entendo… essa é a graça de vocês, pessoas, eu vou te contar um segredo. Eu nunca sei o que esperar de vocês, cada vez a história acontece de forma diferente, é como se todos os humanos pudessem voar, mas a maioria não soubesse como, entende?

— Não… — respondeu meu pai rindo.

— Você nesse momento voa, é livre, apaixonado e vive bem sua vida, mas agora criou um objetivo de vida e o que vai acontecer se não alcança-lo?

— Ah, mas eu vou alcançar… Vou me esforçar para o meu filho ter de tudo, para que ele possa ser feliz, como eu nunca fui. E essa garrafa vai ser o símbolo, ela vai ficar na minha casa para sempre e eu nunca tomarei, ela servirá como um lembrete do que eu tenho que fazer.

— Se você pensa assim… Torço que consiga alcançar o que busca. — respondeu o cameraman abaixando a câmera. — Como se desliga essa câmera?

— Aqui nesse botão… por que você usa esse turbante estranho? — perguntou meu pai logo antes da câmera ser desligada e o video acabar.

— O que você quer provar com tudo isso?

— Eu quero que você entenda que nada disso é por acaso, a vida não é feita de acasos, é feita de escolhas, não existe sorte, ou azar ou até mesmo aleatoriedade, tudo que acontece na sua vida é uma junção de milhões de escolhas que você faz, certas ou erradas, mas todas suas. Como seu avô fez, como seu pai fez, como você deve fazer.

— E daí? Meu pai nunca sentiu orgulho de mim, eu nunca senti orgulho dele e nós dois buscávamos isso e nenhum dos dois alcançou.

— Tem certeza? Você se lembra da última coisa que disse ao seu pai?

Aquilo sim, de tudo, foi o que mais bateu na minha alma.

— Eu… eu… eu disse que sentia vergonha de ter ele como pai…

— É, seu pai não morreu de um ataque simples do coração, ele morreu porque todo o empenho que ele teve em fazer você ter orgulho dele não serviu pra nada.

Comecei a chorar.

— Eu não sabia…

— Não falo isso para te martirizar, garoto. Quero que você pense apenas em uma coisa. Você estava se tornando um homem por causa de que teria um filho, você não terá mais esse filho, mas…

— Eu posso me tornar um homem para honrar o meu pai…

— Não! Você entendeu tudo errado! Você tem que fazer as coisas por você mesmo, esse foi o erro do seu pai. Se você quer ser responsável faça por você mesmo.

— Porque a minha vida está tão na merda nesses últimos tempos?

— Calma… — o cara de turbante me fez olhar para o teto e era como se ele não estivesse lá, podíamos ver o céu que estava escuro como nunca.

— Esse céu está tão escuro quanto a minha vida…

— Quanto mais escura a noite, mais brilhante as estrelas… — me respondeu o cara de turbante enquanto várias estrelas começavam a brilhar cada vez mais estrelas no céu.


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