Não Leia Essa História escrita por Just a Teller


Capítulo 56
Capítulo 50 - Henrique morreu


Notas iniciais do capítulo

Existem tantas formas de se morrer, não é mesmo? Um acidente de carro, o coração que se recusa a bater no próximo instante, o remédio mal tomado, a vida mal vivida, a ferida mal curada, a tristeza já envelhecida, o câncer já espalhado ou até quem sabe um escorregão idiota em um dia qualquer, uma batida com a cabeça na mesinha da sala...



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“Eu sei que determinada rua que eu já passei

Não tornará a ouvir o som dos meus passos

Tem uma revista que eu guardo há muitos anos

E que nunca mais eu vou abrir

Cada vez que eu me despeço de uma pessoa

Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez

A morte, surda, caminha ao meu lado

E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?

Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer? “

Isso é o começo de uma música do Raul Seixas, o seu nome é canto para minha morte, uma música onde o Raul fala sobre a morte, como é uma coisa necessária e como ela é uma coisa que todos querem fugir, inclusive ele.

A gente nunca pensa nisso, mas pensa bem, todos nós temos um contador como uma bomba relógio, esse contador diz quanto tempo ainda temos de vida, um dia ele chega a zero e puf, você não é mais nada, você deixa de ser alguém para virar aquilo.

Eu nunca pensei na minha morte, quem choraria quando eu morresse, vocês chorariam? É estranho, a gente quer que as pessoas chorem, porque significa que a gente foi alguma coisa para elas, mas ao mesmo tempo a gente não quer que as pessoas chorem, a gente não quer que as pessoas que amamos sofram, não é mesmo? Eu amo vocês, por isso torço que não chorem até o final desse capítulo.

— Re? — chamou uma voz que eu me arrependi muito de ter virado para olhar quem era.

Eu mal conseguia andar, virei totalmente torta e desnorteada para olhar para trás quase caindo no chão e me olhando de volta com uma cara de incrédula estava Dhébora.

Essa era a pior hora para nós duas nos encontrarmos.

— Oh merda…

— É você?

— Olha quem eu encontro! Oi Dhébora! — respondi fazendo um aceno bastante torto.

— Você está bêbada?

— Olha, eu tenho bebido tanto que acho que o verbo não é mais estar e sim, ser.

Dhébora ficou em silêncio por um instante, foi se aproximar de mim, mas acho que sentiu o cheiro e se afastou logo em seguida.

— E-está tudo bem com você?

— O que você acha? Eu estou bêbado todo dia, de segunda a segunda, vinte e quatro horas por dia.

— O que aconteceu?

— Quer saber a verdade? Não te interessa, não importa para você.

— Porque você nunca mais falou comigo? Não atendeu minhas ligações…

— Porque eu queria que a gente acabasse…

— Você queria terminar comigo? Porque não falou comigo? Não era mais fácil?

Eu ri.

— Mais fácil? Não… com toda certeza não era mais fácil….

— Então é assim? Vai acabar desse jeito?

— Não devia nem ter começado, Dhébora…

— Parece que você pensa que o mundo gira em torno de você, sério, eu realmente não consigo te entender… De uma garota com medo, você passou para uma garota apaixonada e agora passou para…

— Ébrio. Ébrio é a palavra que você procura. Eu até poderia ter sido melhor para você, eu poderia ter feito o que uma pessoa de bem faria, mas eu sou de bem? Não, não. Eu te enganei, eu menti para você e a verdade, no fim das contas, é que você merece coisa melhor, muito melhor.

— Acho que no fim… nós nunca nos conhecemos de verdade, eu não sei quem é você.

Eu gargalhei dessa vez.

— Você realmente não sabe quem sou eu e mesmo que eu quisesse te dizer, eu não poderia, aquele maldito não deixa…

— O que?

— Não importa. Olha eu te amo, mas você merece coisa melhor, melhor que eu em todos os sentidos, de todos os jeitos. Vai demorar para eu conseguir te superar.

— Não me venha com essa!

— Mas é verdade...Eu nunca quis te machucar, mas tenho certeza que já fiz isso, devo estar fazendo agora. Acho que a verdade é que nunca te respeitei como deveria, nunca fui sincero como deveria, nunca fui eu como deveria.

— Porque você tá falando assim?

— Porque é a verdade…

— Não, porque você tá falando no masculino?

— Eu to bêbada, foda-se como eu tô falando…A verdade é que no fim, nós não vamos ficar juntas, eu e você não dá certo, em nenhum cenário…

— Porque?

— Porque eu te amo. Eu te amo tanto que entendi que não posso ficar com você que eu devo me afastar e deixar você ser feliz e eu tô muito lúcido até… imaginei que não conseguiria falar tudo isso estando tão bêbado, mas parece que aconteceu o contrário.

— Isso não faz sentido…

— Faz, faz sentido pra caralho. Por isso acho melhor não nos vermos mais. Porque eu só vou te fazer sofrer, então tchau ok? — disse me virando pra ir embora.

— Espera!

— Dhébora, eu…

— Cala a boca! — exclamou ela chorando — Você tem todo o direito de querer ir embora, o que me irrita, o que me frustra é a sua falta de consideração em vir falar comigo.

— Eu tive medo…

— Medo? Medo de que?

— De te machucar…

— Não! Você teve medo de se machucar, você fugiu disso sempre, desde o começo, primeiro porque tinha medo de se apaixonar e se machucar e agora porque teve medo de se machucar de novo, você foi e é uma covarde…

— É verdade, eu sei! Antes de você eu era apaixonado por uma garota, apaixonado até demais, mas eu não fiquei com ela, ela foi embora, eu então busquei incessantemente encontrar uma garota para repor o lugar dela, nenhuma conseguiu, quando notei isso quis ficar com qualquer garota para que caso eu visse a garota que fui apaixonado de novo ela não achasse que eu não a tinha superado ainda mas isso foi se perdendo com o tempo… eu sou muito orgulhoso para admitir isso para os outros, eu não queria que eles pensassem que eu ainda amava a Anne.

— Anne? É sério isso? Será que todo mundo que eu tenho interesse tem que estar em volta dessa garota?!

— O que?

— Sabe o que eu notei? Que voce diz sempre que fala tudo que pensa, que tem uma lingua super afiada, mas eu não sei nada sobre voce, não sei nada sobre a sua vida, onde voce mora, estuda ou quem são seus pais.

— Mais um motivo para que voce note que nós não daríamos certo.

— Porque voce quis assim! Olha, voce pode fugir, voce pode ficar, mas se voce for não espere que eu fique te esperando.

Eu olhei nos olhos dela e me virei para ir embora.

— Foda-se, Renata! Vai embora! Você não quer ir? Então vai! Não precisa nunca mais me ver, mas eu nunca vou te perdoar por ser covarde como você foi comigo!

E assim meu namoro com a Dhébora acabou, é “engraçado”, e coloco aspas para vocês entenderem a ironia, como tudo dói quando você fica triste dessa forma, até partes que você nem sabiam que poderia doer, eu nem pensei direito no que estava fazendo, fui apenas andando e quando dei por mim estava entrando dentro de casa, já era de dia então não foi tão problemático pois eu já era Henri.

Eu estava realmente muito bêbado, então fui entrando fazendo mais barulho do que o esperado, meu pai veio correndo da cozinha, ele estava se arrumando para o serviço e me viu entrando.

— Neto! — disse ele me segurando quando viu que eu tava quase caindo no chão — Meu filho, que cheiro é esse? Você precisa de um banho…

— Ah, vai se foder!

— O que? Isso lá é jeito de se falar com seu pai?

— Eu falo como eu quiser…

— Você tá bêbado, calma, eu vou cuidar de você, vou fazer um caf…

Eu gargalhei.

— Cuidar de mim? Isso deve ser novo para você…

— Do que você está falando, Neto?

— Do que eu estou falando? Eu falo que você nunca ligou para mim! — eu hoje estava em um ótimo dia para brigar, toda a raiva que eu havia criado da briga com a Dhébora eu iria soltar aqui. — Como você vai cuidar de mim se eu só estou assim por sua causa?

— Minha causa?

— Sim! Quem mandou se intrometer? Eu estava feliz sendo pai e você estragou isso, você tinha que estragar tudo isso. Eu seria um pai como você nunca foi…

— Neto, não fala isso…

— Falo! Você nunca esteve aqui! Nem para mim e nem para a mamãe. Você só pensava no trabalho, nesse maldito trabalho!

— Neto…

— Não me chama de Neto! Porque eu tenho vergonha, eu tenho vergonha de me chamar Henrique, tenho vergonha de ter o mesmo nome que você! Porque eu não sou nenhum pouco igual a você e desejo que nunca me torne nada parecido.

Meu pai se sentou.

— Como… como você pode falar uma coisa dessas para o seu pai?

— É porque é verdade! Eu te odeio! Eu nunca tive um pai, eu tive apenas um provedor, alguém para pagar as contas da casa e se manter o mais distante de mim…

— Neto… — a voz do meu pai estava diferente, provavelmente estava chorando, não consegui ver, pois eu tropecei e bati com a cabeça na mesinha da cozinha, minha vista ficou embaçada e eu desmaiei...

E foi assim que sem nem eu ver ou saber direito, Henrique morreu.

“Oh morte, tu que és tão forte,

Que matas o gato, o rato e o homem.

Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar

Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva

E que a erva alimente outro homem como eu

Porque eu continuarei neste homem,

Nos meus filhos, na palavra rude

Que eu disse para alguém que não gostava

E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite…”

Raul Seixas


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