Angie escrita por Maiara T


Capítulo 2
Parte 2




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Dezenove de maio, uma tarde abafada e chuvosa de primavera. O dia em que senti que desmoronara por completo.

Há tempos não olhava redes sociais nem checava e-mails, e como a chuva me impedia de sair e realizar outros planos, decidi ficar em casa e organizar meu computador.

Comecei apagando arquivos velhos que eu tinha certeza de que não usaria mais. Não olhei as fotos. Abri meu e-mail, li as mensagens que importavam, apaguei algumas antigas e outras que nem mesmo abri. Talvez tudo de que eu precisasse era fazer uma grande limpa na minha vida, e eu sentia que organizar meu computador era uma boa forma de começar.

Quando fiquei satisfeito com a minha “limpeza eletrônica”, decidi dar uma olhada em perfis de redes sociais na Internet. Foi aí que vi algo que me devastou.

Uma foto. Uma simples foto de Angie, nos braços de outra pessoa. Eu não conseguia acreditar naquilo. Não se passara nem um mês!

De repente, todas as minhas mais remotas esperanças foram por água abaixo. Não, nós não iríamos voltar. As coisas não seriam mais como antes. Ela havia achado alguém para colocar no meu lugar antes mesmo que eu conseguisse ao menos olhar nossas velhas fotos.

Imediatamente, fechei o computador e corri as mãos pelos cabelos, respirando fundo para conter as lágrimas que eu sabia que viriam. Droga! Era tudo culpa minha.

Permaneci alguns minutos chorando em silêncio. Não aquele tipo de choro de soluçar e sacudir o peito. Aquele choro doloroso, de lágrimas que vão escorrendo lentamente, deixando seu rastro na pele e fazendo a garganta enrolar-se em um nó. Sentado na beira da cama, olhei adiante e enxerguei o telefone. Sem pensar muito, peguei-o e disquei o número de alguém que eu sabia que poderia ajudar.

Willow. Ela e Angie eram melhores amigas desde a época da escola, e depois que comecei a namorar Angie, ela acabou se tornando uma grande amiga minha também. Eu sabia que, ao contrário dos meus amigos, ela entenderia.

Logo que atendeu a ligação, sua voz assumiu um tom preocupado e caloroso. Provavelmente ela também vira a foto, e sabia que esse era o motivo de eu estar ligando.

"Willow, me desculpe se eu estiver interrompendo alguma coisa, mas eu realmente preciso falar com você."

"Eu estou no centro. Você quer que eu vá aí? Poderíamos nos encontrar no Café Vicenza, se estiver tudo bem para você."

Concordei com o local de encontro e desliguei. Eu não estava realmente com vontade de sair de casa, mas não queria causar a Willow o incômodo de se deslocar do centro até meu apartamento por minha causa. Desse modo, respirei fundo, lavei o rosto, vesti uma jaqueta por cima de tudo e saí.

Àquela altura, já havia parado de chover. Algumas goteiras ainda pingavam, nas marquises dos prédios e nas árvores. O clima, porém, permanecia úmido e o vento gelado em minha nuca fez com que eu me obrigasse a virar a gola da jaqueta para cima.

Ali, andando silenciosamente pelas ruas molhadas de Londres, com as mãos nos bolsos, eu olhava os rostos ao redor e imaginava se aquelas pessoas também estariam se sentindo como eu. Ou se já haviam se sentido assim e tudo ficara bem no final. Ou, então, se eram jovens demais e acreditavam que nunca passariam por isso. Um dia, talvez.

Ao me aproximar do café e ver Willow sentada em uma das mesas do lado de fora, afastei meus pensamentos e caminhei até ela. Sentei à sua frente com as mãos sobre a mesa e esperei. Ela as segurou com as dela e olhou em meus olhos.

– Fale, Alex. Você disse que precisava falar comigo. Eu estou aqui. Pode falar.

O tom dela era calmo e suave. Desviei os olhos, encarando a mesa e respondi:

– Ela encontrou outra pessoa, Willow. – Minha voz estava séria e pesada. – Ela vai me esquecer sem ao menos me perdoar.

– Tenho certeza de que ela não vai te esquecer. Alex, não se passou nem um mês desde que vocês deram um tempo. Talvez ela só esteja tentando se distrair, sair um pouco e conhecer gente nova. Mas eu sei que ela não vai jogar fora os dois anos que vocês estiveram juntos.

– Não sei, Willow.

Eu ainda soava abatido. Ela ajeitou-se na cadeira, e fez uma careta enquanto colocava o cabelo atrás da orelha. Tinha cabelos curtos, mas fazia aquilo por mania. Talvez estivesse perdendo a paciência comigo, porque além de se remexer, ela assumiu um tom de voz ligeiramente mais alto e apressado:

– Escute, Alex. Eu sei que esse lance com esse cara não é sério. No fundo a Angie ainda gosta de você. E eu digo isso porque também já fiz o que ela está fazendo agora, admito.

– Fez... o quê?

– Teve uma vez em que eu e o Johnny brigamos feio. No fim da discussão, dissemos que queríamos terminar e nunca mais nos ver novamente. Mas eu ainda gostava dele. E queria saber se ele ainda se importava comigo. Então comecei a sair com um cara que conheci nesse meio tempo, para ver como ele reagiria.

– E o que ele fez? – perguntei.

– Veio correndo tirar satisfação. – ela deu um sorriso atravessado, divertindo-se com a lembrança. – Discutimos novamente, mas com certo tempo as coisas se acertaram.

Ela deu de ombros, agora com um sorriso contido nos lábios – indicando o que eu já sabia, o final da história: ela e Johnny voltaram depois daquilo, e estavam juntos até hoje.

Depois de um instante de silêncio, fiz a pergunta que me atormentava:

– Você acha que Angie está fazendo o mesmo comigo?

Ela afirmou, e disse para que eu não me preocupasse tanto com isso. Angie ainda gostava de mim.

Mantive aquela afirmação em minha mente e tentei mudar de assunto para amenizar a situação. Pedimos café e conversamos mais um pouco. Depois, agradeci a ela por ter tirado um tempo para me escutar, despedi-me e fui para casa.

Ao chegar, notei o computador em cima da mesa, com a tampa ainda fechada. Encarei o objeto por alguns segundos, respirei fundo e soltei o ar pesadamente. Andei até ele e o abri, ativando a tela. A página que eu estava usando antes de sair permanecia aberta, com a foto de Angie e aquele cara bem no centro. Depois de olhar para ela por alguns segundos, decidi:

Ainda que nada fosse sério, como Willow dissera, eu iria descobrir quem ele era.

* * *

O nome do cara era Craig Andersen. Entrei no perfil dele e olhei as informações básicas. Ele não era de Londres, mas de alguma cidade menor dos arredores. Mudara-se há três anos. Servia no exército. A foto do perfil mostrava um rapaz de cabelo louro claro quase raspado e olhos azuis claros. Gélidos. Tinha aparência robusta e, com base na foto em que estava ao lado de Angie, devia ser alto.

Por uns minutos, estreitei os olhos para a foto dele e fiquei me perguntando porque Angie o escolhera. Talvez o que Willow dissera fosse mesmo verdade. Ela estava tentando me deixar bravo ou com ciúme. Eu a conhecia, e aquele cara não fazia o tipo dela. Porém, uma ponta de dúvida ficava sussurrando em minha cabeça. “Ei, talvez ela tenha mudado. Talvez estivesse esperando uma oportunidade como aquela discussão para te dispensar e achar um cara totalmente diferente.” Estiquei o pescoço e vi meu reflexo no espelho atrás do computador, na parede além da mesa. Eu era, em aspectos gerais, um cara normal. Cabelos castanhos sempre despenteados, olhos da mesma cor. Algumas sardas nas bochechas. Altura mediana. Nem um pouco durão.

Continuei fuçando no perfil de Craig. A maioria das fotos dele eram com colegas do exército, desfiles cívicos e até algumas missões. Todas com uma expressão séria ou portando armas. Mais para baixo, fotos de festas e algumas de antigas namoradas. Até aí, por mais que eu não tivesse gostado dele, ele era normal. O perfil dele era do jeito que eu imaginava que o perfil de um militar seria. O que me fez mudar esse pensamento foram as coisas que ele escrevia.

Quando olhei as postagens, percebi o tipo de pessoa que ele era. No topo, frases intelectuais, provando “o quanto ele era respeitável”. Mas bastou olhar o conteúdo mais antigo para ler coisas de alguém que achava claramente que era superior. Que desrespeitava as garotas com quem saía. Que fingia ser o que não era, e depois de conseguir o que queria, as descartava.

Em resumo, ele era um completo idiota.

Agora, uma nova preocupação ocupava minha mente. Já não me importava mais se Angie e eu iríamos voltar algum dia. Se ela não queria mais ficar comigo, eu entenderia. Por mais doloroso que fosse. Mas aquele cara iria magoá-la. Eu conhecera gente assim. Ele a trataria como se fosse nada, como se ela não tivesse importância, e quando não a quisesse mais, a dispensaria.

Meus pensamentos emaranhavam-se. Droga, Angie, no que você se metera?

Eu tinha de avisá-la. Olhei de relance para o telefone, mas descartei logo a ideia. Aquilo requeria conversar pessoalmente. Peguei a jaqueta em cima da cama e saí porta afora, vestindo-a enquanto saía. No meio do caminho, lembrei-me da conversa com Willow. Aparecer na casa de Angie dizendo para ela que Craig não prestava a faria pensar que eu estava com ciúmes. Se essa era a intenção de tudo, ela estaria conseguindo o que queria.

Não pensei bem no que iria dizer, e só me dei conta disso quando estava batendo na porta. Respirei fundo e esperei que ela viesse abri-la. Não levou nem um minuto inteiro, uma fresta foi aberta e eu pude ver seu rosto impaciente e um tanto mal-humorado. Ela se escorou no batente e ergueu as sobrancelhas de modo inquisitivo, esperando que eu dissesse alguma coisa, ou talvez que eu explicasse porque estava ali.

Fui direto ao ponto.

– Angie, você enlouqueceu? O que… o que… Por que você está com aquele Craig? Ele é um idiota!

– Tanto quanto você? - ela rebateu.

– Escute, eu não preciso nem conhecê-lo pessoalmente para saber o tipo de cara que ele é. Por Deus, Angie, você chegou a ler as coisas que ele escreve na Internet?

– Sim, Alex, e daí? Ele me trata bem. É pontual e organizado. Meus pais estão animados para conhecê-lo, e ele para conhecer meus pais.

Suspirei. Ela ainda estava tão brava comigo ou havia realmente mudado de ideia?

– Você tem que acreditar em mim. Ele não presta. Eu conheci gente assim, ele vai enganar você e deixá-la quando não a quiser mais.

– Alex, essa é minha decisão. - seu tom de voz era sério e afiado, e pareceu atravessar meu peito como uma faca. - Vá embora. Você só está perdendo seu tempo.

– Angie, por favor.

– Alexander, - ela fez uma pausa, demonstrando claramente sua irritação. - Vá embora.

Recuei um passo, calado. É isso, pensei. Não adiantava insistir. Fiquei olhando e dando passos desconcertados para trás enquanto ela fechava a porta. O modo como ela falara meu nome – friamente e sem usar meu apelido – me atingira em cheio. Aquela última frase ainda ressoava na minha cabeça quando cheguei em casa. Sentei na beira da cama e fiquei olhando para um ponto fixo no chão, sem saber o que fazer. Aquela tática não funcionara, e agora eu me via sem ideias.

Peguei o telefone e liguei para Willow.

“Você não tem jeito mesmo, não é, Alex?” Foi a primeira coisa que ela falou após eu relatar o que acabara de acontecer.

Fiquei em silêncio por uns segundos, esperando ela continuar. No final, o conselho que ela tinha para mim era: Espere.

À medida que Willow falava, eu percebia o tamanho da minha estupidez. De como fora precipitado. No que conseguira me acalmar, fui em busca de provas de que Craig não era bom para Angie, e logo em seguida corri à casa dela para tentar convencê-la disso. Era óbvio que ela não me escutaria.

“Apenas tenha calma, Alex.” – dissera Willow – “Dê um tempo. Se a Angie só está tentando te deixar com ciúmes, ela nem gosta do Craig. Só tente ficar meio fora disso por enquanto.”.

Depois que desliguei, respirei fundo. Olhei para a bagunça do quarto espalhada ao meu redor. Preciso me ocupar com alguma coisa, pensei, e comecei a organizar tudo aquilo.

* * *

Nos dias que se sucederam, procurei seguir o conselho de Willow. Arrumei todo meu apartamento. Tomei café no centro com ela algumas tardes. Marquei mais saídas com meus amigos. Numa delas, descobri outro podre de Craig, mas fiquei quieto. Pelo que um dos meus amigos contou, o primo dele e Craig haviam estudado na mesma escola. Durante o ensino médio, Craig vendia drogas em festas pequenas, da escola ou do bairro onde morava. Porém, antes de mudar de assunto, ele mencionou que o exército o havia endireitado e que agora ele era uma boa pessoa.

Eu sentia a raiva borbulhando no meu peito.

Tentei não manifestá-la e controlei a sensação tomando um gole da bebida que estava em meu copo. Senti o líquido queimando minha garganta imediatamente após engoli-lo. Tratei de deixar para lá antes que alguém percebesse que eu estava lutando para não parecer emburrado. Sim, eu estava dando um tempo a Angie e tentando ficar fora de tudo, mas isso não significava que eu gostasse de Craig.

Quando fui para casa, tarde da noite, desabei na cama e passei as mãos pelos cabelos. Respirei fundo e soltei o ar pela boca, ruidosamente. Minha cabeça latejava de leve, e eu sabia que aquilo pioraria pela manhã. Sentei-me e fiquei alguns minutos olhando fixamente para baixo, para minhas mãos sobre o colo, sem pensar em nada. Quando levantei dali, percebi a janela ainda aberta, desde a hora em que havia saído. As luzes da rua lançavam-se sobre as paredes, dançando conforme a passagem eventual de um carro. Todo o quarto parecia banhado em azul.

Fui até a janela, mas não a fechei. Em vez disso, sentei-me no beiral e fiquei ali, observando o lado de fora. Era madrugada, e não havia muita movimentação na rua onde eu morava. Mas a brisa era fresca e eu não queria dormir.

Passada uma hora ou duas, finalmente fui para a cama e dormi, por cima dos lençóis. Acordei com a luz do sol em meu rosto, me fazendo estreitar os olhos. Eu me sentia horrível.

Nas semanas que se seguiram, minha rotina foi essa. Trabalhar e tentar me concentrar ao máximo no que eu estava fazendo. Tomar café com Willow aos fins de tarde. Sair com meus amigos no fim de semana. Beber e sentar na janela durante a madrugada.

Havia algo de positivo nisso tudo. Eu estava superando.

No final de junho, descobri que estava errado.


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