Angie escrita por Maiara T


Capítulo 1
Parte 1




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Vinte e oito de abril, Londres, primavera. Na sala de estar. Foi aí que Angie atirou um abajur em mim e me dispensou.

Aquele dia já começara do avesso desde as primeiras horas da manhã. Era sábado, e eu iria almoçar com os pais de Angie na casa dela. Havia dois anos que estávamos juntos, portanto eu já os conhecia, mas eles moravam no interior e quando vinham visitá-la, era sempre uma ocasião importante. O almoço estava marcado há duas semanas, mas eu, em um dos meus atos de imprudência, esqueci-me dele na noite anterior e saí para beber com uns amigos. Num bar do outro lado da cidade. Como era madrugada, decidi dormir no apartamento de um deles, que ficava nos arredores. Estava bêbado demais para dirigir.

De manhã, levei alguns segundos para localizar onde estava. Minha cabeça girava. Chequei a hora no celular: onze da manhã. Então, o choque: a lembrança de que eu havia prometido comparecer ao almoço de Angie me atingiu como um balde de água gelada.

Peguei o carro, que havia deixado na garagem do prédio antes de irmos para o bar, e saí em direção à casa dela. Eu teria de atravessar o centro, e o trânsito estava uma loucura.

– Que droga, Alex! – a voz de Angie ecoou pela casa e pelos meus pensamentos por horas após a briga. – Você sabia! Você sabia há duas semanas! Por que é tão difícil para você cumprir uma promessa?

– Me desculpe. – eu respondi, na defensiva. Já havia repetido aquele pedido dezenas de vezes. – O trânsito estava impossível. Eu tentei pegar um atalho, mas mesmo assim, eu tive de atravessar toda a cidade! E eu liguei dizendo que iria me atrasar!

– O trânsito não foi o problema, Alex! Foi você ter esquecido e saído ontem à noite. E, céus, precisava encher a cara?

Essa foi a principal causa da discussão. O fato de que, mesmo tendo avisado sobre o atraso e dito para eles começarem sem mim, eu me descomprometera e esquecera completamente do almoço. Eu podia ouvir o tom de fúria e decepção de Angie pelo telefone. Quando cheguei, eles já haviam terminado. Angie estava servindo a sobremesa. Eu me desculpei, e senti os olhares de todos pesando sobre mim. Os pais dela silenciosamente me julgando irresponsável. Ela, com aqueles olhos verdes cortando-me ao meio, informando “Nós vamos falar sobre isso logo, logo. Você não vai escapar dessa”. E ainda por cima havia o estado em que eu me apresentava. Cabelos desgrenhados, olheiras, roupas amassadas por ter dormido com elas. Minha cabeça explodia de dor.

Na hora em que os pais de Angie foram se despedir antes de partirem, a mãe dela ergueu as sobrancelhas em sua direção após abraçar-me polidamente. Ela afirmou que não havia problema, que imprevistos como esse acontecem, mas aquele olhar, aquele gesto, parecia dizer à filha “Viu só, eu disse que ele não prestava. Pelo cheiro de álcool deve ter bebido a noite inteira ontem”.

E o que mais doía era que aquilo era terrivelmente verdade.

Os pais dela foram embora. Eu não me importava muito com o que eles pensavam da situação. No fundo eu sabia que eles nunca realmente gostaram de mim. Mas Angie. Ah, aquele olhar de decepção, a testa enrugada e os lábios contraídos de raiva. Após fechar a porta ela virou-se e me encarou. A bomba estava prestes a explodir.

Eu odiava discutir com ela. Ainda mais quando eu sabia que errara e, ao invés de reconhecer, eu tentava achar motivos para me explicar. Eu conseguia ser um completo imbecil às vezes.

Naquela tarde, eu subestimei essa capacidade. O motivo da discussão não era tão grave comparado aos de discussões anteriores. Assim como em outras vezes que eu fizera algo errado, Angie me perdoaria. Dessa vez, fosse a parte da minha consciência que estava sã ou algum resquício de álcool que ainda estivesse em minha corrente sanguínea, eu disse algo que não deveria. Eu vi no momento em que proferi aquelas palavras, de maneira agressiva, que a havia magoado.

– Quer saber, que se dane! Seus pais me odeiam mesmo.

– Talvez eles pensassem o contrário se você fosse um pouco mais responsável!

– Bem, eu não preciso da aprovação deles! E talvez se você parasse com essas “reuniões de família” ridículas eles não ficassem tão decepcionados com a péssima escolha da filha deles!

Ela parou por um momento e pareceu absorver a intensidade daquela sentença. Seus olhos estavam úmidos, prestes a transbordar.

– Se é um grande problema para você conviver com meus pais, talvez você não devesse mais vê-los. – fez uma pausa – E nem a mim. – ela manteve-se séria, mas com o tom de voz afiado.

– Bem, já que é tão difícil eu manter um compromisso, talvez seja melhor não ter nenhum!

Silêncio. Apenas duas respirações ofegantes nos extremos da sala. Dois ou três segundos se passaram, até que a realização do momento anterior a atingiu em cheio, e ela sucumbiu à raiva que estava sentindo de mim desde que eu chegara, agarrando o primeiro objeto que viu pela frente – o abajur que estava sobre a mesinha – e o atirando em minha direção.

Cobri o rosto com os braços, mas o abajur passou voando ao lado da minha cabeça e bateu contra a parede, ao lado da porta de entrada, estilhaçando-se. Apenas a parte de cima ficou intacta.

– VÁ EMBORA, ALEX! – ela gritou assim que ergui os olhos.

– Angie, escute, eu...

– VÁ EMBORA! – agora ela chorava, e vinha em minha direção com os braços esticados, me empurrando até a porta.

Eu gaguejava desculpas, enquanto ela abria a porta e me empurrava para fora.

– Por favor, Angie, eu não queria...

O baque seco da porta batendo silenciou minha voz, deixando a frase incompleta.

* * *

Nos dias seguintes, tentei ligar para ela. Esperei que aquele clima que a briga deixou esfriasse, e tentei consertar as coisas. Perdi a conta de quantas vezes telefonei. Ela não atendeu nenhuma.

Aquilo estava me deixando à beira da loucura. Eu errara feio, e agora não conseguia reparar o meu erro. Eu perdera Angie por causa disso.

Passaram-se duas semanas. Eu comecei a ligar com menos frequência, porque já estava perdendo as esperanças. Ela atendia, mas trocávamos poucas palavras.

“Sei que você tem todos os motivos para estar furiosa. E para me odiar pelo que eu disse. Mas, por favor, me dê uma chance. Eu quero consertar as coisas, Angie.”

“Alex, eu já disse isso antes: eu preciso de um tempo. Nós dois precisamos. E, por favor, pare de me ligar. Você não está ajudando em nada.”

Sempre a mesma conversa. Eu percebia, no tom de voz dela, que ela estava prestes a chorar. Por mais que tentasse soar séria, sua voz cometia pequenos deslizes, falhas roucas que a denunciavam.

Por fim, desisti. Talvez fosse melhor mesmo dar um tempo àquilo tudo. As coisas voltariam ao normal, cedo ou tarde.


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