Angie escrita por Maiara T


Capítulo 3
Parte 3




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Vinte e quatro de junho, começo do verão. A noite em que por duas vezes todo o ar sumiu dos meus pulmões.

Há dias meus amigos vinham me falando de uma festa que aconteceria em um pub recém-inaugurado no centro. Apenas um deles já havia estado no local, e tentava convencer a todos nós de que valia a pena ir. Eu estava cansado depois de uma longa semana de trabalho, mas acabei concordando. Sentia a cabeça cheia e os pensamentos frenéticos, e talvez o que eu precisasse mesmo era de uma distração para esvaziar a mente. Além do mais, se eu não fosse, o que ficaria fazendo? Passaria a noite assistindo TV? Ouviria algum disco enquanto bebia? Aquilo soava deprimente. Meu cansaço era mais mental do que físico, e definitivamente eu não queria ficar em casa refletindo sobre tudo que estava me aborrecendo.

Assim, mandei comprarem uma entrada para mim.

Ainda havia uma semana para o dia da festa, mas esses sete dias passaram voando. Quando me dei conta, era sexta e eu estava saindo do trabalho.

No caminho para casa, eu me sentia estranhamente animado. Não estava tão entusiasmado uma semana atrás. Uma sensação de ansiedade se agitava dentro de mim, e eu não sabia dizer porquê. Comecei a alimentar uma expectativa: talvez alguma coisa boa fosse acontecer nessa festa, afinal. Talvez - e era isso que me animava - eu conhecesse alguma garota nova, e pudesse enfim seguir em frente.

Cheguei em casa e fui logo tomar banho. Não sabia bem o que vestir; fizera calor durante todo o dia, mas a brisa noturna de Londres era sempre fresca. Acabei colocando uma roupa simples: jeans e uma camiseta branca. Antes de sair, passei um perfume e vesti minha jaqueta. Eu me sentia confiante.

Na entrada do bar, encontrei meus amigos. Apenas um deles estava desacompanhado. Bem, pensei, ao menos não vou ter que ficar falando com as paredes.

Lá dentro, o ambiente era escuro, iluminado apenas por algumas lâmpadas amarelas. Paredes de tijolos sem reboco davam um ar rústico ao lugar. Havia música tocando, porém não muito alto ainda. Não reconheci a canção. Avancei mais para dentro, costurando por entre a multidão. A festa tinha recém começado, mas já havia um número considerável de pessoas no local.

Cheguei até o bar e me escorei no balcão. Meus amigos vieram logo em seguida.

No início, ficamos todos ali, conversando e começando a beber. Passada meia hora, porém, a música aumentou, as pessoas ficaram mais agitadas. Em questão de minutos a pista de dança estava cheia, e meus amigos que haviam trazido as namoradas dirigiram-se todos para lá. Apenas eu e Chris continuamos onde estávamos.

Confessei a ele:

– Sabe, cara, eu estava bem animado em relação a essa festa hoje à tarde.

– E não está mais?

Terminei de tomar o que estava em meu copo. Após engolir, falei, um tanto engasgado:

– Olhe pra mim. Eu pareço o mesmo de alguns meses atrás?

Ele permaneceu em silêncio, e eu sabia o que estava pensando. “Não, Alex, você mudou. E para pior. Está no fundo do poço e fica tentando agir como se estivesse ótimo. Pare de tentar convencer a si mesmo. Você está péssimo.”

Fosse ou não o que Chris estivesse pensando, aquilo tudo era eco dos meus próprios pensamentos. Olhei para o copo vazio em minha mão. Droga, eu não devia beber. Eu sempre acabava triste e detestando a mim mesmo.

De súbito, falei:

– Vou ao banheiro.

Andei um tanto cambaleante até o fundo do ambiente. Esbarrei em algumas pessoas no caminho. Eu sabia do que eu precisava. Quando cheguei ao banheiro, debrucei-me sobre a pia e olhei meu reflexo no espelho. Eu não estava bêbado. Havia tomado uns poucos drinques e meus sentidos não estavam realmente afetados. Mas, ainda assim, eu me sentia horrível.

Abri a torneira, enchi as mãos de água e a joguei no rosto. Fechei os olhos e esfreguei-os, respirando fundo. Quando os abri, me olhei novamente no espelho e fiquei ali, parado, encarando a imagem que me olhava de volta por alguns segundos. Só quando um cara saiu de uma das cabines e foi em direção à pia para usá-la é que voltei à realidade.

Voltei para a festa, sentindo o som - que dentro do banheiro parecia abafado e distante - chegar aos meus ouvidos gradativamente, até que eu sentisse as ondas sonoras vibrando em minha pele. Me encostei novamente no bar ao lado de Chris, que me encarou com um olhar apreensivo.

– Hm, Alex… - comprimiu os lábios e virou o rosto em direção à pista de dança, deixando a frase incompleta.

Isso fez com que eu me virasse na direção em que ele estava olhando.

No meio das pessoas que dançavam, eu os avistei. Angie e Craig.

Angie parecia radiante. O cabelo loiro escuro estava preso em um rabo de cavalo e ela usava um vestido azul celeste. Sorria abertamente, e aquilo a deixava ainda mais deslumbrante. Suspirei. Craig estava ao lado dela, o rosto impassível, de olhar sério. Virei-me novamente para o bar. Eu não deixaria aquilo me abater. Era a escolha dela, e se ela estava feliz assim, eu não iria me intrometer.

Apesar disso, não pude conter a ânsia que eu tinha de volta e meia lançar um olhar de esguelha para a pista de dança, enquanto me encolhia e me escondia atrás de Chris para não ser notado.

– Cara, e daí se ela te ver? Pare com isso. É estranho.

Ignorei o comentário, descartando-o com um aceno de mão enquanto tentava espiar mais uma vez além da cabeça dele.

– Olhe lá. - falei. - Não disse que ele era um idiota? Nem dá atenção a ela.

Chris suspirou, irritado comigo, e virou-se para olhar a pista de dança.

Enquanto Angie dançava, ou conversava com algumas amigas que encontrara na festa, Craig estava parado próximo a ela, olhando em volta, com uma expressão de impaciência no rosto.

Ele estava me aborrecendo. Mas eu continuei quieto, até chegar a hora de tudo desandar.

Eram três da manhã. Àquela altura, metade dos meus amigos já havia ido embora. Eu teria ido também, em circunstâncias normais, mas a teimosia e a bebida que eu consumira me diziam para ficar. O porquê, nem eu mesmo sabia explicar. Eu estava me sentindo vazio e emburrado, e talvez ver a garota que eu amava com alguém que me causava tanta repulsa fosse um novo método de torturar a mim mesmo.

Foi aí - eu percebi - que eu soube que não tinha superado.

Em vários momentos, tive a impressão de que Angie parara em meio a sua dança e ficara alguns segundos olhando para mim. O pub já tinha esvaziado consideravelmente, e não havia mais tantas pessoas na pista de dança para bloquear a visão. Chris, que continuava na festa talvez apenas para me fazer companhia, não era suficiente para impedir que eu fosse visto, e eu também já não estava mais me importando em me esconder.

Se ela realmente vira que eu estava lá, não veio até mim. Talvez estivesse esperando que eu fosse até ela, mas como eu não tinha certeza do que vira, deixei a oportunidade escapar. Mais de uma, na verdade.

Então, de súbito, ela parou. Falou alguma coisa para as amigas mais próximas e saiu dali, caminhando em direção à borda da pista. Senti meu coração disparar num instante e congelar no outro. Ela não estava vindo até mim, apenas indo ao banheiro.

Quer saber?– pensei - Acho que é hora de ir embora.

Levantei repentinamente, um tanto confuso. Mas antes de sair dali, olhei novamente para a pista de dança, e o que vi me deixou imóvel por alguns segundos. Lá estava Craig, antes parado e distante, dançando com outra garota.

Aquilo eu não poderia ignorar. Não poderia ser fruto da minha imaginação. Eles estavam realmente perto um do outro. Perto demais. Céus, ele estava beijando o pescoço dela!

Num momento de imprudência, cruzei o local em direção a ele, sem desviar os olhos. Cheguei mais rapidamente do que esperava e, sem pensar nas circunstâncias, desferi um soco no queixo dele, com toda força que consegui reunir.

– SE VOCÊ VAI FICAR COM ELA, AO MENOS A RESPEITE!

O soco que eu dera fora suficientemente forte para fazê-lo se desequilibrar e ter de se apoiar na parede. Ele ergueu os olhos, e eu vi a fúria faiscar dentro deles.

Nesse instante, as pessoas ao redor começaram a se dar conta do que estava acontecendo e a se afastar. Chris parou ao meu lado, aflito.

– O que você pensa que está fazendo? - Craig aproximou-se lentamente, ameaçador, estreitando os olhos para mim. Meu peito arfava. Não me mexi.

Então, quando ele estava a mais ou menos uns três palmos de distância, o rosto dele pareceu adquirir uma expressão de reconhecimento, e ele falou exaltado, em tom de deboche:

– Ah, se não é o ex-namoradinho da Angie! Tentando defendê-la!

Não sei porque ele demorou tanto para se dar conta de que eu estava falando sobre Angie. Talvez achasse que eu estava tentando defender a garota que ele beijava no momento em que o atingi. Não tive tempo de pensar sobre isso. Ele agarrou-me pela gola da camiseta com uma mão e deu um soco no meu rosto com a outra. No mesmo instante tive a impressão de que tudo a minha volta estava borrando e misturando-se. Quando recuperei o equilíbrio, pronto para revidar, Chris postou-se entre nós dois.

– Ok, chega, não vamos começar uma briga aqui dentro, não é?

Craig olhou para mim, bufando. Empurrou Chris, tirando-o caminho, e falou:

– Não. Não aqui dentro.

Ele esticou os braços e bateu no meu peito, empurrando-me com força para trás. Fez isso mais algumas vezes, sem que eu conseguisse impedir, já sendo difícil o bastante equilibrar-me e manter-me de pé enquanto ele o fazia. As pessoas automaticamente abriram caminho até que chegássemos onde Craig pretendia: a porta da saída de emergência, nos fundos do bar.

Senti minhas costas baterem com força contra a porta de metal. Eu a abri e atravessei, e ele me seguiu, fechando-a atrás de si.

Saímos em uma espécie de pátio pequeno, que se afunilava em um beco e iria dar na rua de trás da entrada do pub. Havia pouca iluminação no local. Tudo que eu conseguia distinguir eram os contornos de latas de lixo e do homem em pé a minha frente. Os sons da festa estavam abafados e distantes. A brisa era fria e em um instante deixara minhas mãos e bochechas geladas. Tudo isso - essa minha percepção do ambiente - não levara mais do que alguns segundos antes que ele viesse para cima de mim.

Primeiro, o impacto. O empurrão e o choque das minhas costas e cabeça com o muro atrás de mim. Depois, a dor. A realização do que acontecera e a sensação percorrendo meu corpo. Mal conseguira me recuperar, ele agarrou meus ombros pela jaqueta e lançou-me no chão.

– Então você queria bancar o herói? - falou Craig, prendendo meus braços com os joelhos e desferindo um soco em meu rosto. Senti um filete de sangue escorrer do meu nariz. - Vamos, levante! Quero ver a mesma coragem agora.

Tentei me mexer, sem sucesso. Mais dois socos. Ele se levantou e postou-se a minha frente, como que esperando. Com dificuldade, consegui erguer-me sobre os cotovelos, e lentamente coloquei-me de pé. Ele abriu os braços, provocativo, e eu corri na direção dele e dei um murro em seu queixo. Craig, porém, era muito mais forte que eu. Ele abriu um sorriso debochado, demonstrando como meu golpe não o afetara ao mínimo.

– É só isso que consegue fazer?

Encarei-o, sem responder. Então novamente ele veio até mim.

Dessa vez, o alvo não foi meu rosto, e sim o meu estômago. O primeiro golpe fez com que eu me dobrasse de dor, e uma vez nessa posição, ele apoiou a mão em minhas costas, segurando-me, e começou a desferir uma sequência de socos sobre o mesmo ponto. Cada novo golpe era mais violento que o anterior, e me fazia chegar cada vez mais perto do estado de inconsciência. Quando ele finalmente parou, tateei cegamente às minhas costas a procura do muro, numa débil tentativa de manter-me de pé. Não obtive sucesso. Sem conseguir encontrar qualquer superfície de apoio, desabei no chão.

Minha visão estava turva e tudo parecia desfocado ao meu redor. Mesmo assim, pude ver a silhueta de Craig erguer-se sobre mim, empunhando um canivete. A lâmina reluzia na pouca luz que adentrava o beco. O que restava de ar nos meus pulmões se esvaiu, e eu tive a sensação de que iria asfixiar. Fechei os olhos. E então senti um peso desabando sobre o meu corpo.

Era Craig. Caído, inerte como um fantoche. Olhei para cima, onde um segundo atrás estava seu tronco, e o que vi foi Angie.

Ofegante, com uma expressão furiosa nos olhos, segurando um extintor de incêndio.

Ela largou o objeto, que bateu ruidosamente no chão, e se ajoelhou ao meu lado, afastando Craig enquanto o fazia.

– Ah, meu Deus, Alex, você está bem? Me desculpe, isso é tudo culpa minha.

– Não. - falei, minha voz estranhamente rouca. - Não é sua culpa.

Com dificuldade, consegui me recostar no muro. Angie afastou os cabelos da minha testa delicadamente.

– Alex, eu… Se eu não tivesse começado tudo isso, você não estaria assim. Droga, eu não queria que as coisas saíssem de controle. Eu só saí com Craig porque me lembrei do que Willow fez quando ela e Johnny brigaram. Era para te dar uma lição.

– Angie…

– Eu nunca gostei do Craig. Escolhi ele porque era exatamente o tipo de cara que eu nunca namoraria. Queria que você refletisse o que fez, que pensasse que tinha me perdido. E olha só o que aconteceu.

– Está tudo bem, Angie. Eu também não deveria ter batido nele, para começar.

Ela respirou fundo e soltou o ar pesadamente. Continuou.

– Nós saímos algumas vezes, mas não houve nada mais. Quando ele me convidava para sair, eu dizia que tinha que estudar, ou que iria viajar para a casa dos meus pais. Além disso, o que eu disse a você era mentira. Ele nunca os conheceu, e eu não os mencionei nem uma vez para ele. - Ela fez uma careta e balançou a cabeça. - Eu jamais apresentaria Craig para os meus pais.

Sorri e segurei as mãos dela. Depois de um instante de silêncio, falei:

– Vamos sair daqui. - Olhei para o corpo de Craig e depois novamente para ela. - Antes que ele acorde.

Ela abriu um sorriso e levantou-se, ajudando-me a fazer o mesmo. Eu ainda me sentia dolorido, mas já estava um pouco melhor agora. Caminhamos pelo beco até chegar à rua, as luzes dos postes um tanto ofuscantes conforme deixamos o escuro e atingimos a calçada. A sensação que eu tive ali foi um misto de alívio e paz. A rua estava deserta e silenciosa, tomada por uma calma incomum. A brisa era fresca e soprava de leve e, no horizonte, antes da ladeira, parecia que o asfalto terminava no céu.

Angie me puxou pelo braço, trazendo-me mais para perto, e falou:

– Alex, escute, eu fui uma completa idiota mas, por favor, me perdoe. - Ela fez uma pausa. - Podemos voltar a ser como éramos antes?

Lentamente, eu a puxei para junto de mim e a beijei.

Àquela altura da madrugada, o céu já assumia tons de laranja e azul claro, indicando que em pouco tempo o sol iria nascer. A cada minuto a escuridão se tornava um pouco menos densa. Devia ser umas cinco da manhã, talvez mais. Enquanto andávamos cambaleantes no meio da rua, tive a realização de que tudo acabara bem, de certo modo. Senti algo agitar-se no meu peito, uma inquietação crescente e, em um impulso, ignorei a dor em minhas costelas e estiquei os braços para o alto, berrando até perder o fôlego.

Aquilo pareceu desmanchar um peso dentro de mim. Nos prédios, algumas luzes acenderam; cortinas abriram uma brecha para que alguém espiasse a rua, depois voltaram a se fechar. Angie olhava para mim, rindo, e eu não conseguia conter o quanto me sentia feliz também.

Passei meu braço em volta de sua cintura, e continuamos descendo a rua em direção ao céu alaranjado pelo sol que despontava no horizonte.


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