Boa Sorte, Katniss escrita por Hanna Martins


Capítulo 23
Quando o inimigo te estende a mão


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à linda da Kah Alves, que fez uma recomendação que me deixou cheia de ânimo para terminar o capítulo. Obrigada, Kah!
E desculpem pelo atraso nas postagens, eu realmente queria poder escrever mais rápido. Porém, ainda estou envolvida com meus problemas... E escrever nesses momentos é um pouco complicado para mim. Obrigada pela paciência e pelo apoio!



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— Kit de sobrevivência entregue a domicílio — diz Ren, apontando para a caixa de pizza e uma sacola cheia de chocolates e DVDs das minhas séries prediletas.

Sorrio, apanhando a pizza e a sacola.

— Como você...

— Eu sei quando você não está bem, Katniss — responde, me analisando. — Eu ouvi sua voz no telefone... e pensei que gostaria de um kit de sobrevivência — sorri para mim. Os sorrisos de Ren são um ótimo remédio para dias nebulosos. — O que foi que aconteceu?

— Eu só estou... cansada — talvez essa seja a palavra exata para definir o meu dia, um enorme cansaço.

Hoje foi um daqueles dias intermináveis, em que tudo parecia dar errado. Primeiro, meu encontro com Peeta. Eu não estava preparada nenhum um pouco para revê-lo. Nem um pouco mesmo. Foi como uma prova surpresa, uma prova que eu não gostei nenhum um pouco. Afinal, quem gosta de gosta de provas? Ainda mais surpresas. Depois, para completar meu dia, ao chegar em casa, encontrei um aviso para eu desocupar o apartamento até o final de semana. Ou seja, oficialmente, sou uma garota sem teto. O que eu vou fazer?

Ren continua me analisando. Seus olhos, às vezes, suspeito, conseguem ler minha mente. Ele é ótimo em saber o que se passa na mente das pessoas, principalmente na minha.

— Ok... — ele também é ótimo em saber quando uma pessoa simplesmente não quer falar no assunto. — Então, que tal vermos alguma série enquanto comemos a pizza — sugere, animado. Sei que ele está tentando me fazer esquecer dos meus problemas.

— Perfeito! Você realmente sabe como animar uma garota!

Ele bagunça o meu cabelo de maneira travessa, enquanto ri.

— Ei! — protesto, tentando me defender. — Isso não é justo! Você me pegou desprevenida!

Dá os ombros e continua a bagunçar meu cabelo.

— Também vou comer tudo isso, sozinha! — ameaço.

— Ok! Ok! Eu me rendo! — retira rapidamente a mão do meu cabelo, fazendo sinal de rendição com as mãos.

Sorrio satisfeita com minha vitória.

Ren e eu nos alojamos no sofá da sala. Estamos sentados bem próximos, culpa do sofá, ou diria, replica de sofá. Coloco os pés em cima do sofá e apoio o queixo nos joelhos. Nossos corpos se tocam.

— Vou te emprestar meus ombros como almofada — fala Ren, puxando minha cabeça para descansar em seu ombro.

O gesto faz eu ficar sobressaltada. Eu e minha maldita queda por Ren. Tento agir normalmente, como se isso fosse possível... Eu estou com minha cabeça em seu ombro, posso sentir o seu cheiro... isso é tão bom...

— Vou pegar um refrigerante! — falo, me levantando do sofá.

Por que entre todos os caras do mundo, eu tinha que ter logo uma queda por um dos meus melhores amigos? Isso é tão difícil. Não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós. Katniss, Katniss, por que você não pode ser uma garota normal? Por que sempre tenho que me interessar pelo cara errado? Não que Ren seja o cara errado. Pelo contrário, ele é o cara perfeito em muitos sentidos. Porém, o detalhe dele ser um dos meus melhores amigos complica tudo.

Demoro um tempo considerável pegado o refrigerante, quando volto, Ren está mexendo na TV. Trato de sentar o mais longe que posso dele. Uma garota precisa se prevenir, não? Além disso, o que pensaria Ren se eu o atacasse?

Passamos um bom tempo assistindo séries. Isso ajuda meu ânimo ficar um pouquinho melhor.

No entanto, quando preciso acordar às 5:25 da manhã ao som estridente do despertador para me reunir com meu passado me condena, meu ânimo não está nada bom.

Isso vai passar, isso vai passar.... Repito e repito. Não, isso não vai passar! Se eu ligar para a Johanna e falar que estou doente?... Isso é uma boa ideia, mas minha chefe me faria ir àquela reunião mesmo que se eu estivesse em uma maca de hospital... Coragem, coragem!

Hora de agir como uma adulta. O passado ficou no passado. Você é agora, uma profissional! Essas são as palavras que uso para me convencer que a situação não é tão aterradora assim. O que de pior pode acontecer nessa reunião? Melhor não pensar, com a sorte que eu tenho...

Enquanto, eu divago sobre minha sorte, nem noto quando Lavinia se aproxima de mim.

— Katniss... é...

Olho para ela. Pela sua expressão, sei que ficou um bom tempo me chamando.

— Desculpa... eu... estava...

— Peeta está terminando de confeitar um bolo. Ele pediu para que você o esperasse no escritório — informa Lavinia, me impedindo de dar uma desculpa esfarrapada.

Assinto e ela me conduz até um pequeno escritório.

— Peeta já vem. Quer um café, uma água?

— Não, obrigada — falo, me sentando na cadeira em frente a escrivaninha.

O escritório não é nenhum um pouco pessoal, há apenas uma escrivaninha, com um notebook, e uma estante com vários livros sobre culinária.

Lavinia sorri e me deixa. Pego um bloco de anotações e começo a estudar. Quando você está em uma situação em que você definitivamente não queria estar, o melhor é tentar focar em outra coisa.

Já se passaram vários minutos, quando ouço o barulho da porta se abrindo atrás de mim. Nem preciso me virar para saber de quem se trata.

— Podemos começar a reunião? — falo sem olhar para Peeta. — Tenho que voltar para a Sinsajo logo, as nove horas tenho uma reunião — a parte da reunião é verdade, a parte que eu preciso voltar para a Sinsajo o mais rápido possível é claramente uma mentira. Johanna me deixaria falta um mês inteirinho no trabalho se isso significasse garantir nossa parceria com Peeta.

— Certo — Peeta se senta na cadeira em minha frente.

— Vamos direto ao ponto, então — digo, ainda sem tirar meus olhos do bloco com minhas anotações.

No entanto, eu posso sentir o olhar de Peeta em mim. Isso me causa... escalafrios. A quem estou tentando enganar, não posso fugir dele.

Meus olhos vão parar em Peeta. Ele me encara e sorri.

O mesmo sorriso travesso, o mesmo olhar. Parece que inventaram uma máquina do tempo e eu regressei a seis anos atrás.

Nada de sentimentalismo. Eu já deixei meu passado no passado. Sim, Peeta deve ficar em meu passado. Não somos mais aqueles dois adolescentes de dezoito anos. Muita coisa mudou, muita coisa aconteceu desde aquela época. Eu não quero me sentir como aquela garota de dezoito anos que teve seu coração destruído.

— Então? — Peeta pergunta. Droga, por que eu resolvi dar uma de filósofa e me esqueci do que está acontecendo em minha frente.

— É... — começo a ler as anotações que fiz sobre o pão Dente-de-leão.

Peeta me escuta atentamente. Por precaução, evito deter meu olhar nele mais do que o necessário. Quando termino de falar, Peeta faz algumas observações e propõe algumas mudanças.

Estranho, sua expressão tem um ar sério. É um tanto irreal vê-lo com essa expressão, principalmente ao lembrar daquele garoto um tanto petulante de seis anos atrás. Ele realmente virou um profissional comprometido com seu trabalho. Parece levar bastante a sério seus negócios. Se alguém me contasse, que um dia eu teria uma reunião de negócios com Peeta Mellark e ele iria se comportar dessa maneira, eu juro que cairia na gargalhada. Ai, ai, ai, preciso parar com essas divagações que não me levarão a lugar algum.

— Certo — anoto o que ele diz. — Faremos isso... — olho para meu relógio. — Preciso ir... acredito que já tenho o necessário para realizar as modificações que você pediu — guardo meu bloco na bolsa e me levanto da cadeira.

Começo a andar rapidamente até a porta. Até que não foi tão ruim assim...

— Katniss! — ele me chama, fazendo eu me deter quase automaticamente.

Correção, nunca afirme que algo não foi tão ruim até você ter certeza que a coisa acabou.

— Sim? — falo, me voltando para ele.

— Eu estou indo para a Sinsajo, quer uma carona?

Mas o quê? Ele me fez vir até aqui, sendo que vai agora para a empresa? O que ele tem debaixo daqueles cabelos louros super macios e com cara de cabelos de comercial de shampoo?

— Não, obrigada.

— Mas, você disse que tinha uma reunião as nove. Suponho que seja a mesma reunião que eu tenho — fala me olhando com aquele sorrisinho triunfal no rosto. — Vamos, eu te dou uma carona. Sei que você não quer chegar atrasada — ele caminha até mim, com as mãos no bolso, e sorrindo.

Estou preparada para negar novamente. Porém, me ocorre algo... Peeta não vai sair dessa ganhando.

— Tudo bem... não quero chegar atrasada a reunião...

— Ótimo — abre a porta.

Caminhamos silenciosamente até o estacionamento da confeitaria. E não é aquele silêncio bom, é mais daquele tipo de silêncio constrangedor que ocorre em elevadores quando nos deparamos com vizinhos chatos.

O estacionamento está quase vazio. Uma chuva fina e fria cai. Às vezes, a natureza resolve colaborar para deixar seu dia com um toque depressivo.

Entramos no carro e mais silêncio. Até cogito falar algo para quebrar esse clima estranho. Porém, sobre o que eu deveria falar?

— Como estão Haymitch e Effie? — pergunta subitamente.

— Estão bem... — ok, sei que está não foi a resposta mais eloquente do mundo.

Ele assente.

— E seu... pai como está? — indago apenas para ter o que falar.

— Ele está bem — pelo visto essa conversa não vai muito longe.

Agir como adultos é algo estranho. Ainda mais quando você deseja parecer uma adulta responsável, madura, que não se importa com o passado diante do cara com quem você teve... um relacionamento estranho e sem denominação.

— Não sabia que você estava trabalhando na Sinsajo — fala Peeta, quebrando mais uma vez o constrangedor silêncio.

— Não faz muito meses... — digo.

— Então, você trabalha com alimentos, isso é... uma surpresa.

— Nem tanto... Sempre gostei de comida... Mas, você sendo um homem de negócios, isso sim é uma surpresa — deixo escapar meus malditos pensamentos.

Ele arqueia a sobrancelha e me lança um olhar indagador.

— Uma surpresa, é? Por que seria uma surpresa?

— Não sei... — dou os ombros. — Você não fazia o gênero cara trabalhador...

— Ah, não? E que gênero eu fazia? — ele não parece zangado com minha afirmação, apenas divertido. O que me deixa um tanto frustrada.

Sim, eu sei, sentimentos contraditórios. Mas o que eu posso fazer, se Peeta Mellark tem esse problema gravíssimo, me deixar irritada, mesmo quando estou tentando ser uma adulta responsável e civilizada.

— Sei lá... Apenas que ser alguém trabalhador parecia não ser o seu tipo...

Ele sorri.

— Você não mudou muito, Katniss.

Por um segundo, lanço para ele meu olhar mortal. Droga, cadê a adulta responsável e civilizada nessas horas?

Sorrio. Um sorriso falso, claro. Mas, ninguém pode afirmar que eu não estou tentando ser uma adulta aqui, muito responsável, profissional e civilizada. Sem contar que se algo acontecer a Peeta, Johanna trataria de me matar pessoalmente. E ver minha chefe brava com certeza não é algo bom de se ver. Assim, além de ser quase uma sem teto, seria também uma desempregada.

— Talvez... — dou os ombros, enquanto olho para as gotículas que caem no vidro da janela do carro.

Nossa interessante conversa é interrompida pela nossa chegada a Sinsajo.

Saio do carro rapidamente.

— Katniss! — ele me chama. — É a primeira vez que venho a Sinsajo, você poderia me mostrar o caminho, não? Afinal estamos indo para mesma reunião — fala, enquanto seus longos passos me alcançam. A natureza não deveria ter dado pernas tão grandes para ele.

— Claro — afirmo, tentando manter minha postura de adulta civilizada. Porém, tento andar o mais rápido que posso, sem que seja considerado uma corrida.

Pelo menos há muitas pessoas por perto, e eu não preciso manter uma conversa com ele. E pela primeira vez, adoro o fato do elevador estar lotado. Me certifico de ficar no canto mais distante possível de Peeta.

Quando as portas do elevador se abrem, sou a primeira a sair. Quem sabe, ele não fica lá... A Sinsajo é bastante grande... Me deixem sonhar um pouquinho!

— Katniss! Ei, Katniss! — Ren, bate em minha testa com o dedo indicador. — Distraída!

— Foi mal, Ren! — sorrio para ele. — Não tinha visto você...

— Não havia me visto, é? — Ren faz uma carinha de garotinho abandonado. — Ok, agora sou um homem invisível!

— Ei, drama queen! — dou um soco em seu ombro.

Ren ri.

— Não estamos atrasados para a reunião, Katniss? — a voz de Peeta me traz a realidade.

Por um segundo, havia me esquecido o porquê de hoje não estar sendo um bom dia.

Ren olha interrogativo para Peeta.

— Depois... nos falamos, Ren.

— Ok, Katniss. Até mais... — diz Ren, se afastando de nós.

Noto o olhar de Peeta seguir Ren por alguns segundos, como se ele estivesse o analisando...

— Ah, aí estão vocês! — Johanna, minha doce e querida chefe, aparece do nada. O que deu nessas pessoas hoje para fazerem essas aparições surpresas?

Mas desta vez, fico bem aliviada de ver minha chefe, já que ela começa a conversar com Peeta, ou melhor, ela faz uma espécie de monologo. Noto o olhar frustrado dele. Me lembrem de dar um belo presente para minha chefe de natal!

Vou para a sala de reunião e consigo um lugar entre Annie e Finnick. Peeta precisa se contentar com um lugar ao lado de Johanna.

— Parece que a chefe está empolgada... — sussurra Finnick com aquele sorriso meio debochado e sexy dele que faz as trabalhadoras da Sinsajo terem ataque cardíacos. Se alguém morrer assim, Finnick deveria pagar uma indenização.

— Acho que nunca vi a chefe sorrir assim — diz Annie. — Isso é... medonho!

Annie lança um olhar discreto na direção de Johanna e Peeta.

— Mas até que eu entendo a empolgação dela... — Annie sorri maliciosamente.

Lanço um olhar nada amigável para que esses dois ficarem quietos. Não preciso de ninguém para me lembrar dos atributos de Peeta Mellark.

Durante a reunião, ignoro a presença de Peeta com todas as minhas forças.

Quando a reunião acaba, dou um jeito de ser a primeira a escapar da sala. Com certeza, a minha cota de Peeta já foi excedida por hoje. Me refugio na sacada.

Posso respirar aliviada. Com toda a má sorte que estou tendo essa semana, bem que poderiam me dar um desconto. Enquanto, penso como minha vida seria boa, se esse tal de Mulphy resolvesse me dar um tempo, meu celular começa a tocar. Não, nada de desconto para mim, quem está me ligando é a dona do meu apartamento. E o que ela me diz, só me deixa mais convicta que não será dessa vez que me livro de minha sorte.

— Amanhã? — não consigo acreditar nas palavras que estou ouvindo. — Eu vou precisar desocupar o apartamento, amanhã? — Essa seria uma boa hora para o despertador tocar. Vamos despertador, faz aquele barulho irritante.

No entanto, isso não é um pesadelo. É a vida real. A vida real é mais terrível que qualquer pesadelo. Você pode acordar de um pesadelo, mas nunca poderá fugir da realidade. Acredito veementemente que a realidade e a segunda-feira devem ser amigas. Melhores amigas.

— Sinto muito, Katniss, mas encontramos um comprador para o apartamento e ele quer o apartamento o mais rápido possível — lamenta.

— Mas, você não pode dar um prazo maior, mais três dias? — insisto.

— Infelizmente, não. Preciso do apartamento amanhã.

Meu Deus! Agora eu sou uma garota sem teto! A onde eu vou morar? Vou ter que viver na pracinha da esquina...

A dona do apartamento desliga e eu estou em choque. O que eu faço agora?

— Mas eu não tenho para onde ir... — falo em voz alta.

— Você poderia ir para meu apartamento — uma voz, que vem não sei de onde, chega até a mim.

Me volto assustada e encontro Peeta me observando.

— O quê?

— Eu ouvi sua conversa, Katniss. Você pode ficar no meu apartamento — repete.

Os olhos azuis de Peeta, que se parecem excessivamente, para meu gosto, com o céu em dias de primavera, me analisam.

Isso está cada vez pior. Sou uma pessoa sem teto e agora Peeta me oferece seu apartamento. Meu inimigo me ofereceu ajuda. Tem como as coisas piorarem?


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Katniss está tentando agir de maneira madura e responsável, porém, está claro que Peeta não ajuda muito rsrsrsrsrsrs. E agora, será que Katniss vai morar com Peeta?