Regis em busca de si mesmo escrita por Celso Innocente


Capítulo 8
Um sapinho susteriano


Notas iniciais do capítulo

Que as alegrias almejadas no ano que se encerra se tornem realidade por todo o novo ano.
FELIZ ANO NOVO PARA TODOS NÓS



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Depois do jantar, devido insistências de Paulinho, Henrique e Leandro, acabei concordando em brincar.

Como as meninas nos boicotaram, ficando apenas os “homens”, resolveram brincar de salva.

Claro que eu não sabia o que era, mas como se dividiu em dois grupos, com oito de nós para cada lado, acabei estando no grupo dos que fugiriam, enquanto os demais nos caçariam. A missão era fácil: apenas fugir de nossos perseguidores, pois, uma vez capturados, teria que ficar preso no poste de iluminação pública, esperando ser socorrido por um dos parceiros. Quando todos fossem capturados a brincadeira se invertia.

Assim, descalços e sem camisa, corríamos na maior algazarra, em volta de toda a quadra, que fazia parte do pouco aglomerado de residências à frente de minha casa.

Alguns minutos de fuga, já cansado e suado, passava de frente a uma bela residência, na rua abaixo de minha casa, quando um homem de lá seus vinte e cinco anos, parado do lado de fora do portão, chamou:

— Regis!

Parei, olhando espantado para o desconhecido, fazendo gestos com o polegar para meu próprio peito como a dizer “eu”?

— Venha cá — chamou-me ele.

Suado, ofegante e um tanto desconfiado de sua intenção, me aproximei devagar, parando diante dele.

Olhou-me atento, dos pés à cabeça por alguns instantes, talvez esperando que eu dissesse alguma coisa e percebendo que eu nada diria, insinuou:

— O que está acontecendo?

— Nada — dei de ombros. — Estamos brincando!

— Por que você está sumido? Nosso bebê nasceu!

— Bebê?! — Não entendi — Que bebê?

— Regis! Nosso bebê! O que há com você?

— Comigo? O que o senhor quer saber?

— Faz três dias que você não aparece. O que aconteceu?

— Por que eu deveria vir aqui? Quem é o senhor?

Abriu seu portão e chamou:

— Entre aqui, por favor.

Ameacei fugir e ele, passando o braço por meus ombros, praticamente me forçou a entrar em seu quintal.

— Me deixe! — Forcei assustado para que me deixasse.

— Não posso deixá-lo. Preciso saber o que está acontecendo.

Levou-me consigo até sua sala de estar e apesar de eu estar completamente suado, me colocou sentado em seu sofá limpinho.

Tentei levantar. Ele continuou forçando meu corpo para que ficasse sentado.

— Quero ir embora! — insisti apavorado. — Estou sujando seu sofá.

— Que importa o sofá, Regis! Preciso falar com você. O que está acontecendo?

— Quem é o senhor? — Especulei já começando a chorar — O que quer comigo?

Vindo do quarto, com um lindo bebê bem agasalhado em seu colo, entrou na sala uma mulher pouco mais jovem do que tal homem, dizendo em belo sorriso:

— Oi, Regis. Por que você está sumido?

— O que querem de mim? O que está acontecendo?

— Nós é que queremos saber o que está acontecendo, Regis! — Insistiu o homem — Sua mãe proibiu você de falar conosco?

— Nããão! — As lágrimas já molhavam todo meu rosto. — Quem são vocês? São meus tios?

— Não somos nenhum parente seu, menino — negou o homem. — Mas te amamos como a um filho. Você nos adora!

— Tá tudo errado comigo! O que será de mim?

— Calma, menino — pediu o homem. — Não tenha medo da gente. Vou lhe buscar água.

Ele se retirou em direção à cozinha.

A mulher com o bebê no colo, sentou-se a meu lado e ainda com belo sorriso, mostrando-se amiga, perguntou:

— Diga uma coisa: Você está com ciúmes do nenê?

Ainda chorando acenei que não.

— Você queria tanto conhecê-lo — Riu ela, embora preocupada.

Forçou a manta verde do rosto do bebê e me apresentou-o.

— Ele não é lindo? Estávamos esperando você, pra nos ajudar a escolher o nome.

— Como a senhora se chama?

— Jura que você não lembra meu nome?

Tristemente acenei que não.

— Nem de meu marido?

Tornei a negar.

— Se esqueceu de nosso nenê?

Simplesmente balancei os ombros.

— Ouça: — passou a mão direita sobre meus olhos — Meu nome é Sara e meu marido é Luciano. Pra nós é como se você fosse nosso primeiro filho. Te amamos muito... muito mesmo! Você é um menininho simples que cativou nosso coração. Nestes últimos três dias, apesar de nos ocuparmos com este frutinho aqui, quase morremos de saudades por sua ausência.

Luciano chegou com um copo de água e eu bebi tudo, deixando que um pouco derramasse sobre meu peito suado.

— Quer mais? — Perguntou-me ele.

— Obrigado!

— Regis, diz pra gente o que está acontecendo — insistiu o homem.

— O senhor é mesmo meu amigo?

— Você vem à nossa casa todos os dias. Às vezes mais de uma vez — insinuou a mulher. — Enquanto esperava esse lindinho aqui, como eu ficava sozinha em casa e sentia um pouco de dor nas pernas, era você quem me pajeava.

— Eu não me lembro de nada!

— Como não? — Insistiu o homem, de certa forma assustado. — Há apenas dois dias você estava tão bem.

— Não conheço nem mesmo meus pais, senhor Luciano. Finjo que os conheço, mas são verdadeiros estranhos — As lágrimas aumentaram. — Não reconheço meus irmãos, ou colegas de escola. Estes meninos que eu estava brincando na rua, não me lembro de nenhum deles. Nem meu irmão pequeno, o Paulinho. Ele se parece em tudo comigo, mas não o conheço de verdade.

— O que aconteceu? — Insistiu a mulher. — Foi por causa de você ter apanhado de sua mãe?

— Não.

— Você se lembra da surra? — Especulou-me o homem.

— Não! Fiquei sabendo porque ela me pediu desculpa.

— E o que aconteceu pra essa amnésia repentina?

— O que é amnésia? — Nunca soube de verdade.

— Isso que está se passando com você.

Suspirei forte pra tentar conter as lágrimas e disse:

— O senhor não acreditaria em mim. Ninguém acreditaria.

— Por que não?

— Nem eu mesmo acreditaria.

— Tente...

— Eu fui tirado da Terra e levado pra um mundo distante...

— Quê? — Estranhou o homem.

— Fui levado a outro planeta, muito longe da Terra. Um ano depois, voltei pra cá, mas não fiquei muito. Pouco tempo aqui e fui novamente levado pra lá, onde fiquei por mais sete anos...

— Nã, nã, nã, nã... — interrompeu-me o homem.

— Já sabia que ninguém acreditaria — balancei os ombros. — O que vai ser de mim?

— O que mais? — Questionou-me. — Vamos nos entender.

— Depois que voltei pra Terra, fiquei aqui por vinte e um anos e fui novamente embora, ficando perdido no espaço por trinta anos.

— Nada disso aconteceu, Regis! — Negou ele desorientado. — Os números não batem! Você só tem nove anos e sua conta diz mais de cinquenta.

— Setenta.

— Se tá ficando maluco, menino? Isso não aconteceu! Você esteve em minha casa há três dias, então depois a Sara foi pro hospital, onde nasceu o bebê.

— Pro senhor pode ser que faça apenas três dias que eu vim aqui, mas para mim isto foi há sessenta anos. E o pior é que eu nem me lembro.

— Isso não aconteceu, filho — Negou a mulher com sorriso meigo. — Você deve ter passado por um trauma psicológico grande, ou um sonho tipo pesadelos. Mas da Terra você jamais saiu.

— O senhor falou que mamãe me bateu forte. Por acaso não teria ficado marcas? Onde ela me bateu? Nas pernas? — Forcei as duas pernas para que percebesse que, com exceção de alguns arranhadinhos por brincarmos no mato, não havia marcas de surra.

— Ela te deixou marcas no corpo todo — afirmou o homem — mas com certeza já desapareceram.

— Marcas fortes demoram pra sair.

— Concordo! — Riu ele ainda espantado. — Da mente... Do trauma. Você nunca saiu da Terra! Isso seria impossível.

— O senhor fala alguma linguagem diferente dessa que estamos falando?

— Inglês! — Deu de ombros o homem — Por quê?

— Diga alguma coisa nessa linguagem.

— I Love you...

— Qualquer bebê sabe isso. Diga algo mais complicado. Uma frase mais longa.

— We love you and we are sure that you never been off the ground.

— É bom se sentir amado, senhor Luciano. Obrigado por este carinho. Mas estive fora da Terra por muitos anos.

— Você entendeu o que eu disse?

— Suas palavras foram assim: Amamos você e temos certeza de que você jamais esteve fora da terra.

— Como pode?

— Acabei de chegar do futuro. De onde eu vim, já tenho setenta anos de idade. Era o ano dois mil e quarenta e um. Corri certo risco de ser apagado, ao cruzar a barreira do tempo, para voltar aqui no mesmo dia e horário em que fui levado embora. Achei que voltando aqui eu seria feliz e consertaria meu destino. Eu ainda serei feliz e vou consertar meu destino, mas pra isso vou precisar de tempo e ajuda das pessoas que me querem bem. Acho que o senhor e dona Sara serão os melhores pra isso.

— Isso não aconteceu, Regis — insistiu Sara.

— Não conheço nada por aqui e nem é por causa de trauma. Acontece que onde eu estava passei por uma cirurgia no cérebro, que neutralizou alguns de meus neurônios, me fazendo esquecer meu passado na Terra.

O homem examinou minha cabeça, forçando meus cabelos.

— Pare, senhor Luciano — Pedi rindo de leve devido um pouco de cócegas. — não existem cicatrizes. A cirurgia foi feita pelo nariz.

— Acho que estou ficando biruta.

— Não! Nem o senhor e nem eu, como todos pensam. Não reconheço nada e ninguém por aqui. Finjo conhecer meus pais, para que mamãe não se apavore. Só reconheço cachorro porque tem um lá em casa. O Jerry. Conheço gato porque é quase igual um cachorro. Mas é preguiçoso, dorme no sofá e tem o rabo comprido. Conheço sapo porque vi no livro da escola. A Regina prefere beijar um sapo, mas não eu. O senhor acha que sou tão feio assim?... Eu não acho! Porque me pareço com Paulinho e acho ele o menino mais bonito do mundo.

— Não! — Negou rindo o homem — Você não é tão feio assim.

— Hum! — Eu seria mesmo tão feio? Quase igual a um sapo!

— Ele só está brincando, Regis — Riu dona Sara. — Você é tão bonito quanto Paulinho! Tanto é que pra nós seu apelido é principezinho.

— Principezinho! O que é?

— Em belas estórias de contos de fada, príncipe é um cavaleiro galante, que sempre conquista o coração da jovem mais bela do reino.

— Ainda não sei muito — Aleguei triste.

— Pra nós você é um príncipe francesinho.

— Ãh! — Acho que fiquei na mesma.

— Onde você disse que esteve, existem outras crianças?

— Mais de vinte e duas mil delas — Fiz pequena pausa e conclui: — Todas se parecem comigo.

— O quê? — Se espantou Luciano.

— Naquele lugar não existia crianças. Quando fui pra lá, através de minhas células foi criado um menino, Arthur e depois dele, todos os demais.

— Esta história é absurda, Regis! — desafiou-me o senhor Luciano. — Como você entendeu inglês eu não sei, mas esta história não condiz com a realidade.

Lembrando-me de meu tradutor, segurei-o em meu peito nu e lhe apresentei dizendo:

— Com isto eu entendo o seu inglês. E se o senhor procurar por todos os cantos da Terra, nunca encontrará algo semelhante a isto.

Ele segurou meu aparelhinho tradutor, ainda molhado pelo meu suor e questionou-me:

— Que desenhos são estes?

— Não são desenhos! São letras do mundo Suster. Aí está escrito meu nome, na linguagem deles.

— O que vamos fazer?

— Me ajudar! — Dei de ombros — Acho que reencontrei os amigos certos, para ajudar a me reencontrar e ser feliz em meu mundo real. Quero consertar meu passado, senhor Luciano.

— Quando você foi embora daqui... — insistiu o homem — quer dizer... se você realmente ficou tanto tempo ausente, o que aconteceu conosco? Com sua família...

— Não sei nada! — Neguei tristemente — A cirurgia apagou tudo.

— Povo malvado! — Se revoltou Sara.

— Não! — neguei — A cirurgia fui eu quem quis.

— Por quê? — insistiu ela.

Dei de ombros e emendei:

— Acho que depois de sessenta anos sofrendo com saudades daqui, resolvi querer esquecer pra tentar ser feliz.

— Quer dizer que tal cirurgia é algo recente? — Questionou-me Luciano.

— Isso! Não faz nenhum ano! Na verdade, algumas dezenas de dias.

— Poucos meses? — Corrigiu-me Luciano.

— Não sei o que é meses.

— Não sabe o que é meses... — Protestou ele — mas sabe o que é dias e anos...

Os ombros responderam por minha dúvida.

— Por que a cirurgia? — Questionou-me dona Sara.

— Eu estava com setenta anos de idade. Será que meus parentes e amigos da Terra ainda estavam vivos?

— Meu Deus! — Ficou perdido, Luciano.

— Nosso bebê nasceu e ficamos só esperando sua visita pra ajudar a encontrar um nome pra ele — Alegou dona Sara. — Queríamos tanto sua participação nessa nossa felicidade, porque pra nós você é o primeiro filho.

— E que nome escolheu?

— Ainda estamos esperando por você!

— Estou aqui! — Dei leve sorriso, embora triste.

— Que nome sugere?

Balancei os ombros.

— Pensamos em Gabriel — insinuou ela — O que você acha?

— Parece bonito nome. Eu concordo.

— Então será Gabriel — Riu ela. — É nome de um anjo.

— É o que ele parece — Ri. — um lindo anjinho dorminhoco.

— Willian Gabriel Cavalari — emendou o homem — Este será o nome de nosso segundo anjinho.

— Segundo? — forcei o nariz, fazendo careta.

— Você é o primeiro, Regis — alegou o homem.

— Obrigado! É muito bom se sentir querido.

— Por que você se lembra de algumas coisas e outras não? — Insistiu o homem.

— Aquilo que é comum aqui e onde eu estava eu não esqueci. Anjinho por exemplo. Também não esqueci o nome Terra e o nome Sol. Embora eu me esquecesse de todos meus amigos e família, sabia que foi aqui que nasci um dia. Nomes de bichos eu esqueci porque lá isto não existe.

— Não existem bichos? — Estranhou dona Sara.

— Não! O único sapinho feio lá era eu — Ri, me levantando. — Agora vou embora.

Saí devagar, sendo acompanhado pelo homem até o portão, enquanto que a mulher permaneceu com o bebê no colo, na entrada da sala.

— Posso voltar amanhã pra gente conversar? — Perguntei-lhe.

— Que pergunta! Você sempre foi muito bem vindo a esta casa e continuará sendo. É claro que você tem que voltar!

— Está bem! Agora tchau!

Abraçou-me e embora eu não esperasse me deu um beijo nos cabelos suados. Como ele notou minha pequena surpresa, me disse:

— Nunca interprete isso mal. É um beijo de pai pra filho.

Se era mesmo assim, abracei-o e dei-lhe um beijo no rosto, depois o deixei e segui correndo para minha casa.

Subindo a rua, antes de chegar, os meninos gritaram juntos:

— Regis, onde você se meteu? Sumiu sem falar nada!

— Não quero brincar mais! — Neguei com a ajuda dos ombros e entrei para casa.

Corri ao banho para tirar meu suor.


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Notas finais do capítulo

Somente mais dois capítulos para encerrarmos esta saga.



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