Regis em busca de si mesmo escrita por Celso Innocente


Capítulo 7
Um rosto conhecido


Notas iniciais do capítulo

Que as alegrias almejadas no ano que se encerra se tornem realidade por todo o novo ano.
FELIZ ANO NOVO PARA TODOS NÓS



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No recreio, continuei grudado em Beth, que, assim como eu, não tomou sopa e só me questionou:

— Não vai brincar com os meninos?

— Não conheço ninguém, Beth! Só você!

— Acha! Todo dia você brinca com todos eles e sequer sabe que eu existo.

— Estou tão confuso.

— O que há com você? — Se preocupou ela — Desde ontem você está tão esquisito.

De repente, um menininho, pouco menor do que eu, passou a nosso lado e entre todos, foi o único que me pareceu familiar.

— Quem é ele, Beth? — Perguntei à garota.

— Sei lá! Não é de nossa sala!

— Erick! — Chamei-o, só para confirmar.

Ele se virou para ver do que se tratava.

— Você é Erick? — Especulei-o sem entender o que estava acontecendo.

— Sou!

— O que você está fazendo aqui?

— Eu estudo aqui! — Alegou o pequeno. — Por que você quer saber?

— Que ano você está?

— Segunda série. Por quê?

— Tá errado! — Fiquei ainda mais perdido. — Não pode ser!

— Acho que você tá bobo! — Franziu o nariz o menino. — Eu nem te conheço!

Ele se afastou e Beth ficou me olhando espantada.

— O que está acontecendo, Beth? Tá tudo errado!

— Não tem nada errado, Regis! Você é que está esquisito.

— O Erick não está aqui! Ele está em outro mundo! E ele é maior.

— Que outro mundo é esse menino? Não existe outro mundo.

— Ele não vive mais aqui na Terra!

— Você nem conhece este menino, Regis! Ele não é de nossa sala.

— Mas deveria ser! Ele estudava comigo.

— Eu estudo com você e este menino nunca esteve em nossa sala.

Esfreguei ambas as mãos sobre o rosto e com lágrimas, insinuei:

— Minha cabeça! Está tudo atrapalhado.

— Pare de chorar — pediu ela emocionada. — Vai ficar tudo bem.

— Vai mesmo! Eu garanto que vai.

— Pare de chorar. Os meninos estão olhando.

©©©

Pouco antes do meio dia, estava em casa e enquanto mamãe terminava de aprontar o almoço para nosso batalhão, menos papai, que novamente fôra trabalhar no sítio, lhe perguntei:

— Mamãe, a senhora se lembra do Erick?

— Quem é Erick? Seu amigo?

— Ele é de minha escola. A senhora se lembra dele?

— Não conheço todos seus amigos, Regis!

Arrastei o maninho Paulinho pro nosso quarto de dormir, sentei-me com ele na mesma cama e lhe perguntei:

— Lembra de nosso trato?

— De detetive?

— Isso! Estou com aquele tal probleminha de esquecido. Você se lembra do Erick?

— Não! — Negou o maninho.

— Ele já morou aqui em casa. Foi enquanto eu não morava. Lembra dele?

O maninho acenou que não.

Acho que meus simples nove anos de idade não estavam assimilando direito às coisas e suas consequências.

— Regis — alegou o maninho triste — Será que eu também tô com esquecimento?

— Não! — Acho que comecei a entender o quebra cabeças. — O Erick não morou aqui em casa.

Erick teria morado com meus pais, alguns anos no futuro. Ou seja: nesta data isto ainda não teria acontecido e na escola, ele realmente estaria agora na segunda série, pois, só no ano seguinte ele faria a terceira série comigo, que então teria reprovado.

Mas como fica a situação dele estar na escola nesta data? Como é confuso. Significa que ele não está em Suster. O que teria acontecido com ele por lá? Puxa! Isso é futuro! Nós estamos vivendo o passado. Ele ainda nem foi para Suster e só irá... daqui a nove anos. Acho que nem vai!

E como será o futuro de Suster? Sem Erick e sem eu. Bem... em meu lugar tem Arthur. É a mesma coisa.

©©©

Após o almoço, seguindo antigo costume de tal futuro, deitei-me para descansar um pouco.

Acordei por volta das três horas da tarde, ouvindo uma voz feminina diferente na sala, conversando com Paulinho.

Levantei-me e segui até o banheiro, para lavar a cara cheia de preguiça.

Voltei-me, seguindo até a sala, onde me deparei com a dona de tal voz. Era uma menina muito bonita. Tão bonita quanto Elizabeth. Com seus cabelos castanhos, pouco encaracolados, não muito curtos, olhos verdes e sorriso largo.

— Oi! — Cumprimentei-a.

— Tava dormindo? — Perguntou-me.

— Tava. Você mora aqui perto?

— Como assim?

— Onde você mora?

— Acorda, Regis! — Riu ela — Você já saiu da cama!

— Estou acordado.

— Tá parecendo que esteve viajando.

— É! Você tá certa. Eu acordei agora.

— A sua mãe te bateu porque você brigou com Fabinho. É verdade que foi porque ele te chamou de mariquinhas, só porque você brinca comigo?

— Sei lá! — Dei de ombros — Nem me lembro.

— Pode falar — insistiu ela com voz de brava. — Se for isso, vou dar um murro na cara dele.

— Calma! — Pedi rindo — Já passou faz tempo!

— Ele é um imbecil e precisa de uma surra. Ele te chamou de mariquinhas ou não?

— Deixa pra lá! Como você se chama?

Ela me deu um beliscão tão forte, que chegou sair lágrimas de meus olhos.

— Aiiiii! O que você tá fazendo?

— Fazendo você acordar — insinuou ela brava.

— Eu não tô dormindo!

— Perguntou onde eu moro... como me chamo... O que há com você?

— Desculpe. Estou confuso.

— Ela é nossa vizinha do lado de cima, Regis — Orientou-me meu detetivezinho. — É a Regina e é sua principal amiga de brincar.

— Não é a Beth? — Questionei-o.

— Quem é Beth? — rangeu os dentes a menina.

— Beth é só sua colega de escola — explicou Paulinho. — Regina é sua amiga.

— Você gosta da Beth? — Reclamou a menina, ainda enfurecida — Quando quiser brincar, chame ela.

— Calma, Regina! — Tentou ajudar-me o maninho. — Regis está com um pequeno probleminha. Mas ele gosta de brincar é com você.

— Chame a Beth pra sarar seu probleminha seu bocó — Gritou ela e se retirou.

Fiquei ainda mais confuso.

— Regis, você tá estragando tudo! — Reclamou Paulinho.

— Por quê?

— Você vai me falar da Beth perto da Regina?

— O que há?

— Você é bobão memo, Regis — riu Paulinho, acenando negativamente com a cabeça. — Você adora brincar de papai e mamãe com a Regina. Até faz de conta que sou filhinho de vocês. E vai me dizer que gosta da Beth perto dela? Será que vou ter que ensinar tudo a você?

— É! — Franzi os lábios, sabendo que bobeei de novo — Acho que aqui você é quem tem nove anos e eu só tenho seis.

Ãh?

©©©

Na mesma tarde, sai na rua e vi Regina ao longe, se pendurando e balançando em seu portão.

Fiquei ali na rua, brincando sozinho de atirar pedras em... nada; fazendo de tudo para que ela me visse, mas a danadinha, acho que fingia que eu nem estava por ali.

Um menino de nossa idade saiu no portão, uma casa acima à da menina e imediatamente desceu a rua, chegando próximo a mim, dizendo zombeteiro:

— Foi gostosa a surra que a sua mãe te deu?

— Foi por sua causa, é?

— Minha não! — Negou ele — Foi por sua causa.

— Você é o Fabinho?

— Cê tá maluco?

Perdido por perdido, que se dane. Dei-lhe um murro na cara, fazendo com que o sangue descesse imediatamente pelas narinas.

Ele começou a chorar, subindo a rua de volta a sua casa, a fim de, talvez reclamar para a querida mamãe.

Ao passar defronte a menina Regina, esta riu exagerada, dizendo:

— Quem será que é mariquinhas?

Acho que me mostrei de herói para tal vizinha.

Mas então, meu coração batia assustado.

Esperava que mamãe surgisse com tal varinha verde para repetir a mesma surra do referido dia fatídico.

Sorte que ela nem percebeu o ocorrido.

Caminhei devagar até próximo a menina, que continuava me ignorando,

— Regina, me desculpe. Eu gosto de brincar com você.

— Convide a Beth pra brincar! — Reclamou ela, adentrando ao portão.

— Espere! — Pedi em tom gritado. — Me perdoe. Acho que estou com algum problema.

— Que vá consertar seu problema com a Beth!

— Ela é só colega de escola. Me ajude. Você é minha principal amiga.

— Você pode brincar com quem você quiser. Eu não sou sua dona!

— Por favor!

— Tá bem! De noite a gente brinca.

©©©

Após o jantar, ao mencionar que iria dormir meu irmão Henrique me chamou para brincarmos na rua com os demais colegas.

— Não quero! — Neguei.

— Por que você não quer mais brincar?

— Não sei brincar e não conheço ninguém.

— Quem não sabe brincar de namoro no escuro, ou de pé na lata? — Reclamou ele. — E quem é que você não conhece?

— Vou dormir! Estou com sono.

— Você tá é doente da cabeça!

Fui para a cama enquanto lá na rua, o barulho da molecada se iniciou rapidamente decidindo do que brincaria.

Eu realmente não me recordava de nenhuma das brincadeiras, ou pelo menos, quase nenhuma.

Passaram-se pelo menos meia hora e meus olhos, que antes estavam sonolentos, acabou se despertando e então, principalmente por causa do barulho, não conseguia dormir, ficando com isto, prestando atenção no que eles brincavam. Sim, era uma das que eu ainda me recordava, tanto é que em Suster, brincava principalmente com Erick, Arthur e Leandra. Pique esconde.

Resolvi me levantar e me dirigir até a rua, onde encontrei um monte de meninos e meninas, quase todos estranhos, brincando como crianças felizes.

Sentei-me no banquinho de madeira de frente de nossa casa e passei a observá-los, torcendo para que o caçador os encontrasse ao mesmo tempo em que torcia pelos quais se esconderam se salvar.

— Regis, venha brincar! — Convidou-me um deles. Menino paraguaio, um pouquinho menor do que eu.

— Disso eu sei brincar! — Aleguei como se fosse um grande feito.

— Então venha! — Concordou o maninho Henrique — Tá com você.

Enquanto todos foram se esconder fiquei com o rosto encostado no poste de iluminação pública, contando de um até trinta, imaginando apenas, como iria capturá-los, se sequer sabia o nome da maioria deles.

O primeiro que se denunciou sozinho e foi fácil capturá-lo foi me querido detetivezinho.

— Não valeu, Regis — reclamou ele. — Você contou muito rápido.

— Não liga não! Você vai me ajudar agora.

— Ãh!

— Quando eu os encontrar e vir para o pique, você me diz os nomes, porque eu não me lembro.

O próximo presa fácil foi o tal paraguaio, junto com três meninas.

Correndo sem trégua para o pique, fazia gestos para Paulinho que me ajudou:

— Juan, Cinthia, Letícia, Leila...

— Juan, Cinthia, Letícia e Leila, pegos um dois três.

Depois: Sidney, Leandro, Fabinho, Vera, Henrique, Valdir, Regina, Moacir, Ivone...

E assim, um a um, creio que ninguém se safou de minha agilidade susteriana.

O próximo a “bater cara” como diziam, foi Juan, já que teve seu nome citado primeiro, ao estar entre as meninas. Só lembrando que deveria ser Paulinho, mas todos diziam que ele era café com leite (aquele que é isento), devido ser o menorzinho da turma.

Depois, os dois primeiros a serem capturados por Juan, graças a ser denunciado por “meu carrapatinho” Paulinho, foram nós mesmos e sendo assim, de novo tive que ser o tal “bate cara”.

Ao procurá-los, a princípio, apesar do risinho denunciador, fingi não ver Paulinho e o primeiro a encontrar foi...

Corri ao pique e gritei:

— Pego, um dois três.

— O menino chegou, bateu a mão no poste e gritou:

— Valter, livre um dois três!

— Eu bati primeiro! — Reclamei.

— Você não disse meu nome!

— Bela coisa! — Insisti — Eu te peguei e pronto!

— Não quero nem saber! Eu to salvo e quero ver quem diz que não.

Fui à busca de outros. Aconteceu a mesma coisa.

Corri ao pique gritando:

— Pego um dois três.

A menina chegou apressada, bateu a mão no poste e gritou:

— Vera, livre um dois três.

— Nem vem! — Reclamei.

— Ninguém manda você ter preguiça de falar meu nome.

— Os dois estão pegos e boa!

Os próximos não teve erro. Ou quase:

— Juan, Vera, Letícia e Cinthia pegos um dois três.

Três deles se conformaram. Uma das meninas, porém, bateu a mão no pique e gritou:

— Leila, livre um dois três.

— Eu já peguei você! — Reclamei.

— Eu chamo Vera, por acaso?

Passei por Paulinho, que, apesar da risada extravagante, fingi não vê-lo, deixando correr até o pique e se salvar. Com isto, contando então com sua ajuda, capturei todos os demais sem quaisquer dificuldades.

Já que não teve acordo de quem seria o próximo a procurar, pois Valter não concordava que fôra pego e Juan, também não concordava em ter sido o primeiro, resolveram que mudaria a brincadeira para... namoro no escuro.

Todos, com exceção de Juan e Valter se sentaram no banquinho, ou próximo dele e então Valter tapando os olhos de Juan, perguntava:

— É este?

— Não! — Negara Juan.

— É este?

— Não!

— É este?

— É!

— Pera, maçã, uva, limão, abacaxi...

— Pera! — confirmou com sorriso o paraguaio.

— Um beijo no rosto da Ivone.

A menina se levantou, recebeu o beijo do menino que se sentou e ela foi a próxima:

— É este?

— Não!

— É este?

— É!

— Pera, maçã, uva, limão, abacaxi...

— Abacaxi!

— Um abraço em Regis.

Levantei-me e recebi um abraço até que apertado, daquela linda menina.

— Pensei que fosse um beijinho — ironizou o provocador Fabinho.

— Acha! — Reclamou Ivone — Ele é meu primo.

— Sou? — Especulei.

E que linda priminha! Meu coração bateu como a dizer: oba ganhei alguém para sempre! Não para ser namorada, mas para ser da família.

Agora era minha vez.

— É este?

— Não!

— É este?

— Não!

— É este?

— Não!

— É este?

— Não!

— O Regis sempre enrola — reclamou Fabinho.

— Cala a boca, Fabinho! — interferiu Regina. — Não é sua vez.

— É este?

— É! — aceitei.

— Pera, maçã, uva, limão, abacaxi...

— Uva!

— Um beijo na boca da Regina.

— Ai tem! — Reclamou Fabinho.

— Cala a boca! — interferiu Henrique.

— Não vê que é trapaça? — insistiu ele.

A menina se levantou e se aproximou protestando:

— Eu não vou beijar o Regis!

— Tem que beijar! Você tá na brincadeira e foi escolhida — cobrou-a Juan.

— Não vou beijar ele! Ainda mais na boca!

— Também não quero beijar você na boca! — neguei esfregando as mãos nos lábios. — Iéca!

— Então por que você escolheu uva? — Especulou-me Valter.

— Ah! Sei lá! — Os ombros me ajudaram.

De fato, eu nem sabia o significado de cada fruta. Falei a primeira que minha mente mandou.

— Prefiro beijar um sapo! — Foi incisiva a menina.

E eu nem sabia o que era sapo.

— E eu não vou brincar mais! — Protestei abrindo o portão e entrando para um novo banho, antes de voltar para a cama.

Assim sendo, acabei com a brincadeira daquela noite, pois todos se foram e a rua voltou a seu silêncio noturno habitual.

©©©

Em sala de aulas, aproveitando o livro de Ciências, que dona Regina nos entregou para que acompanhássemos a aula por ele, aproveitei para folheá-lo e me familiarizar com o que já teria estudado até então.

De repente, quase na metade de tal livro, o assunto era anfíbio e entre eles, girinos, rãs, pererecas e... sapos, com fotos estampadas, para que tal menino perdido no tempo, o reconhecesse.

— Credo! — Pensei fazendo careta — Ela me acha mais feio do que isso?

©©©

Assim que acordei de meu repouso da tarde, ouvi vozes na sala. Com certeza era Regina falando com Paulinho.

Levantei-me preguiçoso e mesmo estando apenas de short segui até o local, sentando-me de pernas cruzadas sobre o sofá.

— Vamos brincar, Regis? — Convidou-me ela.

— Não quero — neguei emburrado. —Você prefere beijar um sapo. Oh bicho feio!

— Mais bonito do que você.

— Um sapo não é mais bonito do que o Regis, Regina — defendeu-me Paulinho.

— Pra mim é!

— Então vai brincar com ele! — Protestei.


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Notas finais do capítulo

Faltam apenas três capítulos para conseguirmos resolver a felicidade deste jovenzinho.
Que tal um comentário dizendo o que acha que o destino preparou para ele.



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