Parola escrita por


Capítulo 8
Hoist the Colors


Notas iniciais do capítulo

Ahoy, marujos! Esse capítulo é pra aqueles que estavam loucos por um pouquinho de ação na história. O título é usado no texto e é uma expressão usada pelos piratas que significa "hastear a bandeira pirata". Por isso, nada melhor que a música Hoist The Colors pra esse capítulo, certo? Muitos já devem conhecer. https://www.youtube.com/watch?v=3ShMz4S0f1E Espero que gostem do capítulo e muito obrigada por acompanharem até aqui!



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Benjamin tirou uma pistola da cintura e andou cautelosamente até a garota. Embora parecesse preocupado, suas ações eram extremamente calculadas. Cada passo do rapaz no velho assoalho de madeira fazia com que o coração de Maya palpitasse. O quanto teria ele ouvido? Mentalmente, ela amaldiçoou Owen pelo hábito de chamá-la de milady.

O pirata de cabelos longos encostou a arma na cabeça da intrusa. Avaliou-a por um longo momento em silêncio, enquanto ela pensava em suas possibilidades. Ele tinha algum interesse no assunto, se não tivesse já teria atirado. Owen somente observava, sua expressão era enigmática e seus olhos, geralmente sem vida, expressavam curiosidade. O maldito, Maya pensou, provavelmente estava se divertindo com a situação. Pela primeira vez, ela olhou Benjamin nos olhos negros. Eles estavam indecifráveis.

— Levante-se. — Ele disse, guardando a arma no coldre. Maya deixou a surpresa e gratidão aparecerem em sua face por poucos segundos. Ela ainda estava preocupada, sua vida nunca correra tanto risco quanto naquele momento. O porão pareceu mais abafado, os odores mais fortes e o silêcio mais sufocante. Mas ela não podia ficar parada esperando um estranho decidir o rumo da sua vida. Ela precisava negociar.

— O quanto você ouviu? — Perguntou, cautelosamente. Ainda usava a voz masculina. Pelo canto do olho viu Owen conter uma risada. Um sentimento de ódio cresceu dentro de si. Então ele achava o seu sofrimento engraçado?

— O bastante para saber que não deve usar essa voz, vestir essas roupas ou estar em um navio. Quero que me diga o seu nome real. — Ele parecia nervoso. Sua testa estava franzida e seus olhos pareciam querer saltar do seu rosto. Ele coçava a barba enquanto falava. Maya não conseguia olhar para nada que não os seus pés. A essa altura, ela sentia as lágrimas começarem a se formar. O sangue zumbia em seus ouvidos. Ela havia perdido. Evitava pensar nas coisas horríveis que lhe aconteceriam quando os outros descobrissem. E o seu irmão? Com toda certeza Túlio morreria, como determina o Código.

— Maya. — Sua voz estava embargada e seu corpo inteiro tremia. Suor frio escorria por sua têmpora e ela pensou que poderia desmaiar a qualquer momento.

— Olhe para mim. — Benjamin ordenou, sua voz rouca ecoava pelo porão como trovões em uma tempestade. Maya o encarou em silêncio, seu rosto estava vermelho de vergonha, o medo estampado em seus olhos. Ela, que sempre fora corajosa, agora fraquejava ante ao sofrimento que a aguardava.

— Eu não sei qual a razão de você estar fazendo isso, mas sei que vai acabar mal. Não há como enfiar uma mulher em baixo de cento e cinquenta narizes masculinos sem que eles percebam. Você já deve saber que mulheres são atiradas ao mar. Ah, mas não antes que elas sejam humilhadas, torturadas... Estupradas. — Ele agora falava em um sussurro. Segurou o rosto da garota com uma mão, erguendo-o. — O que te faz pensar que dessa vez seria diferente? — Benjamin parecia triste, suas palavras não soavam como ameaça, mas sim como um lamento. Ele a soltou, virando-se de costas.

— Por quê você queria matar Owen? — Indagou o moreno. Maya se surpreendeu mais ainda ao saber que eles se conheciam. Então era por isso que o inglês continuava vivo mesmo após todos os outros prisioneiros terem morrido de fome, Benjamin o alimentava. Ela olhou rapidamente para o loiro, agora ele sorria abertamente. O que havia de tão engraçado na sua desgraça iminente?

— Ele descobriu o meu segredo, eu não podia correr riscos. — Sua voz falhava. Os olhos negros a analisaram por um momento, a moça pensou ter visto um lampejo de compreensão neles. As lágrimas começavam a brotar de seus olhos verdes e ela sentia que, se dissesse mais alguma palavra, os soluços começariam a surgir.

— Então pretende me matar também? Essa é a sua solução? Nada vai mudar o fato de que você é uma intrusa. Pode não ser hoje, mas o capitão Casto também vai descobrir e então, bem, você vai virar comida de peixe. — Ao terminar essas palavras, a risada de Owen irrompeu. A garota o encarou perplexa enquanto Benjamin suavizava sua expressão, com um sorriso torto.

— Você assustou a milady mesmo, hein Ben? — Owen perguntou, ainda se recuperando da crise de risos. — Pode relaxar, Maya, é mais fácil eu sair dançando pela cabine do capitão do que o Ben aqui condenar alguém assim. Confie em nós.

O ódio tomou conta da maruja, o seu rosto ardia de vergonha e frustração. Isso era algum tipo de brincadeira para eles? Alguns minutos atrás ela quase matara Owen e agora ele ria dela?

— Mas que merda é essa? — Ela perguntou, irada. — Vocês acham isso engraçado? Por quê eu confiaria em vocês? — Ela agora gritava.

— Aye, a milady tem muitas perguntas. — Owen disse, repreendendo-a. — É muito simples, milady, você não tem escolha.

Benjamin ouvia a conversa sentado em um barril. Sorriu para Maya, tentando tranquilizá-la. Ela cuspiu no piso aos seus pés.

— Não tenha medo, prometo guardar o seu segredo se você jurar que não vai matar o Owen, por mais tentador que isso pareça. — Ele encarou suas unhas sujas. — Ou eu. É bem simples. Nós não contamos sobre a, como ele diz, milady. Em troca, ela não conta sobre nós, não faz perguntas e não mata ninguém. É a sua melhor opção, não que você tenha muitas. Ah, nada de contar ao seu irmão, não queremos mais gente envolvida nisso.

Maya pensou por um momento. Que motivo ele tinha para não contar o seu segredo? Por quê ele mantinha Owen vivo? E se eles não cumprissem com sua palavra? Ela não se sentia bem em esconder algo tão grave do seu irmão, mas eles estavam certos, ela não tinha escolha. Mas precisava de garantias. Maya se lembrou de algo da conversa que tivera com Owen. Ele parecia ter medo do Demônio. Ela não acreditava nisso, mas deveria servir.

— Eu quero uma garantia. — Ela disse, tentando parecer o mais intimidante o possível.

— Olha, Ben, a milady tem exigências. — Owen zombou, mas Benjamin se levantou do barril.

— Que tipo de garantia? — Ele parecia desconfiado, tinha medo do que Maya era capaz. Ela se mostrou ardilosa ao chegar até ali, não duvidava de que ela poderia ser pior.

— Um pacto del diablo. Selado com sangue de virgem.— Ela disse séria, uma sombra de medo passou rapidamente pelo rosto de Owen e confirmou o que a jovem já suspeitava. A lenda dizia que o Pacto do Diabo selava um acordo de tal forma que aquele que o quebrasse teria sua alma perdida para o inferno. O loiro abriu a boca para recusar, mas o seu companheiro falou primeiro.

— Aceitamos.

Quando o sangue quente escorreu de sua mão para as bocas dos dois homens, Maya sentiu-se segura outra vez.

☠☠☠

O Sangue da Rainha do Mar atravessava o Cabo de Igoria. A qualquer momento o navio português apareceria por ali. Embora as velas púrpuras do Sangue fossem inconfundíveis, um nevoeiro tomava conta do cabo de forma que a nau lusa não perceberia o perigo antes que fosse muito tarde. Os navios piratas eram muito menores e mais rápidos que os mercantes. O céu estava fechado e uma grande tempestade se aproximava.

Homens corriam por todo o convés, definindo suas posições, buscando por matteloots, companheiros de batalha. Era costume dos piratas lutar sempre em duplas, além disso, eles tinham preferência clara pelas armas brancas. O capitão Casto dava instruções aos seus subordinados, enquanto Zaki conferia se tudo estava pronto para o ataque. Túlio ajudava o seu mestre a preparar os canhões. Seu rosto estava sujo de pólvora e seus dedos sangravam. Se sentia extremamente preocupado pela irmã, uma vez que não poderia lutar com ela. Segundo o mestre, Túlio seria necessário durante todo o ataque. Felizmente, ele pensou, Benjamin se voluntariou como matteloot. Maya não lhe parecera muito animada com a ideia.

Muitas horas se passaram até que a embarcação mercante aparecesse. A tripulação estava silenciosa, todos apreensivos. Quando a neblina densa não foi mais capaz de esconder as velas do Sangue e o navio inimigo começou a recuar, Zaki gritou.

— Hoist the colors! — Sua ordem ecoou pelo navio, homens se apressaram a hastear a bandeira pirata, que trazia o típico modelo Jolly Rogers: um crânio e duas tíbias cruzadas. O tecido preto tremulava ao vento, o mar se chocava com força contra os navios, graças à chegada da tempestade.

O Sangue disparou no encalço da embarcação, em seu casco era possível ler "São Gaudêncio". O primeiro canhão pirata disparou. O som retumbante era um aviso de que não haveria escapatória. A essa altura, ambas as naus se encontravam lado a lado. Os bucaneiros esperaram pelo segundo canhão, que veio pouco tempo depois, esse era o sinal de que deveriam atacar. Tábuas foram trazidas para que os homens invadissem o Gaudêncio. Alguns homens usavam cordas ou pulavam, levando facas entre os dentes.

Os marinheiros portugueses não se entregavam. Usando espadas, pistolas ou as próprias mãos, eles atacavam os bucaneiros em defesa do seu navio e de todo o ouro que transportavam. Estes, porém, tinham o dobro de energia e motivação. A corja de embriagados que eram horas atrás havia dado espaço para bravos guerreiros, em busca do seu prêmio. Nem todos os golpes eram honrosos, mas a derrota do oponente valia mais do que qualquer valor moral, tudo pelo ouro. Lusos eram esfaqueados pelas costas, levavam tiros múltiplos ou eram empalados por longas espadas. Não havia tempo para misericórdia, a tempestade ameaçava cair a qualquer momento.

Maya tentou se esconder dos companheiros até o fim da batalha, mas Benjamin a impediu.

— Tsc tsc... — Reprovou ele. — Deserção é severamente punida pelo Código de Conduta, Diego.

Ele a arrastou para a prancha de madeira que ligava os dois navios. Com um floreio indicou o caminho e sussurrou no ouvido da garota.

— Primeiro as damas.

Maya seguiu pela prancha, procurando não olhar para o mar agitado abaixo. Mas, notando a carnificina que a esperava à sua frente, preferiu concentrar-se nas ondas ferozes. Gotas de chuva começavam a cair, o som dos trovões encobria todo o barulho de batalha ao seu redor. Os piratas claramente estavam ganhando. A menina chegou ao Gaudêncio desorientada. Por pouco não foi atingida por um golpe de espada vindo de um marinheiro gordo e desajeitado. Benjamin cravou sua espada nas costas do homem, impedindo que ele alcançasse a moça.

— Você pode me agradecer depois. Agora lute! — Ele disse, golpeando a perna de um marinheiro que passava, seus cabelos eram ruivos e seu corpo extremamente magro. Maya e Benjamin estavam de costas um para o outro. Ela usava sua adaga branca para esfaquear aqueles que chegassem muito perto, na defensiva. A garota estava completamente assustada, nunca havia lutado antes, mas não era a única. Todos os marujos novatos estavam na mesma situação. Já o flautista escolhera o ataque. Avançava contra um homem de olhos cinzentos quando ouviu um gemido atrás de si. Maya havia sido ferida por um jovem moreno, cujo rosto estava coberto de sangue. De um talho na barriga da jovem escorria, denso e escuro, um fluxo de sangue. Benjamin se virou para ajudá-la a voltar para o navio, quando ouviu outro canhão disparando. Viu então Zaki sair da cabine do capitão português, arrastando-o pelos braços. O negro pediu atenção, sua voz tão forte que superava até mesmo o som da chuva.

— Cessem o combate, o capitão Martim pediu parola.

Casto chegou ao São Gaudêncio, carregava uma grande espada em suas mãos. Encarou Martim por alguns segundos antes de falar pela primeira vez.

— Então você pediu por parola? — Sua voz áspera anunciou, sendo seguida por uma risada gutural. Os bucaneiros mais antigos riram em uníssono. — O que te faz pensar que tem esse direito? — Perguntou. Com um golpe ágil e repentino, Casto decepou a cabeça do capitão Martim. Todos os homens se calaram. Até mesmo Maya sofria em silêncio. Os trovões retumbavam e o navio chacoalhava perigosamente.

— Escutem, vermes. Toda a mercadoria e dinheiro transportados nesse navio agora nos pertencem. Como derrotados em batalha, vocês têm três opções. Morte, prisão ou pirataria. — Ele tossiu brevemente. — Aquele que quiser se juntar à minha tripulação dê um passo à frente.

Apenas um homem se voluntariou. Ele era franzino e tinha cabelos e olhos castanhos. Seu rosto era marcado por uma cicatriz que dava uma continuação sombria à sua boca. O capitão Casto não pareceu surpreso. Nenhum homem se voluntariou à prisão. Todos eles morreriam.

Benjamin levou Maya de volta para o porão do navio. Nenhum dos outros homens poderia descobrir sobre o seu ferimento ou descobririam também a sua identidade. Entrou sorrateiramente nos aposentos de Casto. Após alguns minutos de procura pelas gavetas e baús, finalmente encontrou as chaves das algemas dos prisioneiros. Felizmente eles tinham um médico à bordo.


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que leram até o final! Comentem, discutam, perguntem e voltem para o próximo capítulo! Muito obrigada