Parola escrita por


Capítulo 7
Falta de Coragem


Notas iniciais do capítulo

Ahoy, marujos! Muito obrigada a todos que continuam lendo, comentando, e esclarecendo dúvidas por mp! A música dessa vez é Shiver my timbers (https://www.youtube.com/watch?v=ZVEqGH6MAL8). Espero que gostem do capítulo!



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A manhã mal começara, embora o sol aquecesse o convés. Os tripulantes se enfileiravam para receber suas provisões diárias, distribuídas por Maya, Po e Trad. A grande maioria estava sem camisa e suava graças ao calor. Naquele dia, o imediato ordenara que "duas bocas" de água fossem distribuídas, ao invés de uma.

Túlio não conseguira dormir durante a noite, a cada nova tentativa os olhos do prisioneiro o acusavam de assassinato. Olhou com pena para a irmã, ela provavelmente estava morrendo dentro daquelas roupas. Seu semblante parecia cansado e olheiras apareceram em baixo dos seus olhos verdes, pequenas cicatrizes se destacavam em seu queixo e pescoço, resultado dos diversos "acidentes ao se barbear". Sua expressão era pensativa e ela estava distraída da sua atividade.

O moço recebeu as provisões dos gêmeos e se virou para encarar a sua irmã. Abriu a boca para que ela derramasse a água estagnada.

— Procurei por você a noite inteira, Diego. Onde se escondeu? — Sua voz parecia tranquila, era apenas uma pergunta casual.

— Bem, digamos que eu não estou acostumado a ver navios amaldiçoados. Fui me deitar cedo. — Ela respondeu, usando um tom tão descontraído quanto o do irmão. Ele a analisou por um momento, sabia que estava mentindo: a meia lua de sua bochecha subiu e desceu por uma fração de segundos. Entretanto, não quis pressionar a irmã. Provavelmente era só mais um "assunto feminino". Maya nunca havia sido um livro aberto. Cinco anos atrás, quando sua mãe morreu, Túlio recebeu a responsabilidade de cuidar da irmã de 12 anos. Desde então ele passou a entender melhor como a mente feminina funcionava, não valeria de nada pressionar.

— Tudo bem, então acho que nos vemos mais tarde! — Ele disse, mas ela já havia avançado na fila, distribuindo a água.

Durante a manhã, Túlio limpou as diversas armas contidas no arsenal do navio. Além disso, Sinojo o ensinara a limpar e manusear diversos tipos de armas de fogo, como pistolas e mosquetes. O rapaz observara atentamente as instruções e se mostrou de entendimento rápido. Em poucas horas já sabia tudo sobre manejadura e alcance. O mestre se afeiçoara ao aprendiz, prometera lhe ensinar mais sobre canhões em breve, antes do saque ao navio português.

— Sabe, rapaz, você me lembra muito o meu filho Ernesto. — Sinojo disse, levantando o seu tapa olho e dando uma piscadela. — Às vezes sinto saudades do garoto e da minha esposa, Catarina. O mais belo par de olhos em toda a costa. — Ele balançou as sobrancelhas.

— Pensei que piratas não tivessem família.— Comentou Túlio, um pouco surpreso pela forma afetuosa que o mestre falava. Nunca pensara que bucaneiros pudessem ser pais de família. Como um relacionamento resistiria aos meses de distância e perigos mortais típicos da vida no mar? Sua concepção de família era deveras limitada e pouco sabia a respeito de casamento. Nunca conhecera seu pai e não havia sido prometido a nenhuma moça, hábito comum entre as famílias de Luz.

— A maioria prefere não criar raízes, mas muitos se juntam à pirataria para acumular riquezas e garantir o sustento de suas famílias. Os riscos da profissão são altos, sem dúvidas, mas as recompensas são muito boas. Você verá!

Vários assuntos surgiram na conversa, enquanto o trabalho era realizado. Sinojo tinha dedos finos e a habilidade de quem realiza um trabalho pela milésima vez. Foi Túlio quem iniciou o novo tópico, algo que fermentava o seu cérebro desde o evento da noite anterior.

— De onde vêm os prisioneiros do navio? — Ele disse subitamente. Sinojo o encarou por um tempo, coçou a barriga e observou as unhas sujas de pólvora por um instante.

— Quando saqueamos um navio damos três opções aos derrotados: se juntar à tripulação, ser prisioneiro ou morrer. Muitos dos que escolhem a primeira se amotinam nos primeiros dias e acabam mortos ou abandonados em ilhas. Os prisioneiros não resistem por muito tempo. Pouca comida, braços atados, umidade e escuridão levam qualquer um à loucura. — Respondeu. — Bem, garoto, parece que terminamos. Tire o resto do dia para descansar, vá beber um pouco.

Túlio procurou por Maya a tarde inteira. Encontrou Trad e Po no convés e ambos disseram que não haviam visto Diego desde a hora em que terminaram os seus trabalhos. Encontrou Benjamin, que tocava a sua flauta tranquilamente com uma garrafa de rum ao seu lado.

— Acho que o vi descendo em direção ao depósito. Quer que eu confira? Já estava indo lá mesmo. Preciso de uma vela para passar a noite. — Respondeu Benjamin, guardando sua flauta e levantando-se.

☠☠☠

O porão estava fedido e cada vez mais silencioso, feixes de luz solar entravam por entre as frestas da madeira. Sentado no mesmo lugar de sempre estava Owen. Sua expressão era doentia e ele não parecia recuperado da noite passada. O corte em sua perna era profundo o bastante para servir de recordação.

— Olha só quem chegou!— Ele disse, sarcasticamente, sua voz estava rouca e fraca. — Creio que a milady não pode resistir aos meus encantos, não é mesmo? Sei que é difícil se manter longe de mim.

Maya revirou os olhos, enjoada. Sacou a sua faca e descansou-a sobre o barril ao seu lado. Então, tirou do seu bolso um pouco de aveia e charque que roubara. Os olhos do prisioneiro arregalaram-se, seu estomago emitiu um grande rosnado. Ela sabia como conseguiria respostas.

— Como conseguiu me descobrir? — A jovem perguntou, aproximando-se do prisioneiro. Levou o pedaço de carne à altura dos seus olhos.

— Você já sabe a resposta para essa pergunta. — Ele disse, confirmando suas suspeitas. Então aquele homem havia estado à bordo do Holandês. Ela colocou a carne e um pouco de aveia na boca do prisioneiro e se sentou em um barril, pensativa. O que ela faria agora? Teria que matá-lo ou apenas esperar até que ele morresse de fome? E se ele contasse o seu segredo para alguém?

— Você pode mesmo... ler mentes, ouvir os pensamentos? — Ela perguntou, apreensiva. Ele provavelmente sabia no que ela estava pensando naquele exato momento.

— Não é bem assim. Eu simplesmente sei dos segredos das pessoas, assim como o demônio soube que o capitão do Holandês trapaceava. Não funciona sempre... É complicado. — Ele respondeu, ainda mastigando o pedaço de carne seca. Um longo minuto de silêncio se passou até que ele resolveu falar novamente.

— Você realmente acredita nessa história de demônio e capitão? — Perguntou a menina, desconfiada. Owen só gesticulou positivamente com a cabeça.

— Por que você ainda não me matou? — Sua expressão era séria, não olhava diretamente para Maya. — Falta de coragem? — Ele perguntou sinceramente. Não era um desafio, era uma dúvida.

A garota pegou sua adaga, suas mãos tremiam. Ela deu um passo a frente e se abaixou para fitar o rapaz, cara a cara. Seus olhos vazios nunca pareceram tão profundos, sua face tranquila não denunciava nenhum tipo de medo ou dor. Ela encostou a adaga no peito de Owen e respirou fundo. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ela se surpreendeu ao perceber que ele sorria de forma terna. Estava com pena dela. Maya sentiu raiva. Ele não tinha o direito de sentir pena dela, ele deveria estar com ódio, se debatendo, amaldiçoando-a, implorando por perdão. Ela estava prestes a acabar com a sua vida e tudo o que ele fazia era sorrir. A culpa dentro de si crescia, não queria fazer aquilo. Teria de conviver com o arrependimento pelo resto de sua vida.

— Adeus, milady. — Ele disse, fechando os olhos, à espera do golpe que o mataria.

Mas uma terceira voz ecoou pelo porão, fazendo com que Maya deixasse a adaga cair.

— O que você está fazendo? — Benjamin perguntou.


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Notas finais do capítulo

É isso aí, mesmo esquema de sempre u.u Muito obrigada pelo apoio e não se esqueçam: comentem, recomendem, façam camisetas e outdoors, espalhem a palavra! Aguardem pelo próximo capítulo, o navio português se aproxima! Algo me diz que vocês, piratas brasileiros, ficarão felizes com isso...