Parola escrita por


Capítulo 3
O mar é uma amante vingativa


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos à bordo do Sangue da Rainha do Mar, marujos! A questão é, vocês conseguirão se manter? Maya e Túlio estão prestes a selar seus destinos, mas será que eles vão conseguir atingir o seu objetivo? Bem, só lendo pra saber...



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— Com cuidado Túlio! Não, assim não, quero igual ao seu! — Resmungava Maya, enquanto um desajeitado Túlio tentava manusear a tesoura afiada. Ambos estavam em frente a um caco de espelho, a garota sentada no chão e o seu irmão ajoelhado atrás dela. O sol nascia e os irmãos se preparavam para se apresentar ao capitão do navio Sangue da Rainha do Mar, ancorado no porto da cidade.

Maya havia cortado e apertado um par de calças de seu irmão para que coubessem nela. Rasgara o único lençol que possuía a fim de produzir faixas de pano para enrolar no tronco.

— Garotos não tem seios! — ela disse brincando quando o irmão perguntara para quê serviriam as faixas.

Suas vestes eram, basicamente, o par de calças, uma camisa preta de manga longa do seu irmão e, para incrementar, um par de botas e um lenço azul, ambos roubados da casa vizinha. Para os moradores do Ninho, o roubo múltiplo era tão comum quanto a luz do dia.

Maya vestiu-se e, amarrando o lenço na cabeça, chamou pelo irmão, que estava virado para a parede.

— O que você achou, Túlio?

O garoto ficou boquiaberto. Sua irmã, de longos cabelos e seios fartos havia desaparecido, em seu lugar havia um rapaz magricela com um sorriso brincalhão.

— Impressionante! — Ele exclamou. — Mas para quê esse lenço? Tira isso.

— Nunca se sabe quando posso precisar de um lenço.— Respondeu ela, como se só isso bastasse. Túlio deu de ombros.

Um momento de hesitação se seguiu até que os irmãos saíram de casa. Não disseram adeus ao Ninho. Não disseram adeus aos vizinhos. Não disseram adeus à antiga vida. Eles simplesmente caminharam rumo ao porto.

Ao chegar à rua da taberna os irmãos pressentiram a agitação. O porto estava tomado de homens de todos as idades e portes físicos. A desorganização era tamanha que pequenos focos de brigas começavam a se formar e o barulho de vozes era tão alto que eles precisavam gritar para serem ouvidos.

— Como saberemos quem é o capitão no meio de tanta gente? — Perguntou Maya, em sua melhor imitação de voz masculina. Infelizmente, soava mais como um animal sendo apedrejado.

— Não sei, talvez se nós nos aproximássemos do navio...— O garoto foi interrompido pelo silêncio repentino que tomou conta do lugar. Apenas o som do mar era ouvido. De repente, uma voz trovejante estrondou atrás deles.

— Atenção, vermes inúteis. Eu vim aqui em busca de uma tripulação que saiba trabalhar, nada de corpo mole. Saibam que, ao se tornarem piratas, deixarão suas vidas para trás. Nomes, profissões, crimes, pecados. Aqueles que virarem bucaneiros nunca mais poderão abandonar a vida no mar. O mar, seus miseráveis, é uma amante vingativa. — As palavras vinham de um homem baixo, careca e de pele acobreada. Seu porte físico era forte e ele aparentava ter por volta dos seus 50 anos. Um dos seus olhos possuía um tom leitoso e o outro era de um azul intenso. Seus lábios eram grossos, alguns de seus dentes dourados e suas feições grosseiras. Uma longa cicatriz brotava do pescoço e se estendia até onde deveria estar sua orelha direita. Tatuagens indistinguíveis percorriam-lhe os braços e três brincos enfeitavam-lhe a única orelha.

Durante um tempo ninguém disse nada. Aquele deveria ser o capitão do navio e a sua postura impunha respeito a todos os homens. Ele olhava petulante para a multidão, como se esperasse alguma coisa, até que uma voz foi ouvida.

— Capitão, estou à sua disposição para compor a tripulação do navio. Deixo minha vida para trás e recebo o novo destino de cão do mar, se você assim aceitar. — Maya dera um passo a frente. Sua proximidade com o capitão lhe deu a oportunidade de sentir, em primeira mão, o cheiro do rum, do suor e de alguma outra coisa, sangue talvez, que brotavam do homem. Embora ela fosse mais alta, se curvou levemente para que não aparentasse. O capitão estudou-a por um momento. Deu voltas ao seu redor com uma expressão incógnita. A garota travestida suava frio e por um momento achou que esse era seu fim. Mas então o capitão respondeu.

— Parece que temos o primeiro rato, mas será mesmo que os ratos são os primeiros a abandonar o navio?

Longas horas se passaram desde então, o capitão avaliava homem por homem como se pudesse enxergar suas almas. Às vezes ele bebia um gole ou dois de uma garrafa de rum entre um candidato e outro. Já escurecia e Túlio ainda não havia sido escolhido. Vez ou outra o capitão se aproximava dele mas logo se interessava por esse ou aquele candidato.

Túlio pensou que deveria chamar a atenção do capitão assim como a sua irmã fizera. Por isso, aproximando-se do capitão, retirou-lhe a espada da bainha e a empunhou. Imediatamente o homem de pele acobreada retirou uma pistola de seu cinto e apontou para a cabeça de Túlio.

Niño, não sei o que está fazendo mas quero deixar uma coisa bem clara: eu estou sempre no comando e você — ele apontou usando a arma — é só um rato. Nunca mais faça isso ou eu te chuto do meu navio. — O capitão falava sério, porém Túlio sorria.

— Então isso significa que eu faço parte da tripulação?

— Não por muito tempo, espero. — Disse o capitão. Aparentemente ele havia ganhado um novo brinquedinho. O garoto não lhe representava nenhum perigo.

À meia noite os novos tripulantes já haviam sido selecionados. Não havia um padrão na nova tripulação e, com certeza, na velha também não. O grupo era composto de escravos indígenas e negros, americanos, asiáticos e pessoas de todas as partes da Europa.Novos, velhos, magros, gordos, atléticos ou aleijados. Não havia nenhuma mulher a bordo.

A lua cheia iluminava o convés e as sombras projetadas pelas velas escondiam dezenas de homens. Maya e Túlio estavam lado a lado junto ao grupo de recém chegados. O capitão não foi visto depois da seleção e aparentemente era por ele que eles esperavam.

Quando o capitão apareceu, segurava uma bíblia católica. Explicou para os novatos que eles agora fariam o Juramento de Honor. Cada homem repetiria as palavras do juramento e depositariam sobre a bíblia um símbolo da sua honra, um pedaço de si.

Em uníssono os homens repetiram as palavras do capitão:

— Me comprometo a vivir en comunión con otros marineros. Me comprometo a defender el barco con mi vida. Me comprometo a cumplir con las funciones que me sean . Me comprometo a respetar el Código de Conducta y nunca dejar la piratería. Yo doy mi vida al mar.

Um homem de cabelos cor de palha e dentes podres pegou a bíblia do capitão. Passou um a um por todos os homens, que cortavam seus braços e derramavam sangue sobre a bíblia. O mesmo se repetiu com Túlio, que usando uma faca do homem ao lado cortou a palma da mão. Quando o livro alcançou Maya, esta cuspiu sobre ele.


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