Parola escrita por


Capítulo 2
Como um marujo


Notas iniciais do capítulo

Bem, pessoal, agora que vocês já conhecem um pouco de como é a vida de Túlio e Maya nós podemos começar a nossa jornada, não é mesmo? Esse capítulo conta como tudo começou.



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O dia acabava e o cheiro da graxa enchia as narinas de Túlio, o calor fazia-lhe suar e o suor brotava das costas nuas. Agachado no chão escaldante, o garoto se mantia focado nos sapatos gastos que engraxava, calçados por um comerciante que vivia próximo ao porto.

— Você sabe — continuou a discursar o homem de sapatos velhos, embora Túlio não tenha prestado atenção nos tópicos anteriores — Essas pessoas não são boa gente, não mesmo.

Se você quer saber — Ele não queria saber. — eles não passam de uma corja de bandidos, trazendo a sua sujeira para nossa cidade. Ora, piratas! Você consegue acreditar nisso? — Perguntou, em um misto de deboche e preocupação. Os olhos dourados do garoto se levantaram pela primeira vez dos sapatos, agora brilhosos, para encarar o senhor a quem eles pertenciam.

— O senhor disse piratas? — Falou o rapaz, franzindo o cenho. — Piratas em Luz? O que eles poderiam querer aqui?

— Sim, rapaz, essa escória tem se tornado cada vez mais frequente nessa região. Ladrões, é isso que são. Dois navios foram pilhados no ultimo mês e agora estou sem especiarias das índias. Meus negócios estão prestes a ruir e a culpa é toda destes ratos.

Túlio não disse mais nada. Recebeu a moeda que o burguês lhe pagou e desceu a rua em direção ao Ninho. No caminho, lembrou-se de que sua irmã havia lhe pedido que levasse comida. Um mês havia se passado desde o incidente do anel e a comida da casa havia acabado novamente. Dando a volta passou por uma senhora que vendia caldos e ensopados, os quais enchiam a rua de aromas que se misturavam com a brisa marinha. Túlio entregou a moeda à mulher que lhe deu um pequeno pote de caldo de peixe. O rapaz pegou o pote e continuou seu caminho, em direção à orla marítima.

Atracado ao porto, há alguns quilômetros de distância estava uma grande embarcação. Ao se aproximar, o jovem pode ver que se tratava de um navio muito velho, de madeira escurecida e mariscos encrustados ao casco. Velas vermelhas encardidas pelo tempo contrastavam com o laranja do por do sol e diversas figuras estavam esculpidas na embarcação. Demônios terríveis, monstros marinhos e belas sereias se revesavam por toda a sua extensão. Escupidas ao casco estavam as palavras: Sangue da Rainha do Mar.

Durante o seu caminho Túlio viu alguns piratas transitando próximo ao porto. Vista de fora, a Taverna Baelaña parecia cheia, assim como o bordel do andar de cima. "Piratas..." Túlio pensou sorrindo, enquanto se aproximava do Ninho.

O lugar estava agitado. Garotas e mulheres mais velhas transitavam de um lado para o outro, vestindo roupas exageradas ou roupa nenhuma. Os trabalhos de prostituição do Ninho estavam oficialmente abertos. Não era sempre que as rameiras tinham a oportunidade de se oferecerem para dezenas de libertinos como nesse dia. A chegada dos piratas à Luz movimentava a economia do Ninho.

Túlio entrou na casa iluminada por um pequeno candeeiro. Sua irmã costurava à luz da penumbra e, assim que o viu, levantou-se de um pulo. Ele não se lembrava de qual foi a última vez que a vira tão animada.

— Ei, calma, por que nós estamos comemorando? — Ele perguntou, rindo, enquanto sentava-se no chão e derramava um pouco do caldo de peixe em uma tigela. O rapaz entregou-a para a irmã e serviu-se diretamente do pote.

— Você não soube da novidade? Túlio, piratas atracaram no porto. Piratas de verdade! — Respondeu ela, antes de beber um longo gole do caldo.

— Claro que eu sei sobre os piratas, mas por quê você se importa com isso? — Rebateu o rapaz, em um tom nervoso. Túlio não suportava nem pensar em sua irmã se vendendo para aquele homens.

— Você não vê? É a nossa chance! Nós finalmente podemos mudar de vida, sair daqui, deixar de ser ratos, deixar o Ninho, deixar Luz. É muito simples, eu tenho um plano, confie em mim! — Dizia ela, com os olhos suplicantes e uma voz entusiasmada.

— Pare de viver nas nuvens! O que você acha que vai ser de nós? Continuaremos vivendo com criminosos, libertinos, assassinos! — Ele gritava.

— Túlio, olhe para mim! — Ela segurou o seu rosto magro com as mãos e olhou no fundo dos seus olhos dourados. O garoto tinha a pele bronzeada e cabelos negros que faziam cachos soltos. Já Maya tinha os mesmos cabelos, porém extremamente longos e ensebados. Seus olhos eram verdes e grandes e sua boca carnuda. Ambos tinham narizes finos e uma pinta em formato de meia lua na bochecha esquerda. — Nós podemos fugir com eles até Port Royale, Madagascar, Tortuga, qualquer lugar. Podemos começar de novo, Túlio, você não vê como isso pode ser bom? Um novo país, novas oportunidades, podemos ganhar dinheiro com os meses de trabalho no navio e com ele comprar uma casa de verdade, comida, roupas, conseguir empregos, prosperar! Eu ouço histórias de pessoas que se deram bem em outros países. Podemos morar em uma ilha! Qualquer coisa menos o Ninho. Qualquer coisa menos essa vida de ratos. Chances assim só acontecem uma vez na vida. — A garota continuou falando enquanto o irmão a fitava silencioso e pensativo. —Nunca nos separaremos, Mi Sol, mas saiba que se você escolher ficar, estará dizendo não na única vez que a vida nos disse sim.

Túlio ficou calado por muito tempo, considerando a ideia. Maya parecia tão certa do que queria que o assustou. A garota tinha razão, era uma chance e tanto, mas será que era o certo a se fazer? Piratas sempre foram sinônimo de desonestidade e ele não queria isso para si e para a irmã. E além disso...

Mi Luna, você é mulher! Piratas não aceitam mulheres a bordo. Dá azar. O que você pretende fazer em relação a isso, gênia?— Ele respondeu, como o último argumento.

— Isso é muito simples! — disse ela sorrindo. Olhou para o trapo que costurava, eram calças como as de seu irmão, havia também algumas faixas que estavam ao seu lado. A garota levantou a tigela de caldo como se propondo um brinde a Túlio — Vou me vestir como um marujo.


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