Parola escrita por


Capítulo 4
Como funciona uma ratoeira


Notas iniciais do capítulo

Sei que muitos estão curiosos para saber como os piratas vivem, não é mesmo? Pois aqui estamos, à bordo do Sangue da Rainha do Mar! Nesse capítulo o código pirata é simplificado para vocês. Além disso, alguns personagens importantes são apresentados. Será que Maya e Túlio conseguirão levar seu plano adiante?



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A vida à bordo do Sangue da Rainha do Mar, ou somente "Sangue", era singular e, de certa forma, aterrorizante. Se outrora os irmãos tiveram apenas um ao outro como companhia e família, agora a relação de irmandade se extendia a mais cento e cinquenta homens que tripulavam a nau. A massa de navegantes era heterogênea e cada um deles apresentava características tão singulares quanto seus nomes.

Wade era um inglês corcunda responsável pelas cordas do Sangue. Suas mãos eram cobertas de feridas purulentas e seu corpo tinha uma coloração marrom-avermelhada, resultado de anos exposto ao sol. Valio era italiano e cuidava, na maior parte do tempo, da segurança dos mantimentos: animais e pessoas sempre tentavam roubar um pouco de comida, água ou rum. Seus poucos fios de cabelo eram sujos e encrostados. Além disso, uma barba trançada descia do seu queixo até a altura do umbigo. Sua pele branca era coberta de pelos e ele nunca usava camisa.

Zaki, outrora escravo negro fugitivo, era agora contramestre, seus pés enormes lhe rendiam o apelido de Bigtoe. Os bucaneiros eram tratados sem distinção de cor ou nacionalidade, o idioma comum era uma mistura de diversas línguas. A homossexualidade era aceita abertamente, embora o Metelotage, uma parceria civil entre homens, não fosse praticado no Sangue.

Trad e Po eram irmãos gêmeos. Decidiram juntar-se à tripulação quando o Sangue aportou em sua cidade natal, Esperanza. Eram entusiasmados e pareciam adorar a vida no navio. Trad era muito magro, contava histórias que nunca aconteceram jurando serem verdade e seu hálito não negava o alcolismo. Po era esperto e gentil, porém igualmente brincalhão. Ambos tinham cabelos sujos trançados e presos com tiras de couro. Os gêmeos logo se tornaram amigos dos irmãos Maya e Túlio, ajundando-os assim a se adaptarem à nova vida.

— Não durmam no convés, não incomodem o capitão e nunca interrompam o Benjamin no meio de uma canção! — Disse Po à Maya no momento em que a viu pela primeira vez. — Aliás, meu nome é Po, aquele é o meu irmão Trad, qual o seu nome, novato?

Maya arregalou os olhos. Como ela não tinha pensado em um nome antes? Abriu a sua boca para dar uma resposta engasgada quando Túlio veio ao seu socorro.

Hola! Eu sou Túlio, vejo que já conheceu o meu irmão Diego! Quem é Benjamin, afinal?

Benjamin era um jovem alto e forte, provavelmente da idade de Túlio. Seus cabelos eram castanhos, longos, lisos e ensebados. Seus olhos eram negros e suas orelhas cobertas por brincos. Sua barba era fina e seu nariz um tanto pontudo. Carregava junto a si uma flauta de bambu. Durante suas vigílias da madrugada tocava músicas animadas para manter os homens acordados. Esses contavam histórias, compartilhavam temores e zombavam uns dos outros. Também bebiam, criavam estratégias e jogavam dados. Jogos com cartas e apostas eram proibidos à bordo do navio pelo Código de Conduta.

O Código determinava regras a serem seguidas por todos os homens à bordo da nau, sob pena de morte. Todo homem possuía direito à uma ração diária de suprimentos por dia para usar como quisesse. Essa ração consistia em charque, farinha de aveia, manteiga e vinagre. Os homens também recebiam "uma boca cheia" de água, que era armazenada em barris de madeira com limão para evitar o escorbuto, possuindo assim um gosto detestável. Meia garrafa de rum ou cerveja preta também entravam nas provisões.

O trabalho era dividido em turnos e cada marinheiro só poderia ser chamado no seu respectivo horário. As velas deveriam ser apagadas duas horas após o anoitecer. Depois disso, qualquer atividade deveria ser realizada no convés. Os lucros de um saque eram divididos da seguinte forma: Um quarto para o capitão, um oitavo para o contra-mestre e o que sobrar igualmente distribuido à tripulação. Desentendimentos só poderiam ser resolvidos em terra firme. Todos possuíam direito ao voto em uma decisão. Mulheres e crianças não eram permitidos, sob pena de morte. Durante um confronto entre dois navios piratas os capitães tinham direito de pedir por Parola, uma espécie de negociação.

O capitão se chamava Casto. Era misterioso e muitos boatos o cercavam. Uns diziam que ele havia perdido a orelha em uma luta contra um corsário Inglês. Outros juravam que o homem sofria constante degeneração por conta de uma maldição lançada por uma cigana. As explicações para sua grande cicatriz variavam entre um pai que tentara matá-lo ainda quando criança e um encontro com uma sereia.

— Mas sereias não existem! — Deboxou Maya uma noite. Ela estava sentada junto a Trad, Po e Túlio. Benjamin se encontrava no ponto mais afastado do semi-círculo.

— Como assim "não existem"? — Continuou Po, que contava a história que havia ouvido sobre o capitão Casto. — Dezenas de homens nesse navio já viram sereias, perderam companheiros para elas. O Ed Caolho jura que já beijou uma! — Todos riram. Ed Caolho era um homem senil que vivia pelo navio contando histórias dos seus longos anos de navegação. Ademais, Ed jurava que era o verdadeiro capitão do navio, mas tolerava Casto dando ordens por pena.

— Eu não acredito nessa porcaria. Não existem mulheres no mar. — A garota sorriu e piscou para o seu irmão, os outros pareceram não perceber o gesto. Ela bebeu um gole da sua garrafa de rum. Benjamin interferiu pela primeira vez desde que os irmãos chegaram ao navio, olhando para Maya como se não só pudesse enxergar sua alma como também tocá-la.

— Eu acredito. Mulheres podem ser ardilosas. Mentem para conseguir o que querem. Por isso trazem má sorte para um navio. Não me surpreende o fato de serem atiradas ao mar. Sereias existem em qualquer lugar, são mulheres manipuladoras capazes de qualquer tipo de golpe e enganação. Podem não ter rabo de peixe — ele acrescentou, sorrindo. — mas que existem, ah, existem sim.

Todos os homens riram mas Maya ficou séria. Ela era uma mulher manipuladora, vivera anos de sua vida enganando as pessoas para garantir sua sobrevivência. Ela era ardilosa e estava mentindo naquele exato momento. A forma como Benjamin falou causou-lhe arrepios. A noite não estava mais tão proveitosa. O navio não era mais um lugar seguro. Naquele momento, Maya viu-se como uma pequena ratinha em uma enorme ratoeira, encurralada.

Naquela noite quente à luz da lua, os gritos e maldições dos prisioneiros do Sangue da Rainha do Mar ecoavam como nunca antes.


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Notas finais do capítulo

É isso galera, comentem, contem para os amigos, espalhem a palavra! Qualquer dúvida, crítica e observação sobre o capítulo será respondida!