Aprendiz do mal escrita por slytherina


Capítulo 3
Frankenstein




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Mestre e aluno foram até às catacumbas do cemitério, no local de seus estudos e experimentos, escondidos do olho do público. Haviam alguns cadáveres lá que ainda não estavam podres, pois foram comprados pela manhã, do contrabandista do hospital público, um ajudante de coveiro que deveria levar os defuntos para sepultar em vala comum, mas os levava a quem pagasse um ou dois trocados por cada corpo.


O ex-professor Heftig sentou-se em uma banqueta, a um canto e escorou a cabeça inebriada na parede.


– Preciso de café. Uma fervente (soluço)... e potente caneca de café.


– A única coisa que posso lhe oferecer é formaldeído para conservar cadáveres, mas acho que isso não lhe cairia bem. - Anton lhe respondeu divertido, enquanto transportava um corpo para a mesa de experimentos.


– Com mil diabos (soluço)... que o aluno está supla (soluço)... plantando o professor. Hahaha!


– Por que não descansa um pouco mestre. Quando tiver tudo preparado eu o chamo.


– Não faça besteiras (soluço)...


– Não se preocupe. Não farei nenhuma besteira maior do que a que faço agora.


Anton dispôs o corpo sobre a mesa de exames. Era de um homem grande, com basta cabeleira e sobrancelhas emendadas. Seus bíceps eram expressivos e sua caixa torácica imponente. Deveria ser o cadáver de um estivador ou outro trabalhador braçal. Ele deveria ter sido um homem muito forte. Morrera de uma estocada nas costas que lhe atingira um dos rins. Agonizara por três dias antes do êxito letal. Seu ataque fora à traição. Uma cordinha, amarrada ao dedão do pé, estava atada a uma etiqueta com o nome do defunto, Franz Bayern.


"Depois que eu reviver este corpo, você terá uma bela surpresa, Moisés Miller. Nunca mais me afrontará diante de seus amigos"... Anton parou o que fazia para refletir sobre suas resoluções e motivos. Por um momento não teve certeza de nada, e aquilo tudo lhe pareceu inútil. Sacudiu a cabeça. "Inútil é essa minha incerteza e fraqueza. Todos me espezinham e desprezam. Está na hora de dar o troco. Vão ter que aprender a me respeitar".


Anton colocou os eletrodos e preparou a bateria de energia improvisada. Antes de tentar ressuscitar o morto, teve uma ideia. Resolveu usar o encantamento judeu de criação de golens. Anotara tudo numa caderneta que levava consigo, como se fora uma fórmula matemática que deveria memorizar. Passou a desenhar símbolos com o bisturi, no cadáver. Leu o encantamento iídiche. Só então foi ligar a descarga elétrica que ressuscitaria o defunto.


O corpo do homem morto deu um pulo na mesa de experimentos. Anton aproximou-se com seu estetoscópio. Escutou o esperado batimento cardíaco e observou com excitação que os músculos peitorais tremiam. Então o corpo moveu os dedos da mão. Anton deu dois passos pra trás. Sentiu um nó na garganta. Não era possível que estivesse tendo sucesso nesse experimento. Isso não era natural. Era um milagre.


– Mestre! Mestre, acorde! Mestre, está acontecendo, agora...


O defunto abriu os olhos e começou a espreguiçar-se. Aos poucos foi sentando na mesa de experimentos. Anton foi tomado de terror. Correu ao mestre adormecido na banqueta e passou a sacudi-lo e a lhe dar tapas na cara, para que acordasse.


– Mestre, por favor, acorde!


O defunto ficou de pé e moveu a cabeça. Ele olhou para Anton. O estudante sentiu o sangue gelar nas veias. Foi tomado de pavor..


– Não... Você não pode me fazer mal, eu ... eu o trouxe à vida. Eu sou... seu mestre. Por favor?


Anton tremia mais do que vara verde. Temia se urinar a qualquer momento. Nunca pensara que teria sucesso na criação de um Frankenstein. E agora que isso acontecera, ele estava praticamente borrando as calças de medo. O que poderia fazer?


– Anton... dê-lhe uma ordem. - Seu mestre falou, ainda em estado inebriado. - Ele é como um golem, obedece ao criador.


– Você, Franz Bayern, agora obedece a mim. T-te-tenho um trabalho para vocé... - Anton falou com os olhos arregalados, temendo pela própria vida.


O homenzarrão aproximou-se de Anton o suficiente para tocá-lo, mas estacou. O olhar vazio, o rosto sem expressão. Parecia um fantoche. Anton suava frio. sua respiração estava descompassada.


– Dê-lhe uma ordem, Anton. Ele espera por ela. - O professor Heftig sugeriu, igualmente atemorizado, pregado à banqueta que impedia sua queda ao chão. Mesmo se quisesse, estava tão alcoolizado, que não conseguiria fugir ou se proteger. - Mande-o sair daqui, rapaz. Rápido!


– Eu... eu lhe ordeno que ... vá para a Universidade Real de Viena. Destrua ... destrua os dormitórios. Agora! Vá!

Anton ficou excitado e lívido. Nunca antes em sua vida assumira uma posição de comando, ou ordenara a destruição do que quer que fosse.


O corpo do estivador virou-se lentamente. Seguiu para a saída da catacumba e se foi.


O professor Heftig soltou a respiração que nem sabia que estava segurando. Anton ainda estava petrificado no mesmo lugar, com a respiração oprimida e o rosto contorcido, tomado de violenta emoção. Sentia-se extenuado e no limite de sua resistência física e mental, como se fosse desfalecer, mas lá no íntimo havia um sentimento novo, diferente, desconhecido, muito parecido com um sentimento de vitória.


O "Frankenstein" rumou para a universidade. Os portões estavam trancados, mas ele os derrubou tranquilamente. Seguiu para o salão principal e percorreu corredores. Invadiu salas de aula vazias e salas de laboratório. Ele as observava e se retirava sem tocar em nada. Ao amanhecer, os primeiros empregados perceberam sua presença. Alguns tentaram expulsá-lo de lá, mas foram derrubados como bonecos, por uma força descomunal.


Quando o corpo sem alma alcançou os dormitórios privados da universidade, os alunos estavam despertando, e alguns já estavam no banheiro. O monstro começou a destruir camas, armários, lustres, escrivaninhas e objetos pessoais. Quem ficou em seu caminho foi arremessado longe. Os mais espertos fugiram gritando. Outros sem tanta sorte foram nocauteados.


Após deixar os dormitórios em pedaços, o monstro procurou o caminho da saída, mas neste momento foi parado pela polícia que o fuzilou. Uma das balas inutilizou seu joelho, e outra atravessou-lhe o olho. Seu peito foi crivado de projéteis, e por muito pouco, ele não saiu andando, mesmo parecendo uma peneira. O monstro ainda se debatia e grunhia, quando um dos policiais o atacou com a baioneta, lhe decepando a cabeça.


– Sabe, chefe, eu podia jurar que conheço esse brutamontes, e ele estava morto a última vez que o vi. - Falou um dos policiais.


– Bem, oficial, agora pode ter certeza de que ele morreu, mesmo. - Respondeu seu superior.


O corpo do estivador foi recolhido para o necrotério municipal. Infelizmente, o corpo de outros três alunos lhe fizeram companhia. E entre eles, estava o corpo de Moisés Miller.


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